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As restrições à concessão de medidas liminares e antecipatórias contra o poder público

POLÍTICAS PÚBLICAS

5.1 EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA E EFETIVIDADE PROCESSUAL: UMA PROBLEMÁTICA EQUAÇÃO

5.1.2 As restrições à concessão de medidas liminares e antecipatórias contra o poder público

Administração Pública, e, de outro, da efetividade e inafastabilidade da tutela jurisdicional do Estado, diante da necessidade de preservação da autoridade das decisões judiciais, valores detentores de relevância constitucional, que necessitam ser satisfatoriamente harmonizados. Disso cuidaremos, de modo mais específico, no decorrer do presente Capítulo.

5.1.2 As restrições à concessão de medidas liminares e antecipatórias contra o poder público

Um outro aspecto inolvidável do tratamento diferenciado conferido por nossa legislação à Administração Pública, digno de registro, diz respeito às limitações de liminares e provimentos antecipatórios em desfavor desta, consoante as normas estatuídas nos arts. 1º a 4º da Lei n. 8.437/92 e no art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/09, reafirmadas pelo art. 1.059 do CPC.

O tema interessa particularmente ao estudo da efetividade no cumprimento das medidas judiciais alusivas ao controle de políticas públicas, porquanto as técnicas antecipatórias se afeiçoam, como já dito anteriormente, em providências por vezes indispensáveis à preservação do próprio conteúdo do direito vindicado em juízo, sob pena, em certos casos, de perecimento do objeto do direito fundamental que se busca tutelar.

Consistem tais restrições, em síntese, nas relacionadas a seguir:

a) vedação da concessão de medida liminar, nas seguintes situações: i) quando tal providência também não possa ser obtida em mandado de segurança, por força de proibição legal;292 ii) quando impugnado ato de autoridade sujeita à competência originária de tribunal;293 iii) que satisfaça no todo ou em parte o pedido final;294 iv) que tenha por objeto a compensação

291 Art. 100, §§ 1º a 3º, da Constituição Federal. 292 Art. 1º, caput, da Lei n. 8.437/1992. 293 Art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437/1992. 294 Art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437/1992.

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de créditos tributários ou previdenciários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza;295

b) necessidade, antes da apreciação de medida liminar, de prévia oitiva do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se manifestar no prazo de setenta e duas horas,296 bem como de imediata intimação do órgão ou entidade pública, assim como de seu respectivo representante judicial, quando do deferimento de medida da espécie;297

c) previsão de efeito suspensivo à apelação ou à remessa necessária da sentença cautelar que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional;298

d) possibilidade de suspensão de liminar, pelo presidente do tribunal a que caiba o julgamento do recurso, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.299

Tais disposições legais foram alvo de intensos questionamentos acerca de sua conformidade com o texto constitucional, especialmente no que diz respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, até que, em Acórdão proferido no bojo de ação declaratória de constitucionalidade movida pelo Governo Federal, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de que tais disposições não representam ofensa à mencionada norma constitucional.300

Assentou o STF, na oportunidade, que a razoabilidade das vedações às liminares e decisões antecipatórias contra o poder público, nas hipóteses descritas nos dispositivos legais impugnados, justifica-se em razão do interesse público subjacente, decorrente, em especial, da necessidade de observância do regime de precatório, nas condenações proferidas em face da Fazenda Pública, sob pena de quebra da isonomia em relação aos demais credores judiciais do Erário, consoante se pode verificar da fundamentação exarada no voto do Ministro Relator.301

Consigne-se, nesse passo, que tal decisão veiculada pela Corte Suprema no controle abstrato de constitucionalidade não se erige em proibição absoluta à concessão de liminares ou medidas antecipatórias em desfavor do Estado, restringindo-se aos casos estritamente elencados

295 Arts. 1º, § 5º, da Lei n. 8.437/1992 e 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009. 296 Art. 2º da Lei n. 8.437/1992.

297 Art. 1º, § 4º, da Lei n. 8.437/1992. 298 Art. 3º da Lei n. 8.437/1992. 299 Art. 4.º da Lei n. 8.437/1992.

300 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). ADC 4/DF, Rel. Min. Sidney Sanches, Rel. p/ o

Acórdão Min. Celso de Mello. Brasília, 01 out. 2008. n. 213, de 29 out. 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630103>. Acesso em: 04 abr. 2016.

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em tais dispositivos, pois o próprio STF, em julgamentos posteriores, admitiu a possibilidade de deferimento de tais medidas em situações da espécie, vindo a editar a Súmula 729, pela qual, “a decisão na ADC-4 não se aplica à antecipação de tutela em causa de natureza previdenciária”.302

Impõe-se, destarte, para que se possa conciliar ditas vedações com o princípio do amplo acesso à Justiça, que se proceda a uma interpretação restritiva das hipóteses elencadas nas mencionadas normas infraconstitucionais, devendo ser concedida a antecipação da tutela contra o Erário sempre que estiverem presentes os requisitos legais, em situações excluídas do âmbito de incidência do art. 1.059 do CPC, consoante a orientação jurisprudencial do STJ.303

Defende a doutrina, ademais, que tais limitações não devem ser reputadas absolutas, cabendo uma ponderação diante do caso concreto acerca do cabimento ou não da tutela provisória, à luz do princípio da proporcionalidade.304

Nesse sentido, aliás, vale atentar que o fenômeno da constitucionalização do direito, por implicar no reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais no ordenamento jurídico, aliado à estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais, impõe o abandono da fórmula apriorística de supremacia do interesse público sobre o privado, obstando a prevalência, como regra, de interesses coletivos sobre individuais. Desse modo, as relações de sopesamento entre interesses públicos e privados não admitem uma definição prévia e em abstrato da questão, devendo ser procedidas no processo de concretização, “dentro do jogo de ponderações proporcionais envolvendo direitos fundamentais e metas coletivas da sociedade”.305

Esse é o motivo, portanto, pelo qual, embora considerando constitucionais as limitações de liminares e medidas antecipatórias contra o poder público, como forma de evitar

302 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 729. Disponível em:

<http://stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em: 04 abr. 2016.

303 Id. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). AgRg nos EDcl no AREsp 240513/PE, Rel. Min. Napoleão

Nunes Maia Filho. Brasília, 24 fev. 2015. DJe de 06 mar. 2015. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201202145274&dt_publicacao=06/03/201 5>. Acesso em: 04 abr. 2016.

304 FRANZÉ, Luiz Henrique Barbante. Tutela de urgência na execução contra a Fazenda Pública. In: SHIMURA,

Sérgio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Execução civil e cumprimento de sentença. São Paulo: Método, 2009, v. 3, p. 418-421. No mesmo sentido: CRAMER, Ronaldo. Comentários ao art. 1.059 do CPC. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie. TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. E-book. Disponível em: <https://proview.thomsonreuters.com/library.html>. Acesso em: 04 abr. 2016.

305 BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços

e retrocessos. Revista eletrônica sobre a reforma do Estado. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 13, mar.-maio 2008 p. 10-11. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-13- MAR%C7O-2007-GUSTAVO-BINENBOJM.PDF>. Acesso em: 04 abr. 2016.

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o risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão em desfavor do Erário, bem como, para garantir a observância do regime constitucional de precatórios, a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores admite a realização de bloqueio de verba pública, mediante tutela antecipada, em casos extremos, como, por exemplo, para custear a aquisição de medicamentos imprescindíveis à preservação da vida humana, bem considerado, no caso concreto, em situação de primazia sobre normas de direito administrativo e financeiro.306

Assim, ainda que determinada medida implique na realização de providência antecipatória “que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação”,307 como no exemplo acima citado, ou que resulte, em última análise, na mitigação da regra constitucional de requisição de pagamento por precatório, o princípio da inafastabilidade da jurisdição exige que o exame de proporcionalidade seja realizado em concreto pelo juiz, mediante ponderação entre os bens ou valores constitucionais pertinentes, visando definir os limites de atuação da tutela executiva em face do Estado.

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