• Nenhum resultado encontrado

MEIO DO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3 O CUMPRIMENTO DOS DEVERES ESTATAIS DE FAZER OU NÃO FAZER MEDIANTE TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA E EFETIVA

3.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA E EFETIVA

É consabido que o processo, enquanto meio por excelência de acesso à tutela jurisdicional do Estado, existe para dar concretude aos direitos consagrados no ordenamento jurídico, como primado de existência do próprio Estado Democrático de Direito.

Não se admite que esse mesmo processo, todavia, possa desenvolver-se sem a observância das normas e princípios estabelecidos na Constituição, que o habilitem a ser reconhecido em conformidade com os ditames do devido processo legal, constitutivo do que se

50

denomina como processo justo,97 com todas as garantias e implicações previstas no texto

constitucional, proclamadas pela doutrina e jurisprudência.

O fenômeno da constitucionalização do processo, aliás, conferiu uma nova dimensão à cláusula do devido processo legal, passando-se a falar, inclusive, em um devido processo constitucional, por ter sido alçado o direito de ação à categoria de direito fundamental, culminando na ideia da indissociabilidade das atividades de enunciar o direito e de organizar democraticamente as funções vinculadas a sua produção e aplicação.98

Saliente-se, ademais, que o próprio conceito de acesso à justiça passou por uma importante evolução teórica, como resultado do surgimento dos direitos econômicos, sociais e culturais, relativamente aos quais o mero reconhecimento formal, desacompanhado de mecanismos para sua efetiva reivindicação, não basta para atender às necessidades de seus titulares, de modo que o acesso à justiça, em tal acepção, poderia ser considerado como “o mais básico dos direitos humanos”, nas palavras de Cappelletti.99

Nesse sentido, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, contido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, veicula não somente uma garantia protocolar, mas a obrigatoriedade do acesso a uma “efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa”.100

Daí a pertinência da conclusão doutrinária de que a efetividade da tutela jurisdicional não consiste apenas em uma garantia, configurando-se como verdadeiro direito fundamental que reclama eficácia irrestrita, já que, no atual contexto do Estado Democrático de Direito, tal atributo se revela indispensável à concretização de todos os outros direitos assegurados em nível constitucional e legal.101

Sintetizando o que chama de programa básico do escopo de efetividade processual, alude José Carlos Barbosa Moreira a cinco objetivos a serem perseguidos: a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados a todas as modalidades de direitos previstos no

97 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1999, p. 38-40.

98 CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista de processo.

São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 102, abr.-jun. 2001, p. 59.

99 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 5.

100 WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In:

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20.

101 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Novos estudos jurídicos. Itajaí:

Univali, v. 7, n. 14, jul. 2008, passim. Disponível em:

51

ordenamento jurídico; b) tais instrumentos devem ser utilizáveis, em termos práticos, em favor de quaisquer titulares de direitos ou posições jurídicas de vantagem, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o universo dos sujeitos respectivos; c) devem ser asseguradas condições propícias à exata reconstituição dos fatos relevantes, visando garantir a máxima correspondência entre o convencimento do juiz e a realidade; d) o resultado do processo há de assegurar ao vencedor o gozo pleno, em toda extensão concretamente possível, da utilidade específica a que fizer jus; e) dito resultado deve ser alcançado com o mínimo dispêndio de tempo e energia.102

O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, corolário dos princípios do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional do Estado, exige, portanto, que sejam proporcionadas técnicas e procedimentos aptos à satisfação de todo e qualquer direito, inclusive os relacionados à obtenção de prestações sociais em face do poder público, como ensina Marinoni.103

Contempla tal direito fundamental, no dizer do mesmo autor, a necessidade de que tanto o legislador quanto o juiz proporcionem aos jurisdicionados as técnicas processuais que assegurem o resguardo efetivo de seus direitos, mediante um procedimento adequado, o direito de acesso à tutela antecipatória, bem como o direito a um provimento judicial adequado e aos meios executivos igualmente em consonância com as particularidades do caso concreto.104

É a técnica processual, por outro lado, concebida à luz dos princípios constitucionais do processo, que vai nortear a realização das escolhas, no âmbito do processo civil, pelo grau de profundidade da cognição, pela maior ou menor restrição da iniciativa probatória do juiz, pela liberdade ou legalidade das formas, pela fungibilidade ou não dos meios,105 regulando-se, enfim, o modo de desenvolvimento do processo e de realização dos atos processuais, a refletir diretamente no resultado da prestação jurisdicional.

Esse o motivo pelo qual a técnica deve servir aos fins do processo, “limitando-se o mínimo possível o desempenho dos sujeitos processuais, de modo que a regulação contenha apenas o indispensável para uma condução bem organizada e proporcionada do feito”.106

102 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. Revista de processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, ano 20, n.77, jan.-mar. 1995, p. 168.

103 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2013, p. 152.

104 Ibid., p. 155-175.

105 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 73.

106 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 125-

52

Assim, a obtenção de uma solução equilibrada entre os fatores da segurança jurídica e da efetividade processual deve ser a meta a ser perseguida pelo intérprete, para assegurar igualdade de tratamento aos sujeitos processuais, viabilizando-se que exerçam influência sobre o resultado do processo, ao mesmo tempo em que se garanta uma tutela jurisdicional que corresponda, na máxima medida possível, à realização da regra de direito material, tanto sob o aspecto da justiça da decisão, quanto da celeridade.107

É intuitivo perceber, nessa linha de raciocínio, que o direito à prestação jurisdicional compreende não apenas o direito ao provimento judicial, mas também aos meios processuais capazes de dar efetividade ao direito substancial, implicando em um direito à efetividade em sentido estrito.108

Com efeito, diante da infinidade de situações proporcionadas pelo mundo dos acontecimentos, sobretudo na realidade de uma complexa sociedade massificada, cujos efeitos são crescentemente potencializados por incessantes avanços tecnológicos nas distintas áreas da ciência, a efetividade da tutela jurisdicional fica cada vez mais dependente de um maior grau de liberdade do magistrado na condução do processo, para que possa melhor adaptá-lo às necessidades da hipótese específica versada em cada demanda.

Alude a doutrina, consequentemente, a uma efetividade qualificada, que exige formas de tutela das mais elásticas e diferenciadas, hábeis a atender às “peculiaridades das crises sofridas pelo direito material e às exigências do caso concreto”, sem deixar, sob outra ótica, de preservar os direitos fundamentais envolvidos, assegurando-se um processo justo, como expressão do valor da segurança sob a ordem constitucional. Propõe Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, para tanto, que a exigência da adequação seja satisfeita mediante a flexibilização da tipicidade das formas de tutela, para abarcar uma maior multiplicidade de situações concretas, a fim de que possa refletir satisfatoriamente no mundo social.109

A almejada adequação da tutela jurisdicional, nas palavras do eminente processualista gaúcho, consistiria assim na sua aptidão para “realizar a eficácia prometida pelo direito material, com a maior efetividade e segurança possíveis”.110

107 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,

2007, p. 77-78.

108 WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In:

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Org.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 41.

109 OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Os direitos fundamentais à efetividade e à segurança em perspectiva

dinâmica. Revista forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 395, jan.-fev. 2008, p. 43.

53

A incessante busca por uma maior efetividade no processo, destarte, não deve ignorar a necessidade de preservação de um razoável escopo de segurança na relação processual, sob pena de grave risco de violação de garantias constitucionais do cidadão, conformadoras de uma ordem jurídica justa.

O poder-dever do órgão jurisdicional, portanto, de tutelar processualmente as situações jurídicas subjetivas, em conformidade com as necessidades e características peculiares do caso concreto, fazem emergir uma exigência de maior atenção aos bens e valores envolvidos, porém não lhe confere a faculdade de tornar letra morta as normas contidas na legislação processual em vigor.

Não é dado ao julgador, desse modo, o poder de, em nome da efetividade processual, substituir os ritos previstos em lei por procedimentos por ele próprio livremente idealizados, submetendo os litigantes a deveres, ônus ou sujeições distintos dos expressamente aplicáveis à situação em exame.111

Isso não significa dizer, todavia, que não possa o juiz realizar a análise da conformidade das regras processuais com os ditames constitucionais, desde que, objetiva e racionalmente, reste evidenciada alguma violação a norma de estatura constitucional – a exemplo do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva –, a ser demonstrada na fundamentação do ato decisório, tornando-o passível, consequentemente, de controle argumentativo em nível recursal.

Essa, aliás, é a lição de Marcelo Lima Guerra, valendo-se da expressão proposta por Barbosa Moreira, em alusão ao ideário de efetividade processual, por meio do postulado da máxima coincidência possível, como forma de enunciar o direito fundamental à tutela executiva, enquanto exigência de que a tutela jurisdicional do Estado proporcione ao titular do direito subjetivo a maior proteção realizável, a fim de que o resultado concreto do processo coincida, o quanto se mostre possível, com o que seria obtido mediante a satisfação espontânea do interesse tutelado em juízo. Traduz-se, pois, o referido princípio na exigência de que sejam dispostos meios processuais bastantes para proporcionar a exata realização do direito proclamado em um título executivo.112

111 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito processual constitucional. Revista estação científica: edição

especial de Direito. Juiz de Fora: Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, n. 4, out.-nov. 2009, p. 40-41.

112 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo:

54

O direito fundamental à tutela executiva consiste, portanto, em uma manifestação específica do já mencionado direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, sob a perspectiva da satisfação concreta dos direitos subjetivos.113

Desse modo, no magistério do mesmo professor, o direito fundamental à tutela executiva, consagrado no ápice do ordenamento jurídico e dotado de aplicabilidade imediata, deve ser concretizado pelos órgãos jurisdicionais independentemente de mediação legislativa, implicando no poder-dever do magistrado de: a) interpretar as normas processuais de forma a delas extrair o significado que resulte em meios executivos que proporcionem maior efetividade ao direito tutelado; b) deixar de aplicar regras veiculadoras de restrição a um meio executivo, sempre que tal restrição não se mostre justificável para a proteção de outro direito fundamental prevalente, no caso concreto, sobre o direito fundamental à tutela executiva; c) adotar os meios executivos necessários à prestação integral de tutela executiva, ainda que não previstos em lei ou mesmo vedados por lei, desde que isso seja uma exigência do direito fundamental respectivo, respeitados os limites dos direitos fundamentais colidentes.114

O reconhecimento de um direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, por conseguinte, não pode converter-se em pura retórica, exigindo do Estado-juiz, consequentemente, que aplique as normas processuais de forma a satisfazer, na maior dimensão possível, o interesse juridicamente tutelável, tendo sempre como limite a concordância prática com outros princípios e direitos fundamentais envolvidos.

Em reforço à norma contida no texto constitucional, proclama o novo CPC, a propósito, em seu art. 4º, o direito que assiste às partes de “obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (grifo nosso). Não se contenta o legislador, portanto, com uma resolução meramente formal do litígio, impondo que a satisfação do direito deduzido em juízo ocorra de forma integral e tempestiva.

A efetividade processual, enfim, é um ideal a ser alcançado, do qual depende, muitas vezes, a própria essência do direito versado na demanda, cuja preservação se mostra indispensável, sob pena até mesmo de perecimento do objeto da pretensão. Assim se observa em relação aos direitos à vida ou à dignidade humana, a exemplo do acesso ao mínimo

113 Esclareça-se, a propósito, que a alusão do autor à tutela executiva não se prende a uma modalidade específica

de classificação das distintas categorias de tutela jurisdicional, pretendendo abranger todas as atuações dos órgãos jurisdicionais voltadas à concreta satisfação de um direito subjetivo, por qualquer modalidade de medida judicial (LIMA GUERRA, Marcelo. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 23).

55

existencial, que, em inúmeros casos, constitui o bem jurídico almejado nas demandas movidas em desfavor do Estado, a respeito das quais estamos ora a nos debruçar de modo específico.

3.2 A LITIGÂNCIA DE INTERESSE PÚBLICO E O CUMPRIMENTO NEGOCIADO DE

Outline

Documentos relacionados