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As especificidades dos litígios de interesse público e a necessidade de uma resposta jurisdicional efetiva e adequada

MEIO DO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3 O CUMPRIMENTO DOS DEVERES ESTATAIS DE FAZER OU NÃO FAZER MEDIANTE TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA E EFETIVA

3.2 A LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DE PROVIMENTOS JUDICIAIS ACERCA DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3.2.1 As especificidades dos litígios de interesse público e a necessidade de uma resposta jurisdicional efetiva e adequada

O caráter complexo da atuação estatal no desenvolvimento de ações relacionadas à formulação e implementação de políticas públicas, por envolver diferentes instituições e órgãos públicos, em assuntos que interessam diretamente a toda a sociedade, enquanto financiadora e destinatária última de tais programas, por si só, já demonstra a necessidade de atribuição de um tratamento judicial diferenciado às causas que veiculem pretensões da espécie.

Não se deve ignorar, a esse respeito, que toda atuação da Administração Pública exige a realização de planejamento adequado, com a previsão, arrecadação e destinação de recursos orçamentários e financeiros suficientes, bem como, o emprego de meios materiais e de recursos humanos qualificados para a realização das ações alusivas a determinado programa estatal.

115 RIZZI, Ester; XIMENES, Salomão. Litigância estratégica para a promoção de políticas públicas: as ações em

defesa do direito à educação infantil em São Paulo. In: FRIGO, Darci; PRIOSTE, Fernando; ESCRIVÃO FILHO, Antônio Sérgio (Org.). Justiça e direitos humanos: experiências de assessoria jurídica popular. Curitiba: Terra de Direitos, 2010, p. 124-125.

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Os conhecidos atributos da máquina pública brasileira, nada elogiáveis, que justificam a corriqueira adjetivação de lenta, pesada, excessivamente burocrática e ineficiente, somente tornam mais árdua e grandiosa a tarefa inerente ao controle jurisdicional de políticas públicas, particularmente quando se reclame a superação de omissões administrativas, por meio da imposição de deveres de fazer ou de entregar coisa.

Sem mencionarmos aqui a recorrente objeção da reserva do possível, as conhecidas amarras legalmente impostas ao gestor público, destinadas à observância de regras de responsabilidade fiscal, limites de gastos com pessoal, concurso público para a admissão de servidores, procedimento licitatório para a aquisição de bens e contratação de serviços e obras, dentre uma série de outras formalidades de obediência obrigatória – sob pena de implicarem na responsabilização cível, administrativa ou criminal do administrador –, devem ser devidamente consideradas pelo magistrado, ao julgar pedidos que impliquem na realização de prestações materiais pelo Estado.

Some-se a isso, também, os desvios de natureza ética, o despreparo funcional, os interesses corporativistas de grupos de servidores ou fornecedores de materiais e serviços e a falta de motivação e de comprometimento que, não raras vezes, acometem os agentes públicos incumbidos da efetivação da ordem judicial dirigida ao poder público, erigindo-se, em muitos casos, em relevantes obstáculos ao êxito da medida.

Tais fatores repercutem de modo indiscutível no processo e influenciam grandemente na definição do prazo e da forma de implementação de direitos prestacionais pela via judicial.

Daí que, para decidir de maneira responsável e abalizada, deve o juiz dispor, no processo, de informações técnicas suficientes, que o habilitem a determinar providências viáveis em termos práticos e admissíveis pelas normas de direito público, e que impliquem, ao mesmo tempo, na consecução de resultados satisfatórios em prol dos interesses subjetivos tutelados na demanda.

Ocorre, todavia, que o modo pelo qual são delineados os debates processuais, pensados para o deslinde de causas tipicamente individuais, dificilmente propicia condições adequadas para a obtenção, com a agilidade necessária, de dados estritamente técnicos acerca de questões cercadas de complexidade, de interesse geral da coletividade, de modo a viabilizar a concretização integral, e em lapso temporal desejável, do direito vindicado.

É nesse contexto que exsurgem preocupações doutrinárias voltadas para a idealização de um modelo de tutela jurisdicional do interesse público, a fim de atender adequadamente às especificidades do debate processual acerca de políticas públicas, chegando-se mesmo a falar,

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com inspiração na experiência jurídica norte-americana, em um novo objeto de estudo, o processo civil de interesse público.116

O modelo processual da litigância de interesse público, no dizer de Fábio Konder Comparato, aludindo ao public law litigation de que fala o Professor Abram Chayes, da Harvard Law School, tem como principais características a estrutura diferenciada em relação ao processo tradicional, pois o objetivo da demanda não é solucionar um litígio relativo a fatos já ocorridos, mas atuar de modo prospectivo, mediante a criação de regras que conduzirão a atuação futura do réu para a satisfação de um direito. No exercício dessa atividade jurisdicional em particular, o maior desafio do juiz não é propriamente interpretar normas jurídicas, mas resolver problemas de ordem econômica ou social, devendo valer-se, para tanto, do auxílio de especialistas, visando a elaboração de um provimento que, com considerável frequência, também é resultado de negociação entre as partes.117

Não obstante a indeclinável justiciabilidade das questões concernentes ao controle de políticas públicas, deve-se reconhecer a pertinência da conclusão pela qual se afirma, nos planos teórico ou pragmático, que ninguém melhor que o administrador público detém acesso mais facilitado às informações bastantes à implementação das políticas que cabe ao Estado realizar, por ter condições privilegiadas para visualizar com mais propriedade o todo da estrutura operacional da máquina estatal, cujas potencialidades, vicissitudes e limitações fazem parte de seu cotidiano institucional e administrativo.

Somente as próprias pessoas afetadas pelas deficiências na atuação estatal, por outro lado, juntamente com os estudiosos ou profissionais ligados às diferentes áreas das políticas públicas destinadas à concretização de direitos fundamentais, podem esclarecer de modo completo e pormenorizado acerca de suas próprias necessidades e do melhor proveito social que pode resultar da ação positiva do Estado.

Essa é a razão pela qual, diante da necessidade de se conferir um tratamento processual adequado a tais ações, devem ser buscados meios para viabilizar a coleta de dados técnicos, sociais, orçamentários e financeiros indispensáveis não só para a formação do convencimento do julgador na fase cognitiva, mas também para construir, em conjunto com as partes e

116 SALLES, Carlos Alberto de. Processo civil de interesse público: uma nova perspectiva metodológica. In:

SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 60-63.

117 COMPARATO, Fábio Konder. Novas funções judiciais no Estado moderno. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin;

BARROSO, Luís Roberto (Org.). Doutrinas essenciais de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 4, maio 2011, p. 720.

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mediante a participação de pessoas ou entidades da sociedade civil, os parâmetros que devem nortear o desenvolvimento da etapa inerente ao cumprimento do provimento judicial que vier a ser emitido, a título provisório ou definitivo, em desfavor do Erário.

Casos há, de fato, em que não basta ao magistrado proclamar o direito a ser satisfeito e proceder à fixação de um prazo certo, no qual deverá ser cumprida pelo poder público a obrigação reclamada, exigindo-se, em determinadas situações, a definição de um verdadeiro cronograma para a adoção das diversas medidas administrativas tendentes à concretização do direito prestacional, a exemplo da implementação de uma política de saneamento básico, de natureza inquestionavelmente complexa.118

Ao invés de se partir, contudo, desde logo para o cumprimento coercitivo da política pública, mediante uma atuação individual e solitária do julgador em estipular o tempo e o modo pelo qual deve ser satisfeita a prestação positiva pelo Estado, sugere a doutrina que tal solução seja obtida, tanto quanto possível, de forma consensual, por meio da mútua colaboração das partes e de terceiros interessados.

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