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Sistema de neurônios-espelho

Pesquisas com macacos na década de 1990 originaram uma nova abordagem teórica para a compreensão do movimento biológico. Por exemplo, Gallese e colaboradores (1996) avaliaram a atividade cerebral nos macacos em duas situações: (1) os macacos realizavam determinada ação (p. ex., agarrar); e (2) os macacos observavam outro ma- caco realizar a mesma ação. O achado principal foi que 17% dos neurônios na área F5 do córtex pré-motor eram ativadas em ambas as situações. Eles os denominaram “neurônios-espelhos”.

Achados como os de Gallese e colaboradores (1996) levaram os teóricos a pro- porem um sistema de neurônios-espelho. O sistema de neurônios-espelhos consiste de neurônios que são ativados quando outro animal realiza a mesma ação. O sistema supostamente facilita a imitação e a compreensão das ações dos outros. A noção de um sistema de neurônios-espelhos tem sido usada para explicar aspectos da compreensão humana da fala (ver Cap. 9).

A identificação de um sistema de neurônios-espelhos em macacos originou um grande interesse em encontrar um sistema similar nos humanos. Molenberghs e colabo- radores (2012a) relataram uma metanálise (ver Glossário) baseada em 125 estudos com humanos. Os achados mais importantes foram fundamentados em estudos “clássicos” nos quais os participantes observavam imagens visuais ou ações humanas e/ou executa- vam ações motoras. As regiões do cérebro mais associadas ao sistema de neurônios-es- pelho incluíam o giro frontal inferior e o lobo parietal inferior (ver Fig. 4.10). De forma animadora, essas áreas cerebrais são os equivalentes humanos das áreas mais associadas ao sistema de neurônios-espelho nos macacos.

Os estudos revisados por Molenbergs e colaboradores (2012a) mostram que as mesmas áreas do cérebro estão envolvidas na percepção do movimento e produção da ação. No entanto, ainda é preciso demonstrar que os mesmos neurônios são ativados ao se observar um movimento ou ao realizá-lo. Mukamenl e colaboradores (2010) identi- ficaram neurônios em varias áreas do cérebro (p. ex., a área motora complementar) que respondem à percepção e à execução de ações de agarrar com a mão.

Antes de prosseguirmos, observe que o termo “sistema de neurônios-espelho” é um tanto equivocado. Geralmente, presume-se que os neurônios-espelho desempenham um papel no entendimento de por que outra pessoa está realizando certas ações e na decisão de o que são essas ações. No entanto, os neurônios-espelho não fornecem uma codifi- cação motora exata das ações observadas. Como foi espirituosamente observado por Williams (2013, p. 2692): “Se fosse tão simples assim, eu poderia me tornar um patina- dor olímpico ou um concertista de piano!”.

TERMO-CHAVE Sistema de neurônios-espelho

Neurônios que respondem a ações realizadas pelo indivíduo ou por outras pessoas; acredita-se que esses neurônios auxiliam na imitação e na compreensão das ações de outras pessoas. CONTEÚDO ON-LINE em inglês Weblink: Sistema de neurônios- -espelho

CAPÍTULO 4 Percepção, movimento e ação 141

Achados

Geralmente, áreas dentro sistema de neurônios-espelho são ativadas quando alguém ob- serva as ações de outra pessoa (Cook et al., 2014). Entretanto, essa é apenas uma evidên- cia correlacional – não mostra que o sistema de neurônios-espelho é necessário para a imitação. Mengotti e colaboradores (2013) consideraram essa questão. Eles aplicaram TMS em áreas no interior do sistema de neurônios-espelho para afetar o seu funciona- mento. Conforme previsto, isso prejudicou a capacidade dos participantes de imitar as ações de outra pessoa.

Pesquisas mostram que os neurônios-espelho estão envolvidos no entendimento de por que alguém está realizando determinadas ações. Por exemplo, considere um estudo de Umiltà e colaboradores (2001). Eles usaram duas condições principais: em uma das condições, a ação do experimentador direcionada para um objeto era completamente visível para os macacos participantes. Na outra condição, os macacos viam a mesma ação, mas a parte mais importante estava oculta por uma tela. Antes de cada ensaio, os macacos viam o experimentador colocar alguma comida atrás da tela para que eles sou- bessem o que o experimentador estava alcançando.

O que Umiltà e colaboradores (2001) encontraram? Em primeiro lugar, mais da metade dos neurônios-espelho testados apresentava descarga na condição oculta. Em se- gundo, quase metade dos neurônios-espelho apresentava descarga na condição oculta de forma tão intensa quanto na condição totalmente visível. Em terceiro, Umiltà e colabora- dores usaram uma terceira condição que era a mesma que a condição oculta, exceto que os macacos sabiam que nenhuma comida havia sido colocada atrás da tela. Em termos das ações do experimentador, essa condição era idêntica à condição oculta. No entan- to, os neurônios-espelho com descarga na condição oculta não apresentavam descarga nessa condição. Assim, o significado das ações observadas determinava a atividade no interior do sistema de neurônios-espelho.

Iacoboni e colaboradores (2005) argumentaram que nossa compreensão das in- tenções por trás das ações de outra pessoa é com frequência auxiliada levando em conta o contexto. Por exemplo, alguém pode gritar muito alto com outra pessoa porque está zangado ou porque estão atuando em uma peça teatral. Iacobini e colaboradores investi- garam se o sistema de neurônios-espelho nos humanos era sensível ao contexto usando as seguintes condições:

1. Condição de intenção. Havia videoclipes de duas cenas envolvendo um bule de chá, uma xícara, biscoitos, um pote, etc. – uma cena mostrava os objetos antes de serem usados (contexto de beber) e a outra mostrava os objetos depois de terem sido usados (contexto de limpeza). Era mostrada uma mão pegando a xícara de forma diferente em cada cena.

Figura 4.10

Áreas do cérebro associadas ao sistema de neurônios-espelho em uma metanálise de es- tudos clássicos (definidos no texto). As áreas cerebrais envolvidas incluíam o lobo parietal inferior, o giro frontal inferoposterior, o córtex pré-motor ventral, o córtex pré-motor dorsal, o lobo parietal superior, o giro temporal médio e o cerebelo.

142 PARTE I Percepção visual e atenção

2. Condição de ação. As mesmas ações de pegar eram mostradas como na condi- ção de intenção. Entretanto, o contexto não era exibido, portanto era impossível compreender a intenção da pessoa que pegava a xícara.

Houve mais atividade no sistema de neurônios-espelho na condição de intenção do que na de ação. Isso sugere que o sistema de neurônios-espelho está envolvido na compreensão das intenções que se encontram por trás das ações observadas – foi apenas na condição de intenção que os participantes conseguiram entender por que a pessoa estava pegando a xícara.

Lingnau e Petris (2013) argumentaram que compreender as ações de outra pessoa com frequência envolve processos cognitivos relativamente complexos, além de proces- sos mais simples que ocorrem dentro do sistema de neurônios-espelho. Eles apresentaram a dois grupos de participantes as mesmas exibições com pontos de luz mostrando ações humanas e pediram que um dos grupos identificasse o objetivo de cada ação. Áreas no córtex pré-frontal (que estão associadas a processos cognitivos de nível elevado) foram mais ativadas quando era requerida a identificação do objetivo. Compreender os objetivos de outra pessoa a partir de suas ações parece envolver processos cognitivos mais com- plexos do que aqueles que ocorrem diretamente dentro do sistema de neurônios-espelho.

Avaliação

Vários achados importantes emergiram das pesquisas. Em primeiro lugar, nossa habilidade de perceber o movimento humano ou biológico com informações visuais muito limitadas é impressionante. Em segundo, as áreas cerebrais envolvidas na percepção do movimento humano diferem um pouco das envolvidas na percepção do movimento em geral. Em tercei- ro, a percepção do movimento humano é especial, porque é o único tipo de movimento que podemos perceber e reproduzir. Em quarto, há algum apoio para noção de um sistema de neurônios-espelho que nos permite imitar e compreender os movimentos das outras pessoas.

Quais são as limitações da pesquisa nessa área? Em primeiro lugar, ainda há muito a ser descoberto sobre como os processos bottom-up e top-down e descendentes intera- gem quando percebemos o movimento biológico.

Em segundo, algumas alegações sobre o sistema de neurônios-espelho são cla- ramente exageradas. Por exemplo, Eagle e colaboradores (2007, p. 131) defenderam que o sistema de neurônios-espelho sugere “a simulação automática, inconsciente e não inferencial no observador das ações, emoções e sensações executadas e expressas pelo observado”. Na verdade, a compreensão dos objetivos de outra pessoa a partir de suas ações envolve mais do que esses processos do sistema de neurônios-espelho (Lingnau & Petris, 2013). Como defendeu Csibra (2008, p. 443), é mais provável que “[neurônios- -espelho] reflitam a compreensão da ação do que contribuam para ela”.

Em terceiro, é improvável que o sistema de neurônios-espelho explique todos os aspectos da compreensão da ação. Conforme assinalaram Gallese e Sinigaglia (2014, p. 200), a compreensão da ação “envolve a representação de a quais [...] objetivos a ação está direcionada; identificar quais crenças, desejos e intenções especificam as razões que explicam por que a ação aconteceu; e reconhecer como essas razões estão ligadas ao agente e à sua ação”.

Em quarto, a definição de “neurônios-espelho” é variável. Esses neurônios res- pondem a observação e execução das ações. No entanto, há discordâncias quanto a se as ações envolvidas devem ser as mesmas ou apenas similares de uma forma mais ampla (Cook et al., 2014).