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As garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa ao agente estatal

POLÍTICAS PÚBLICAS

5.4 A ADMISSIBILIDADE DA MULTA DIÁRIA EM FACE DE AGENTES PÚBLICOS

5.4.3 As garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa ao agente estatal

É o magistério de Marcelo Lima Guerra, uma vez mais, que traz a lume uma proposta de rito previsto na legislação processual, para situação congênere, que se adequa de modo satisfatório à hipótese em exame, podendo ser analogicamente aplicável ao caso. Trata-se do procedimento previsto para a exibição de coisa ou documento em poder de terceiro, hoje previsto nos arts. 396 a 404 do CPC.369

Nesse sentido, autorizam os já citados arts. 403, parágrafo único, e 380, parágrafo único, do novo CPC, a aplicação em face de terceiros, como forma de cumprir os deveres processuais descritos nos incisos I e II deste último dispositivo, não só de multa, mas também de “outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” que se mostrem necessárias.

Tais regras já se encontravam disciplinadas no Código Buzaid, em seus arts. 355 a 363, à exceção, dentre algumas poucas alterações, da possibilidade de aplicação de medida coercitiva em face do terceiro, inovação introduzida pelos mencionados dispositivos do novo diploma processual – que resultaram, inclusive, na superação do entendimento contido na Súmula nº 372, do STJ, pelo qual não seria cabível, na ação de exibição de documentos, a aplicação de multa cominatória.370 Verificou-se, ainda, a ampliação do prazo para apresentação

de resposta pelo terceiro, do art. 360 do Código revogado, de 10 (dez) para 15 (quinze) dias, a teor do art. 401 do novo CPC, observando-se o trâmite previsto nos artigos subsequentes.

Possibilita-se, assim, por meio da obediência ao referido rito, o exercício do contraditório e da ampla defesa, em prol do agente público, antes da imposição de multa diária em seu desfavor, na condição de terceiro que, de alguma maneira, participa do processo, como destinatário da determinação judicial visando a adoção de medidas para a implementação de determinada política pública.

Viabiliza-se, com isso, que possa o responsável pelo cumprimento da ordem judicial influir na formação do convencimento do magistrado, mediante o conhecimento prévio e

369 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2003, p. 133.

370 DIDIER JR., Fredie; DOTTI, Rogéria; TALAMINI, Eduardo (Coord.). Enunciado n. 54. Enunciados do

Fórum permanente de processualistas civis: carta de Curitiba. Curitiba, 23 a 25 out. 2015. Disponível em: <http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/12/Carta-de-Curitiba.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2015.

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pessoal do servidor sobre o pedido de astreintes formulado contra a sua pessoa, concedendo- se-lhe prazo para manifestação, no que restarão satisfeitos os propósitos do contraditório.371

Cabe reconhecer que dita proposta não consiste na solução mais perfeita e acabada para o caso, já que o procedimento previsto para a exibição de coisa ou documento em poder de terceiro, analogicamente aplicável à hipótese, parece ser mais complexo do que seria necessário para assegurar o direito ao contraditório. Trata-se, contudo, da alternativa que se mostra processualmente possível, diante da necessidade de aplicação de rito previamente moldado pelo legislador para hipótese que, juridicamente, possa garantir o devido processo legal ao terceiro em face de quem se pleiteia a imposição de medida coercitiva.

O melhor caminho para que se possa conferir um tratamento processual adequado às ações que versam sobre o controle judicial de políticas públicas, seguramente, passa por um regramento infraconstitucional de tais demandas, instituindo meios executivos adequados para emprestar efetividade às decisões proferidas contra a Administração Pública, diante das visíveis limitações do Código de Processo Civil para regular os litígios de interesse público, como já afirmamos em linhas precedentes. Já há, inclusive, iniciativa em curso perante o Congresso Nacional acerca do tema, fruto de proposta de estudiosos,372 que abordaremos em item próprio no Capítulo seguinte.

Frise-se, por fim, que para mostrar-se admissível, no caso concreto, a aplicação de multa indutiva em desfavor do gestor público, em ações de obrigação de fazer ou não fazer movidas contra o Estado, o cumprimento da medida deve estar contemplado no rol de atribuições do agente público que vier a receber tal incumbência, além de ser efetivamente realizável no plano fático, somente sendo cabível a cominação da referida consequência pecuniária ao agente caso haja indícios de resistência injustificada deste, ou de conduta nitidamente incompatível com a obtenção do resultado perseguido no processo.

Assim, enquanto não houver um texto legal próprio para disciplinar adequadamente tais demandas diferenciadas, resta aos operadores jurídicos, no propósito de garantir a observância do direito fundamental à tutela executiva, aplicar a legislação processual comum

371 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999, p. 129-130.

372 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE Kazuo; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. PL sobre controle

jurisdicional de políticas públicas é constitucional. Consultor jurídico, São Paulo, 23 fev. 2015. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2015-fev-23/pl-controle-jurisdicional-politica-publica-constitucional>. Acesso em: 28 mar. 2016.

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em toda a sua plenitude, para dela extrair os mecanismos que melhor se adequem às necessidades do caso concreto.

Diante, portanto, da existência de indícios de descumprimento inescusável, pelo agente público, das providências necessárias à efetivação do provimento judicial emitido em face do Estado, as medidas pertinentes exigem, concomitantemente, (i) a adoção dos procedimentos necessários à apuração do fato e punição do responsável, se for o caso, por contempt of court; (ii) a propositura de pedido incidental para a cominação de multa coercitiva em desfavor do servidor público, sob o rito dos arts. 396 a 404 do CPC; e, por fim, (iii) o encaminhamento de cópias das peças processuais ao Ministério Público, para apuração de eventual crime de desobediência, caso reste evidenciada a ocorrência de dolo na conduta do gestor.

Não se pode deslembrar, ademais, que após o arbitramento de astreintes contra o agente público, ainda não deve cessar o empenho autoral em busca de dar efetividade a tal decisão, cabendo ao demandante pleitear a execução do título, em caráter provisório ou definitivo, tão logo se mostre possível, pois, do contrário, será em vão todo o esforço até então empreendido nesse sentido.

A multa coercitiva, para ser realmente eficaz, precisa afetar concretamente a esfera patrimonial do atingido, ainda que o seu valor não se mostre necessariamente vultoso, devendo, na verdade, ser proporcional ao resultado almejado no processo e à realidade pessoal do obrigado, incidindo durante o lapso tempo necessário à satisfação do direito tutelado, conforme as circunstâncias do caso concreto.

5.5 MEDIDAS SUB-ROGATÓRIAS NO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES DE

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