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As diferentes formas de olhar para o processo de construção dos indicadores

Chapter 11 gives special attention to the issue of air quality “Air quality, exposure and health, as indicators of development and quality of life in cities: the case of Estarre-

3. O que são bons indicadores? Como construí-los?

3.1. As diferentes formas de olhar para o processo de construção dos indicadores

Tradicionalmente, o processo de construção de IDS foi sendo visto, assumida- mente, como um processo meramente técnico, direcionado para peritos e técnicos es- pecialistas. Vários autores da abordagem “técnica” (por exemplo, Hammond et al., 1995; Gallopin, 1997; Bossel, 1999; Jesinghaus, 1999; Schlossberg e Zimmerman, 2003; Gio- vannini e Linster, 2005; Niemeijer e de Groot, 2008; Tasser et al., 2008; Singh et al., 2009, entre muitos outros) afirmam que os IDS são instrumentos imprescindíveis para o planeamento, implementação e avaliação de políticas de desenvolvimento sustentável, entre muitas outras funções instrumentais (ver as Tabelas 1 e 2, referidas atrás). Esta abordagem preocupa-se essencialmente com a relevância científica destes indicadores e discute as melhores metodologias para conceber os indicadores “ideais”, que sejam capazes de concetualizar e medir o desenvolvimento sustentável e desafiar a sua com- plexidade. Os tópicos mais frequentemente debatidos na literatura são: discussão de critérios com relevância científica para a seleção de indicadores; determinação da(s) metodologia(s) mais fidedigna(s); construção de modelos concetuais sólidos, adequa- dos à tipologia de indicadores; melhoria dos métodos de apresentação e comunicação; e, incorporação de inovação estatística e metodológica. Esta abordagem assume que indicadores assentes em metodologias cientificamente robustas vão «naturalmente tor- nar mais fácil e sustentar todo o processo de tomada de decisão» por «virtude da sua

validade científica» inerente, e, portanto, prevêem «um processo linear orientado pelo input» (Holman, 2009: p.368). Contudo, não pretendem ou «não conseguem explicar

as complexidades inerentes aos enquadramentos modernos de governação» (ibid.), à complexa teia das políticas públicas e à não linearidade entre informação/conhecimento e um determinado programa/decisão.

Defensores da abordagem “participativa” ou “direcionada para cidadãos” come- çaram a colocar várias questões à abordagem “técnica”: os IDS têm sido tão úteis na

prática como esta abordagem assume? Estão de facto a ser utilizados pelos decisores políticos? Conseguem efetivamente mudar políticas? Refletem os conflitos emergentes de diferentes objetivos e planos? Ajudam a reforçar as capacidades de múltiplos atores para lidar com as complexidades do desenvolvimento sustentável? Defendendo que, por si só, um conjunto bem definido de indicadores não garante necessariamente que haja mudanças e ações rumo ao desenvolvimento sustentável (por ex., Pinfield, 1996; Bell e Morse, 2003; MacAlpine e Birnie, 2005; Reed et al., 2005, 2006; Fraser et al., 2006, entre outros) estes autores criticam a visão técnica monopolista dos indicadores como «imagens tecnicamente elegantes em relatórios do que uns quantos indivíduos definem

como desenvolvimento sustentável» (Bell e Morse, 2003: p.28).“Os projetos que preten- dem construir indicadores de sustentabilidade tendem a focar-se apenas em questões técnicas (que indicadores escolher, quantos, como os agregar, etc.), como se tivessem miopia, em vez de verdadeiramente considerar usá-los para promover mudanças. O

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resultado é uma imensa literatura que lida com questões metodológicas, mas que tem pouco a dizer acerca de como, ou até mesmo de se, os indicadores foram usados para ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas. Parte-se do princípio que sim, mas onde estão as provas?” (Bell e Morse, 2003: p.55). Nesse sentido, a abordagem “partici-

pativa” dá uma ênfase muito menor aos indicadores per si e coloca no centro das suas

preocupações o processo de seleção e operacionalização desses indicadores, enquanto processo inerentemente participativo (ver Tabela 3).

TABELA 3. As diversas abordagens na construção de indicadores de desenvolvimento sustentável

Técnica Participativa Governação

Vantagens dos indicadores Definição e Comparação de Objetivos; Técnicas e administrativas Comunicação, transpa- rência e participação pública Definição e Comparação de Objetivos; Técnicas e administrativas; Comuni- cação, transparência e participação pública Quem define os indicadores

Número limitado de ato- res técnicos

Grande número de ato- res, não-técnicos, da so- ciedade civil

Grande número de ato- res, técnicos, políticos e da sociedade civil

Processo de construção

Processo pré-formata- do: definir objetivo pre- tendido + público-alvo + desenho apropriado + consulta a especialistas Processo contextualiza- do e colaborativo, com diferentes oportunidades de aprendizagem para diversos atores locais

Processo colaborativo abrangente, com atores governamentais e não governamentais; respon- sabilidades e coordena- ção em rede; fortes estra- tégias de comunicação

Critérios de Seleção dos indicadores

Disponibilidade de da- dos; Facilidade e uni- formidade de recolha; Fiabilidade dos dados e validade científica; Limitados em número; Aplicáveis a distintas es- calas temporais e espa- ciais; Passíveis de agre- gação; Transparência

Participação; Conheci- mento Local; Peso históri- co; Adaptáveis e flexíveis; Capacidade de serem operacionalizados; Compromisso político; Processo Colaborativo; Capacidade de opera- cionalização a longo prazo; Meta-avaliação; Fiabilidade dos dados e validade científica; In- corporação de diferentes tipos de conhecimento

Responsabilidade pela

recolha dos dados Técnicos Comunidade Redes

Público-Alvo Peritos; Decisores políti-cos e técnicos O público em geral; deci-sores políticos O público em geral; Deci-sores políticos e técnicos; Peritos

Modelo Concetual

Com base em modelos económicos, de capital, de pressão-estado-res- posta e suas variações, de bem-estar humano e bem- -estar dos ecossistemas, com base em temas/áreas (triple bottom line), estatís- ticos ou contabilísticos.

Com base em temas/áreas específicas; enquadramen- to concetual dependente do processo

Enquadramento concetual dependente do processo, com base em temas/áreas (standardizadas ou contex- tuais)

Tipo de indicadores Indíce; Indicadores-Chave; Listas de Indicadores; Da- dos em bruto

Indicadores-Chave; Listas

de Indicadores Indíce; Indicadores-Chave; Listas de Indicadores; Da- dos em bruto

Principais

Usos Instrumental

Concetual; Instrumental

em última análise Instrumental; Concetual; Simbólico; Político

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Esta abordagem parte do pressuposto que o processo de construção de IDS tende a produzir impactos, sobretudo impactos não-quantificáveis, não-instrumentais, intangíveis ou concetuais, importantes para as comunidades locais (Holman, 2009). Este processo permite envolver a comunidade, criar novas oportunidades de aprendizagem, participação e debate sobre o que significa desenvolvimento sustentável, compreender valores, necessidades, preocupações e expectativas, e permite direcionar ações coleti- vamente desejadas (Kline, 2000; Gahin et al., 2003). A nível local, centenas de cidades e regiões, inicialmente nos Estados Unidos e Canadá, e posteriormente, em todo o mundo, criaram sistemas de IDS que identificam e definem aspetos particulares de sustenta- bilidade na respetiva comunidade (Hart, 1999; Gahin et al., 2003; Hoernig e Seasons, 2004; Miller, 2007). Innes e Booher (2000) descrevem esta vaga de experiências como o “movimento de indicadores comunitários”. Este movimento, impulsionado pela “Agenda 21” (UN, 1992), e pela sua implementação a nível local, lutou por um desenvolvimento participativo e bottom-up dos indicadores para proporcionar bases democráticas sólidas (UN, 1992, capítulo 40). Muitas destas experiências comunitárias foram desenvolvidas pelos próprios cidadãos ou por organizações não-governamentais, sem o apoio dos go- vernos locais, através de procedimentos próprios que geraram sistemas de indicadores com base nas suas necessidades e circunstâncias particulares, tendo em conta os re- cursos disponíveis e as perspetivas das pessoas envolvidas. Este processo desenrolou- -se muitas vezes com base na “tentativa e erro” e em “aprender fazendo” e estava, por vezes, imbuído de expectativas irreais (Sawicki, 2002). Não isentos de muitos insucessos6, podemos ver hoje, sobretudo no contexto Norte-Americano e Australiano, um conjunto de experiências bem sucedidas, como o Sustainability Dashboard da cidade de Surrey7, o sistema PEG – Tracking Progress, Inspiring action da cidade de Winnipeg8, os Indicadores

Comunitários da cidade de Spokane9, o Greater Portland Pulse da cidade de Portland10, o sistema de Victoria11 ou uma das experiências mais antigas da cidade de Jacksonville12.

Mais recentemente, vários investigadores têm advogado a convergência des- tas duas abordagens (“técnica” e “participativa”), na teoria e na prática (cf. Reed et al., 2005, 2006; MacAlpine e Birnie, 2005; Rametsteiner et al., 2009; Moreno Pires, 2011). Defendem que é necessário perceber o impacto da construção, operacionalização, di- vulgação e debate destes indicadores nas estruturas de governação: a abordagem cen- trada na “governação” (PASTILLE, 2002; Gudmundsson, 2003; Astleithner et al., 2004; Hezri, 2004; Hezri e Dovers, 2006; Rosenström, 2006; Yli-Viikari, 2009, entre outros). Esta abordagem procura compreender e explicar o papel dos IDS nas relações entre os governos locais e as suas comunidades, no diálogo entre os vários níveis de governo, na formação de novas redes com novos atores, novos procedimentos institucionais ou

6 Para uma discussão sobre este assunto, ver Moreno Pires et al. (2016). 7 No Canadá: http://dashboard.surrey.ca/.

8 No Canadá: http://www.mypeg.ca/.

9 No Canadá: http://www.communityindicators.ewu.edu/. 10 Nos EUA: http://portlandpulse.org/.

11 Na Austrália: http://www.communityindicators.net.au/. 12 Nos EUA: http://www.jcci.org/.

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novos canais de comunicação que orientem a integração de políticas, horizontal e ver- ticalmente, e enquadram os debates locais sobre desenvolvimento sustentável (Moreno Pires, 2011). Na prática, importa orientar estes processos de construção de IDS através de perspetivas técnicas fundamentais, ponderando várias questões metodológicas com-

plexas associadas a estes indicadores (ver secção seguinte), mas também, e sobretudo, de uma perspetiva colaborativa e inclusiva, envolvendo e atribuindo responsabilidades pelos indicadores a um conjunto vasto de organizações locais e à própria população. Os IDS podem representar uma experiência importante na governação local, muito para além de uma mera ferramenta técnica ou de uma ferramenta de participação pública.

Não podemos, por isso, deixar escapar a mensagem do Papa Francisco (2015), na Encíclica Papal Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum. Deste escrito, em que se apela ao intenso diálogo entre ciência e religião, em prol da defesa do Planeta - a nossa casa comum-, o Papa enfatiza valores e critérios que não devem ficar esquecidos e refor- ça a necessidade de um processo inclusivo de construção de conhecimento local: “(...) às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa, mas é selecionada de acordo com os próprios interesses, sejam eles políticos, económicos ou ideológicos. Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões, tendo presente todas as variáveis em jogo. É necessário dispor de espaços de debate, onde todos aque- les que poderiam de algum modo ver-se, direta ou indiretamente, afetados tenham possibi- lidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para adotar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro” (...) “pretender resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por intervenções técnicas leva a negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que requerem a participação ativa dos habitantes” (p. 102). E acrescenta: “as soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas. É preciso assumir a perspetiva (...) que o desenvolvimento de um grupo social supõe um processo histórico, no âmbito de um contexto cultural, e requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais, a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção de qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano” (p.110-1).

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