• Nenhum resultado encontrado

POLÍTICAS PÚBLICAS

6 OS CASOS COMPLEXOS E AS DECISÕES ESTRUTURAIS NOS LITÍGIOS DE INTERESSE PÚBLICO

6.4 PROCEDIMENTO ESPECIAL PARA O CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

6.4.1 Da fase preliminar do procedimento especial

Prevê o mencionado Projeto de Lei uma fase preliminar, em seu Capítulo III, destinada à coleta, junto à autoridade administrativa incumbida da efetivação da política pública, de elementos informativos acerca do objeto do pedido veiculado a título de tutela coletiva, visando esclarecer acerca de seu planejamento e execução, além dos recursos previstos e disponíveis para a sua implementação ou correção, e, também, do “cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido”.451

O fornecimento de informações requisitadas pelo juízo é obrigatório, ficando a autoridade responsável sujeita às sanções previstas no Código de Processo Civil, no caso de omissão, podendo ainda ser convocada para prestá-las pessoalmente perante o órgão judicial, que pode servir-se, ainda, do auxílio de técnicos especializados para a análise dos dados coletados e designar audiência para complementar as informações.452

Estabelece o art. 7º que poderá o juiz abreviar a fase de coleta preliminar de informações, concedendo desde logo a antecipação da tutela, “se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada”.

Trata-se de regra destinada a viabilizar o direito de acesso à tutela de urgência ou de evidência, embora implique em explícita restrição da técnica antecipatória às situações de preservação do mínimo existencial e aos casos em que haja um maior grau de certeza quanto à plausibilidade jurídica da pretensão, notadamente quando invocada diretamente com base no texto constitucional, como direito subjetivo originário.

451 Art. 6° do PL n. 8.058/14. 452 Arts. 8° e 9° do PL n. 8.058/14.

173

Essa disposição compatibiliza-se com as orientações doutrinária453 e jurisprudencial454

consolidadas a respeito do assunto, sendo razoável uma opção legislativa que atribui algum crédito às escolhas políticas do poder público, mormente na análise provisória e superficial própria da tutela antecipada, sem descurar, contudo, da proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais e aos direitos subjetivos textualmente explicitados na Constituição.

Prevê o art. 10 do projeto a possibilidade da admissão de amicus curiae na demanda e da designação, após obtidos os esclarecimentos técnicos pertinentes, de audiência pública, objetivando o debate da matéria versada na causa junto a “representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados”.

Deixa-se de levar em consideração na sobredita fase preliminar, todavia, os informes técnicos eventualmente coletados em inquérito civil previamente instaurado para instruir ação judicial – especialmente a ação civil pública – acerca de matéria atinente ao controle de políticas públicas, assim como as discussões ampliadas porventura já envidadas a respeito do objeto da demanda em audiências públicas promovidas pelo Ministério Público.

Corre-se o risco, assim, de se ignorar todo o esforço empreendido pelo órgão ministerial na condução de inquéritos civis e procedimentos investigatórios, previstos em norma constitucional – art. 129, inciso III, da Constituição Federal – e regulados por vasta legislação federal, como as Leis n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), bem como, pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n. 8.625/93), além das Leis Orgânicas do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/93) e dos Estados (a exemplo da Lei Complementar Estadual n. 141/96, do Estado do Rio Grande do Norte), e, ademais, por Resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

As Resoluções n. 23/2007455 e n. 82/2012,456 ambas do CNMP, disciplinam,

respectivamente, os procedimentos inquisitoriais voltados para a apuração de fatos que possam

453 TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 38-39.

454 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). ARE 639337 AgR/SP, Relator Min. Celso de Mello. Brasília,

23 ago. 2011. DJe n. 177, de 14 set. 2011. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=627428>. Acesso em: 28 abr. 2016.

455 Id. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução n. 23/2007. Regulamenta os artigos 6º, inciso VII, e

7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25, inciso IV, e 26, inciso I, da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do inquérito civil. Brasília, 17 set. 2007. Disponível em: <http://www.cnmp.gov.br/portal_legado/resolucoes/2814-resolucao-23>. Acesso em: 04 maio 2016.

456 Id. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução n. 82/2012. Dispõe sobre as audiências públicas no

âmbito do Ministério Público da União e dos Estados. Brasília, 29 fev. 2012. Disponível em: <http://www.cnmp.gov.br/portal_legado/resolucoes/2329-resolucao-82>. Acesso em: 04 maio 2016.

174

ensejar a propositura, pelo Ministério Público, de ações para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos ou indisponíveis, bem como, a realização de audiências públicas sobre a temática constitutiva do objeto da investigação ministerial.

Não se pode deixar de atribuir o devido valor, destarte, a elementos informativos como perícias técnicas da mais diversa ordem, informações prestadas por órgãos públicos ou instituições privadas, depoimentos orais reduzidos a termo pela autoridade ministerial, inspeções in loco regularmente documentadas, dentre uma série de outros meios de coleta de dados contidos no inquérito civil, que, durante algumas décadas de exercício de atribuições relacionadas à defesa de interesses difusos e coletivos, tem servido para instruir ações civis públicas ajuizadas pelo Parquet.

Mesmo que se alegue, aliás, que as provas produzidas extrajudicialmente pelo Ministério Público possuem valor relativo, não se deve ignorar que cabe ao juiz proceder a tal análise em cada caso, segundo as normas de direito processual e material pertinentes, como tem sido realizado até hoje, sem maiores problemas, nas demandas movidas pela instituição ministerial,457 sobretudo por se tratar de um instrumento investigatório previsto em norma constitucional expressa, exaustivamente regulado em nível infraconstitucional.

Assim, estando a petição inicial acompanhada de inquérito civil ou procedimento investigatório conduzido pelo Ministério Público, no qual reste devidamente documentada a coleta de informes técnicos e outros dados probatórios, deve o juiz ser autorizado a dispensar ou simplificar a fase preliminar prevista no Capítulo III do referido PL, em homenagem ao princípio constitucional da razoável duração do processo.

Essa conclusão, inclusive, poderia advir até mesmo de uma interpretação do disposto no art. 2º, inciso VI, do projeto, ao estatuir que o procedimento a ser seguido em ações da espécie deve ser flexível, podendo ser “consensualmente adaptado ao caso concreto”. A alusão ao termo consensual, todavia, pode abrir margem a um entendimento no sentido de que somente caberia a dispensa da fase preliminar com a concordância do ente público demandado, ensejando a ocorrência de distorções, a serviço de interesses estratégicos da Administração Pública, que pode vir a tentar protelar indevidamente o andamento do feito.

Mais condizente, portanto, com o interesse público subjacente à tutela jurisdicional adequada e efetiva das demandas inerentes ao controle de políticas públicas, é a inserção, no mencionado projeto, de dispositivo prevendo expressamente a possibilidade de dispensa

457 PROENÇA, Luis Roberto. Inquérito civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da ampliação

175

judicial da fase preliminar, ou sua abreviação, de ofício pelo magistrado ou a requerimento do autor, uma vez satisfeitas as condições de estar a petição inicial instruída com inquérito civil que contenha, em seu bojo, as informações versadas no art. 6º do Projeto n. 8.058/14.

A instituição ministerial, a propósito, tem historicamente ocupado, no Brasil, lugar de destaque nas iniciativas de promoção da tutela coletiva de direitos, superando numericamente, em muito, a propositura de ações civis públicas pelos demais co-legitimados,458 de modo que, vindo a prevalecer uma orientação que implique em ignorar, por ocasião da fase preliminar do processo em comento, os elementos informativos coligidos ao inquérito civil, ter-se-á um verdadeiro retrabalho, resultando em desnecessária sobrecarga da atividade jurisdicional, em desprestígio da economia e celeridade processuais.

Dedica-se o Capítulo IV aos meios alternativos de solução de controvérsias, enaltecendo-se as vias da mediação, arbitragem, conciliação e celebração de compromissos de ajustamento de conduta como as melhores formas de composição do litígio de interesse público.

Apesar de o projeto não inovar significativamente quanto ao emprego de tais métodos consensuais em relação ao tema, limitando-se a fazer remissão à previsão contida na legislação específica já existente, prevê o art. 11 que a conciliação ou mediação devem ser conduzidas por profissionais devidamente capacitados. A necessidade de que existam conciliadores e mediadores qualificados para conduzir as negociações acerca da implementação da política pública debatida em juízo, aliás, já foi exposta por ocasião do item 3.2.2 do presente trabalho.

Relativamente ao compromisso de ajustamento de conduta, vale enfatizar que este tem se notabilizado como um importantíssimo instrumento de viabilização do controle de políticas públicas, tanto no aspecto preventivo, quanto resolutivo de litígios de interesse público,459 especialmente em razão do seu intenso uso pelo Ministério Público no exercício das atribuições extrajudiciais de defesa dos interesses transindividuais ou individuais indisponíveis, contribuindo enormemente, sem dúvida alguma, para a realização de direitos fundamentais sociais, ao solucionar consensualmente as lides, evitando, consequentemente, o aforamento de inúmeras demandas.

Servem os compromissos de ajustamento de conduta, pois, como relevantes mecanismos de negociação para adequar a conduta questionada às exigências legais, mediante

458 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2000, p. 226.

459 NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta: teoria e análise de casos práticos.

176

cominações, como forma de efetivação da obrigação na forma específica ou obtenção do resultado prático equivalente.460

Outline

Documentos relacionados