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Reclamações ambientais dos municípios envolventes à Ria de Aveiro: o caso de Estarreja

Nível 2 – Desempenho de indicadores individuais e agregados na fase de implementação e operação/ação

12. Reclamações ambientais dos municípios envolventes à Ria de Aveiro: o caso de Estarreja

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José Miguel Duarte Universidade de Aveiro

1. Introdução

Num inquérito sobre ética e corrupção em democracia realizado aos portugue- ses em 2006, portanto antes da recente vaga de escândalos no sector bancário e da proeminência que o tema da corrupção viria a assumir na opinião pública num contexto de crise, a transparência apareceu identificada como o valor a que os cidadãos mais aderem e o mais central, no seu entendimento, para a realização do Estado de Direito democrático (De Sousa e Triães, 2008).

Não obstante não exista uma definição de transparência globalmente aceite, é possível operacionalizar o conceito por forma a que o seu entendimento e aplicação seja suficientemente uniforme para permitir a sua mensuração. Por transparência entenda-se, de uma forma genérica, a faculdade do sistema político-administrativo tornar claro para o cidadão quem é responsável por que decisão e a que nível ou, por outras palavras, a faculdade de tornar públicos todos os actos do governo e dos seus representantes de modo a providenciar à sociedade civil, de forma completa, atempada, e de fácil acesso, informação relevante sobre a gestão governamental (Davis, 1998; Wong & Welch, 2004; West, 2004; Kim et al., 2005; Curtin & Meijer, 2006; Piotrowski & Ryzin, 2007; Ball, 2009; Grimmelikhuijsen, 2010; Borry, 2012; da Cruz et al., 2014; Tavares e da Cruz, 2014).

Este também é o entendimento de organismos governamentais e não governa- mentais internacionais. As Nações Unidas (2004) definem transparência como o livre acesso a informação, actualizada e fidedigna, sobre os processos de decisão, gestão e execução de políticas públicas. Esta noção de transparência vai ao encontro da defini- ção utilizada pela União Europeia (2013), que assenta no direito de acesso à informação e de participação. Se por um lado, os cidadãos têm o direito de saber como é que as decisões são formuladas, adoptadas e implementadas e por quem; por outro lado, têm igualmente o direito de expressar as suas opiniões sobre todos os processos e tomadas de decisão, quer directamente, quer através de intermediários que os representam. Já a Transparency International (2013) define transparência como o processo de tornar claro para os cidadãos as ideias, processos e acções de governo, isto é, o porquê, o como,

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o quê, o quem e o quanto no que concerne às decisões políticas e administrativas que afectam a sua vida.

O conceito de transparência está intimamente ligado à noção de acesso à infor- mação enquanto pré-condição para o escrutínio, participação e responsabilização públi- ca (Piotrowski & Ryzin, 2007). A crítica e o escrutínio público são princípios axiomáticos do sistema democrático. Por outras palavras, a “informação recolhida por funcionários públicos, à custa de dinheiros públicos, é propriedade dos cidadãos” (Stiglitz, 1999, p.7 in Piotrowski & Ryzin, 2007: 308), consequentemente, o direito de livre acesso à infor- mação, é hoje aceite como um direito fundamental do cidadão (Cross, 1953). Contudo, o direito de acesso à informação tem um valor meramente formal se o cidadão não conse- guir interpretar, criticamente, os conteúdos com o intuito de produzir conhecimento sobre um determinado facto e deste modo mostrar-se o suficientemente capacitado para parti- cipar e intervir na arena pública, exigindo e responsabilizando os seus governantes pela gestão do bem comum (Informação → Conhecimento → Capacitação → Participação → Responsabilização). Neste sentido, o conceito de efectividade da cidadania proposto por T. H. Marshall (1950) ganha actualidade ao transportar o conceito de acesso à infor- mação do domínio do direito para o domínio da política. Só através da combinação de políticas proactivas de divulgação de informação e educação, poderão aos cidadãos de- senvolver capacidades cognitivas necessárias para compreenderem o funcionamento do governo e participarem na tomada de decisões públicas. Consequentemente, uma maior abertura dos processos governativos à participação dos cidadãos, terá, por sua vez, repercussões positivas nos níveis de apoio, específicos e difusos, face à democracia.

A transparência dos processos de decisão, a publicidade e escrutínio público das decisões são ingredientes fundamentais para a legitimidade e desenvolvimento da democracia. Como refere o relatório do Índice de Transparência Municipal de 2013: “Uma sociedade só é verdadeiramente livre e democrática quando as instituições em que as- senta tornam públicos todos os actos de governo; providenciam informação relevante de forma completa, fidedigna, atempada, facilmente compreensível e de fácil acesso e têm a capacidade de desvendar interesses privados que possam colidir com o interesse colectivo, permitindo deste modo a responsabilização de todos os actores, quer pelas decisões e acções tomadas ou omitidas, quer pelas razões que as informaram, perante a lei e o escrutínio dos cidadãos. Se estas boas práticas de transparência são uma base indispensável para a confiança dos cidadãos no poder político, mais importantes se tor- nam no que toca ao poder local, devido à sua particular proximidade com os cidadãos” (ITM, 2013).

Esta premissa, de que um “governo aberto” melhora a qualidade da democracia, tem vindo a ganhar força nas últimas duas décadas, acompanhando a complexificação dos processos de decisão e a ascensão de um sistema de governação multinível, ca- racterizado pela interconexão em rede de organismos públicos e privados sem um orde- namento hierárquico (Goldsmith e Klausen 1997). Governo aberto é todo o sistema de

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tomada de decisões onde empresas, organizações da sociedade civil, e também cida- dãos em geral, podem “saber coisas” (obter informação relevante e inteligível), “adquirir coisas” (obter serviços e benefícios públicos); e “criar coisas” (participar nos processos de decisão) (OCDE, 2005).

A transparência é, por isso, essencial para uma governação cada vez mais com- plexa e difusa. Esta contribui para um maior rigor na informação pública, redução do défice de informação existente entre os cidadãos e o governo, diálogo entre os decisores políticos e os cidadãos, tomada de decisões informadas, monitorização mais frequente e efectiva da gestão pública, combate à corrupção mais eficaz, correcção de possíveis percepções públicas negativas existentes em relação ao funcionamento das instituições, aos seus actores e processos, aumento de confiança pública e maior participação cívi- ca (Bertot, Jaeger & Grimes, 2010; Borry, 2012; Coglianese, 2009; Cullier & Piotrowski, 2009; Grimmelikhuijsen, 2010; in Piotrowski & Ryzin, 2007; Schuler, Jaeger, & Bertot, 2010; Shim & Eom, 2008, 2009; Welch et al., 2005).

Esta preocupação por uma administração mais transparente, acessível e respon- sável, através da introdução de novas tecnologias de informação e comunicação (TIC)

tem sido uma preocupação constante em Portugal, com diferentes graus de consistência e de concretização, ao longo dos sucessivos governos, durante as últimas duas décadas. Contudo, o grande impulso dado neste domínio surge com a aprovação do Livro Verde

para a Sociedade da Informação em Abril de 1997. As cidades digitais figuram como

componente central desse documento estratégico. Alguns meses mais tarde, em Janeiro 1998, foi lançado o Programa Cidades Digitais, com o objectivo de aumentar o uso das TIC ao nível do poder local. A Cidade de Aveiro foi então escolhida para a implementa- ção do primeiro projecto-piloto do Programa Cidades Digitais. Tratou-se de uma parceria estratégica entre a Câmara Municipal de Aveiro, a Universidade de Aveiro e o Centro de Estudos da PT-Telecom também localizados nessa cidade.

Entre 1999-2000, a introdução das TIC na administração local, regional e central recebe um grande impulso com a priorização da ideia de “Estado Aberto” no âmbito do programa do XIV Governo Constitucional. Durante esse período, foram adoptados vários normativos legais e programas com vista ao cumprimento das metas e objectivos do Livro Verde. Um desses programas seria lançado em 2000: o novo Programa Cidades e Regiões Digitais desenvolvido ao abrigo do “Programa Operacional Sociedade da Infor- mação” (POSI), financiado pelo Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, expande para o resto do país (Duarte & De Sousa, 2015: 41).

Porém, importa sublinhar, que este processo não foi isento de incongruências. Alguns projectos foram executados numa lógica de captação de fundos comunitários, sem uma alteração das culturas organizacionais face à relevância das TIC como um me- canismo de melhoria qualidade da governação e de aproximação dos cidadãos à política e gestão autárquica e por vezes seguindo apenas uma lógica instrumental do poder: os

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já existentes e à disposição do Edil e do seu Executivo, excluindo sistematicamente as formações da Oposição e outros stakeholders do acesso a esta plataforma de comuni- cação. Raramente se procurou trabalhar tendo em conta as necessidades, interesses e expectativas do utilizador, no sentido de definir um conjunto de serviços e itens de infor- mação através dos quais os cidadãos pudessem resolver os seus problemas e acompa- nhar os seus processos de uma forma expedita e eficiente e escrutinar o funcionamento e gestão do seu município. A maioria das câmaras municipais limitava-se a fazer uma transposição do que existia no papel para a plataforma online. A informação fornecida era maioritariamente estática e com baixos níveis de acessibilidade e interactividade.

Em resposta a estes problemas e resistências, criaram-se unidades de inovação e conhecimento e agências governamentais para a modernização da administração, res- ponsáveis pelo fomento e acompanhamento da aplicação do conceito de governo digital em Portugal. Lançaram-se novos programas de financiamento para o desenvolvimento de infraestruturas, como a implementação de redes de fibra óptica ao nível municipal e intermunicipal. Elaboraram-se guias de boas práticas na construção dosportais internet

das câmaras, em parceria com as melhores universidades do país e multiplicaram-se outras bem intencionadas iniciativas. Tudo isto teve um impacto positivo na elevação dos níveis de informatização da administração autárquica.

Após esta nota introdutória, onde procurámos esboçar uma fundamentação so- bre a importância da transparência para a governação e dar nota de algumas medidas políticas que têm vindo a ser tomadas com o intuito de dar corpo à ideia de “governo aberto”, debruçar-nos-emos sobre a importância das TIC para o aumento da eficácia go- vernativa e redução dos défices de informação na administração autárquica. Segue-se uma breve resenha dos propósitos e metodologia utilizada na construção do Índice de Transparência Municipal (ITM). Para que possamos compreender a lógica e o alcance desta ferramenta de benchmarking, analisaremos os resultados referentes à região da Ria de Aveiro, com especial enfoque no município de Estarreja, objecto de reflexão desta colectânea. Concluiremos com algumas considerações sobre a relevância académica, política e social do ITM.

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