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Chapter 11 gives special attention to the issue of air quality “Air quality, exposure and health, as indicators of development and quality of life in cities: the case of Estarre-

5. Fontes positivas do dever de monitorização

5.3. O dever de monitorização nas leis de bases

Parece-nos importante frisar que, apesar da particular importância — quantitati- va e qualitativa — da monitorização nos instrumentos jurídicos ligados ao ambiente, este dever é hoje em dia transversal a todas as áreas de intervenção pública, e muito espe- cialmente àquelas que revelam maiores afinidades com o desenvolvimento sustentável.

Fruto da pesquisa incidente sobre as Leis de Bases, encontrámos significativas referências a deveres de acompanhamento das políticas setoriais, como as disposições que estabelecem deveres de vigilância da execução, deveres de avaliação continuada, deveres de consideração de projeções de umas leis noutras, deveres de desenvolvi- mento de mecanismos de supervisão, deveres de análise permanente, e até deveres de elaboração de atlas nacionais baseados em indicadores.

88 No plano europeu poderíamos igualmente fazer decorrer o dever de conhecimento e acompanhamento

da realidade económica, social e ambiental de um sem número de atos legislativos, que nas diversas áreas, impõem aos Estados obrigações de monitorizar e reportar à União o seu contributo individual, para a prosse- cução dos objetivos europeus. Analisá-las-emos quando nos debruçarmos sobre o Direito interno que transpõe e dá execução às normas europeias.

89 Artigo 8, n.1 da Diretiva 2003/4, de 28 de janeiro de 2003: “os Estados-Membros assegurarão que, na medida

do possível, as informações recolhidas por eles ou por sua conta sejam actualizadas, exactas e comparáveis”.

90 Acórdão de 15 de março de 2001, no processo C-147/00, contra a França; Acórdão de 14 de junho de 2001,

no processo C-368/00, contra a Suécia; Acórdão de 19 de março de 2002, no processo C-268/00, contra os Países Baixos; Acórdão de 30 de janeiro de 2003, no processo C-226/01, contra a Dinamarca. Contra Portugal, o Acórdão de 15 de julho de 2004, no processo C-272/01, em que o Tribunal de Justiça declara que Portugal recolheu um número insuficiente de amostras de águas balneares.

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Sem surpresa, foi na Lei de Bases do Ambiente, por um lado, e na Lei de Bases do Solo, Ordenamento do Território e Urbanismo, por outro, que encontrámos as indica- ções mais concretas e incisivas relativamente ao conteúdo do dever de monitorização. Voltaremos a elas no final do presente capítulo, após a análise de outros setores.

Assim, na Lei de Bases da Saúde, encontramos referências à vigilância da

execução da política91 e à integração da saúde nos setores “da segurança e bem-estar social, da educação, do emprego, do desporto, do ambiente, da economia, do sistema fiscal, da habitação e do urbanismo”92. A atuação do Estado no domínio da saúde só será eficaz se for baseada num sólido conhecimento destas realidades que interferem com a saúde, de forma a garantir que as restantes políticas contribuem igualmente para a promoção do objetivo de alcançar uma sociedade mais saudável.

Ou seja, só com uma monitorização que cubra também outros setores, diferentes da saúde mas que podem interferir com ela, é que podemos aspirar a criar as desejadas sinergias entre políticas.

Na Lei de Bases da Educação, trata-se da consagração de um dever de avalia-

ção continuada do sistema educativo, tendo em conta “os aspectos educativos e peda- gógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros e ainda os de natureza político-administrativa e cultural”93. Significativamente, é reconhecida a importância das estatísticas da educação, as quais são realçadas como “instrumento fundamental para a avaliação e o planeamento do sistema educativo, devendo ser orga- nizadas de modo a garantir a sua realização em tempo oportuno e de forma universal”94. O objetivo final é “garantir a necessária eficácia e unidade de acção”95 na política educa- tiva. De facto, mesmo os objetivos sociais visados pela criação de uma rede de estabe- lecimentos escolares96 — contribuir para a eliminação de desigualdades e assimetrias locais e regionais — exigem um planeamento baseado em dados estatísticos acerca da realidade social e económica subjacente ao sistema educativo.

91 Lei n. 48/90, de 24 de agosto Com as alterações introduzidas pela Lei n. 27/2002, de 8 de novembro Base VI

Responsabilidade do Estado: “Cabe ao Ministério da Saúde propor a definição da política nacional de saúde,

promover e vigiar a respectiva execução e coordenar a sua acção com a dos ministérios que tutelam áreas conexas” (n.2).

92 “Todos os departamentos, especialmente os que actuam nas áreas específicas da segurança e bem-estar

social, da educação, do emprego, do desporto, do ambiente, da economia, do sistema fiscal, da habitação e do urbanismo, devem ser envolvidos na promoção da saúde” (Base VI n.3 da mesma Lei).

93 Artigo 52 da Lei n. 49/2005, de 30 de agosto, que estabelece as bases do sistema educativo (e que republica

a Lei n. 46/86, de 14 de outubro), sobre Avaliação do sistema educativo.

94 Artigo 54 n.1 da mesma lei. No n. 2 chega a prescrever-se que “para este efeito devem ser estabelecidas as

normas gerais e definidas as entidades responsáveis pela recolha, tratamento e difusão das estatísticas da educação”.

95 Artigo 46 n.3, sobre Princípios Gerais: “Para os efeitos do número anterior, serão adoptadas orgânicas e

formas de descentralização e de desconcentração dos serviços, cabendo ao Estado, através do ministério responsável pela coordenação da política educativa, garantir a necessária eficácia e unidade de acção”.

96 Artigo 40 da Lei n. 49/2005, de 30 de agosto, que estabelece as bases do sistema educativo (e que republica

a Lei n. 46/86, de 14 de outubro), sobre Rede escolar “1. Compete ao Estado criar uma rede de estabelecimentos públicos de educação e ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2. O planeamento da rede de estabelecimentos escolares deve contribuir para a eliminação de desigualdades e assimetrias locais e regionais, por forma a assegurar a igualdade de oportunidades de educação e ensino a todas as crianças e jovens”.

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Portanto, também a monitorização de outros setores, externos à educação, é essencial para a prossecução dos objetivos da política de educação.

Na Lei de Bases da Proteção Civil, a responsabilidade partilhada97 de preven- ção de riscos coletivos exige o “levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos colectivos”; a “análise permanente das vulnerabilidades perante situações de risco”, a “informação e formação das populações, visando a sua sensibilização em matéria de autoprotecção e de colaboração com as autoridades”98.

Considerando que os riscos são multifatoriais e que a vulnerabilidade económica e social das populações agrava a exposição aos riscos99, só um conhecimento efetivo das múltiplas dimensões económicas, sociais e ambientais que podem potenciar ou am- plificar a ocorrência de situações de catástrofe permitirá prevenir, mais eficazmente e com maior justiça100, os riscos crescentes aos quais a sociedade está exposta101.

Na Lei de Bases do Património Cultural, consagra-se o dever de recolher sis-

tematicamente dados relativos a este património102, incluindo os bens imateriais repre- sentativos de minorias étnicas103 “facultando o respectivo acesso tanto aos cidadãos e organismos interessados como às competentes organizações internacionais”104.

Mais, o interesse cultural do património depende de fatores de diversa nature- za (históricos, paleontológicos, arqueológicos, arquitetónicos, linguísticos, documentais, artísticos, etnográficos, científicos, sociais, industriais ou técnicos105) cuja avaliação de- pende também da compreensão do contexto cultural e social em que o património se insere. Por esta razão é útil ter a noção do grau de utilização e de valoração social dos bens patrimoniais a fim de os classificar atendendo também à sua real relevância social.

97 Que impende, nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, não só ao Estado mas igualmente às Regiões

Autónomas, autarquias locais, cidadãos e todas as entidades públicas e privadas (artigo 1 n.1 da Lei n. 27/2006 de 3 de julho, alterada pela Lei n. 80/2015 de 3 de agosto). Também nos princípios especiais de Proteção Civil encontramos exatamente a mesma ideia, a propósito do chamado princípio da cooperação, que “assenta no re- conhecimento de que a protecção civil constitui atribuição do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e dever dos cidadãos e de todas as entidades públicas e privadas” (artigo 5 e)).

98 Artigo 4 n.2 a), b) e c) da mesma Lei.

99 A análise feita por Susan Cutter relativamente às vítimas do furacão Katrina é paradigmática da associação

entre vulnerabilidade socio-económica e vulnerabilidade aos riscos. Hazards, vulnerability and environmental

justice, Earthscan, 2006, p. 71 a 153.

100 Neste sentido, Alexandra Aragão, «Prevenção de Riscos na União Europeia: o dever de tomar em consideração

a vulnerabilidade social para uma protecção civil eficaz e justa», in: Revista Crítica de Ciências Sociais, n 93, Junho de 2011 p. 71 a 93 (também disponível em http://hdl.handle.net/10316/15264 e http://rccs.revues.org/174).

101 Ulrich Beck, em World at Risk (Polity, 2009) desenvolve o tema do confronto de culturas do risco relativamen-

te aos riscos globais, das alterações climáticas ao terrorismo.

102 Artigo 6 f) da Lei n. 107/2001, de 8 de setembro, que estabelece as bases da política e do regime de proteção

e valorização do património cultural “informação, promovendo a recolha sistemática de dados e facultando o respectivo acesso tanto aos cidadãos e organismos interessados como às competentes organizações interna- cionais”.

103 No artigo 92 n.2 da mesma Lei, esta obrigação é apresentada como um dever especial das Autarquias

Locais.

104 É ainda o artigo 6 f) da Lei.

105 “O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, lin-

guístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singulari- dade ou exemplaridade” (artigo 2, n.3 da mesma lei).

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Por fim, é fundamental que sejam igualmente identificadas e de conhecimento público “as circunstâncias susceptíveis de acarretar diminuição ou perda da perenidade ou da integridade”106 dos bens, de forma a poder adotar medidas provisórias ou medidas técnicas de salvaguarda adequadas “logo que a Administração Pública tenha conheci- mento de que algum bem classificado, ou em vias de classificação, corra risco de des- truição, perda, extravio ou deterioração”107.

Por isso, monitorizar fenómenos de degradação ambiental, como a corrosão dos monumentos ou edifícios calcários pelas chuvas ácidas, ou fenómenos de degradação social, como a vandalização do património pelo turismo de massas, é fundamental para poder atuar em tempo útil, evitando perdas irreparáveis.

Na Lei de Bases da Economia Social, estabelece-se o dever de o Estado, no

planeamento e desenvolvimento dos sistemas sociais públicos, ter em consideração “a capacidade instalada material, humana e económica das entidades da economia social, bem como os seus níveis de competência técnica e de inserção no tecido económico e social do país”108. Acresce que deverão ser desenvolvidos, em articulação com as organi- zações representativas das entidades da economia social, “os mecanismos de supervi- são que permitam assegurar uma relação transparente entre essas entidades e os seus membros, procurando otimizar os recursos (…)”.

Este é mais um aspeto que poderá, com vantagens, ser inserido na monitoriza- ção do desenvolvimento sustentável, incluindo nas matrizes os indicadores relevantes.

Segundo a Lei de Bases do Desporto, esta atividade não deve ser vista isola-

damente. Pelo contrário, o desporto deverá ser integrado noutros setores de atuação do Estado e os poderes públicos deverão ter em consideração, enquanto princípio geral, “a valência educativa e cultural do desporto e a sua projecção nas políticas de saúde e de juventude”109. Mais uma vez, as preocupações com a justiça territorial estão subjacen- tes à atuação do Estado na área desportiva, na medida em que se visa “a optimização dos recursos humanos e das infra-estruturas materiais disponíveis”, “o ordenamento do território”, “a redução das assimetrias territoriais e a promoção da igualdade de oportuni- dades no acesso à prática desportiva”110.

Estes objetivos só podem ser alcançados se assentarem numa monitorização, nos moldes referidos, que abranja diferentes aspetos sociais, ambientais, económicos e de governância que possam influenciar a prática do desporto.

De forma ainda mais evidente, a Lei de Bases determina a elaboração e atualiza- ção do denominado “Atlas Desportivo Nacional” contendo o cadastro e o registo de dados

106 Artigo 17 i) da Lei. 107 Artigo 33 n.1 da Lei.

108 Artigo 9 b) sobre princípio da cooperação.

109 Artigo 2 n.2, a) da Lei de Bases do Sistema Desportivo estabelecida pela Lei n. 1/90 de 13 de janeiro, alte-

rada pela Lei n. 19/96, de 25 de junho.

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e de indicadores111 que permitam o conhecimento dos diversos fatores de desenvolvimen-

to desportivo, designadamente: a) espaços naturais de recreio e desporto; b) instalações desportivas artificiais; c) enquadramento humano; d) associativismo desportivo; e) hábitos desportivos; f) condição física dos cidadãos; g) quadro normativo nacional e internacional”112.

A necessidade de inclusão destes dados numa matriz integrada de indicadores de desenvolvimento sustentável impõe-se aqui à evidência.

Já a Lei que Estabelece as Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, prevê, como resultado da monitorização e avaliação do

bom estado ambiental do meio marinho e das zonas costeiras, a elaboração de relatórios plurianuais elaborados pelo Governo e apresentados à Assembleia da República113.

Mas é a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo114 que dá indicações mais claras e precisas quanto ao modo de cumprimento do dever de monitorização. Nesta lei, o dever surge relacionado com os princípios da transversalidade e da integração das políticas de ambiente, de or- denamento do território e do urbanismo. Assim, “todos os programas e planos territoriais devem definir parâmetros e indicadores que permitam monitorizar a respetiva estratégia, objetivos e resultados da sua execução”115.

Em seguida, com base nos dados recolhidos, incumbe ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais promover “a normalização de fontes de dados e de indicadores comuns” e a elaboração de relatórios de execução116.

Em obediência ao princípio da transparência, a informação referida no número anterior é disponibilizada publicamente, através dos meios informáticos adequados e que promovam a interoperabilidade e a articulação a nível nacional, regional e local117.

Finalmente, é na Lei de Bases do Ambiente que encontramos apoios ainda mais só- lidos para a compreensão do dever geral de monitorização do desenvolvimento sustentável. A Lei de Bases do Ambiente considera três tipos de controlo, que o Estado

exerce sobre as atividades suscetíveis de ter um impacte negativo no ambiente: monito- rização, fiscalização e inspeção118.

Expressivamente, nesta Lei a monitorização é sempre referida, não à política am- biental ou aos seus efeitos, mas às políticas que influenciam o estado do ambiente. De fato, potencialmente, de forma direta ou indireta, mediata ou imediata, todas as políticas públicas podem exercer alguma influência sobre as condições ambientais. Concluímos

111 Realce nosso. 112 Artigo 35 n.1 da Lei.

113 Artigo 31 n.1 da Lei n. 17/2014, de 10 de abril. 114 Lei n. 31/2014, de 30 de maio.

115 Artigo 57 n.1 da Lei. 116 Artigo 57 n.2 da Lei. 117 Artigo 57 n.3 da Lei. 118 Artigo 21 da Lei de Bases.

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daqui que a Lei de Bases do Ambiente de 2014 impõe um dever geral de monitorização

transversal da atuação dos poderes públicos.

Assim, as denominadas “acções de monitorização de políticas” 119 são apresentadas como uma forma de cumprir o dever de informar sobre ambiente.

Continuando a percorrer a lei, verificamos que a monitorização transversal en- volve três ações específicas, visando a obtenção de resultados concretos com determi- nadas caraterísticas.

As ações são a recolha, o tratamento e a análise dos dados ambientais. O resul- tado ambicionado é a obtenção de informações objetivas, fiáveis e comparáveis sobre os efeitos ambientais das políticas públicas120. Esta interpretação está em perfeita sintonia com a proclamada transversalidade da política de ambiente. Nas palavras da lei: “a trans- versalidade da política de ambiente impõe a sua consideração em todos os sectores da vida económica, social e cultural, e obriga à sua articulação e integração com as demais políticas sectoriais, visando a promoção de relações de coerência e de complementa- ridade. No sentido de promover e acautelar os princípios e objetivos da política de am- biente, os bens ambientais devem ser ponderados com outros bens e valores, incluindo os intangíveis e os estéticos, de forma a assegurar a respetiva interdependência, num exercício de compatibilização que inclua uma avaliação de cenários alternativos, promo- vendo a realização do interesse público no longo prazo”.

Se mais razões não houvesse para monitorizar o desenvolvimento sustentável, esta já seria suficiente. Mas há mais: de forma emblemática, a estratégia «Cidades Sus- tentáveis 2020»121, no Eixo “Territorialização & Governança”, acentua a importância do desenvolvimento de “matrizes de inteligência, sustentabilidade e inclusão dos subsis- temas urbanos, implementando um sistema de indicadores assente no quadro nacional de referência para as cidades sustentáveis e assegurando a complementaridade com os processos de avaliação ambiental estratégica e com os relatórios de estado do ordena- mento do território de âmbito municipal e regional”.

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