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MEIO DO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

2.4 LIMITES E POSSIBILIDADES DO CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

2.4.3 Parâmetros para o exercício do controle jurisdicional de políticas públicas

Têm sido objeto de consistentes pesquisas acadêmicas e doutrinárias, para além da admissibilidade em si do controle judicial de políticas públicas, nas mais diferentes perspectivas que o tema enseja, também os correspondentes parâmetros pelos quais pode a atividade judicante ser satisfatória e corretamente exercida nessa seara, mediante o desenvolvimento de substratos teóricos e a proposição de metodologias adequadas, a respeito dos quais faremos ligeira, mas necessária, digressão.

87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). ARE 745.745 AgR/MG, Relator Min. Celso de Mello.

Brasília, 02 dez. 2014. DJe n. 250, de 18 dez. 2014. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7516923>. Acesso em: 03 mar. 2016.

88 Id. Supremo Tribunal Federal (2ª Turma). RE 410715 AgR/SP, Relator Min. Celso de Mello. Brasília, 22 nov.

2005. DJ de 03 fev. 2006, p. 76. Disponível em:

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O ponto de partida para qualquer análise que venha a ser realizada acerca de políticas públicas, logicamente, só pode ser o texto constitucional, a fim de averiguar, preliminarmente, se há diretrizes normativas explícitas que devam ser seguidas na elaboração, ou mesmo na execução, dos planos de ação estatais em determinada área específica.

O texto constitucional brasileiro, devido à sua natureza marcantemente analítica, apresenta inúmeras possibilidades normativas para o controle judicial de políticas públicas.

A título ilustrativo, cite-se o direito à educação, cujas políticas públicas destinadas à sua concretização devem observar o que estatuem os arts. 205 a 214 da Constituição da República, que fixam desde os princípios inerentes ao ensino – como o pluralismo de ideias, a gestão democrática e a garantia de padrão de qualidade do ensino público, dentre outros contidos no art. 206 – até o percentual de recursos mínimos a serem investidos anualmente pelos diferentes níveis de governo na manutenção e desenvolvimento do sistema educacional. Eventual descumprimento de qualquer dessas normas constitucionais, seja pelo legislador, seja pelo administrador público, podem ensejar a intervenção dos órgãos da jurisdição constitucional, com vistas à satisfação do correspondente direito fundamental.

Ainda que a matéria constitutiva do objeto de exame judicial não seja diretamente regulada, quanto ao conteúdo, por disposição contida na lei fundamental, podem surgir, mesmo assim, repercussões relacionadas à observância de outros preceitos constitucionais, o que mais comumente ocorre quanto ao direito de igualdade, que deve sempre nortear a atuação dos poderes públicos em relação à oferta de serviços ou ações assistenciais disponibilizadas em prol da população.89

Também os princípios constitucionais regentes da Administração Pública, enunciados no art. 37 da Constituição, indicam as balizas pelas quais deve ocorrer a prestação de serviços públicos de um modo geral, assumindo lugar de destaque, nesse desiderato, o princípio da eficiência, que municia os cidadãos e o Poder Judiciário com um novo fator de controle dos atos do poder público.90

Alude Juarez de Freitas, inclusive, à existência de um “direito fundamental à boa administração pública”, a possibilitar a realização de medidas de controle das políticas públicas, abarcando o processo de tomada das decisões administrativas em sua totalidade, desde a opção

89 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008, p. 20-44.

90 BUENO, Vera Scarpinella. As leis de procedimento administrativo: uma leitura operacional do princípio

constitucional da eficiência. In: SUNDFELD, Carlos Ari; MUÑOZ, Guilhermo Andrés (Coord.). As leis de processo administrativo: lei federal 9.784/99 e lei paulista 10.177/98. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 356.

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por agir (ao invés de não intervir) até a avaliação ulterior dos efeitos da atuação estatal, tendo sempre em mente os benefícios obtidos, confrontados com os custos sociais, ambientais e econômicos envolvidos.91

Revela-se ser não só admissível, mas realmente desejável, pois, a fiscalização judicial dos atos do poder público quanto à sua eficiência, em reforço à sindicabilidade das políticas públicas, assim como de quaisquer outros atos administrativos.92

Verdadeiro pressuposto para o controle das políticas públicas, a transparência administrativa, corolário do princípio constitucional da publicidade, inscrito no mesmo art. 37 já mencionado, é que torna factível a verificação da observância, em concreto, dos ditames legais e constitucionais pertinentes, pela Administração Pública, mediante a possibilidade de acesso facilitado dos cidadãos e autoridades públicas às informações alusivas à previsão, disponibilidade e execução orçamentária – cuja publicação de relatórios, mesmo pela internet, é exigida pelo art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).93

Um outro parâmetro bastante objetivo de controle da adequada formulação de políticas públicas, desta vez em nível infraconstitucional, consiste na averiguação de sua compatibilidade com o disposto na Lei Orçamentária Anual e na correspondente Lei de Diretrizes Orçamentárias, confrontadas, ainda, com as metas e objetivos contidos no Plano Plurianual, diante da necessidade de observância das prioridades traçadas nos referidos instrumentos de planejamento orçamentário, que limitam a liberdade do administrador para realizar despesas ou realocar recursos.94

Não se pode deixar de mencionar, enfim, as intensas potencialidades ostentadas pela legislação federal, estadual e municipal – dispondo não só acerca do funcionamento da Administração Pública, mas também a respeito das variadas áreas de atuação estatal –,95 a

91 FREITAS, Juarez de. Direito fundamental à boa administração pública. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014,

p. 32.

92 GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002, p.

147.

93 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 257-263. 94 BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle jurisdicional de políticas públicas: parâmetros objetivos e

tutela coletiva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 177-182.

95 Pode-se citar, como exemplo, a legislação federal reguladora de políticas públicas em matéria de promoção e

efetivação de direitos em prol da criança e do adolescente (Lei nº 8.069/90), do idoso (Lei nº 10.741/03), ou da pessoa com deficiência (Lei nº 13.146/15). As diferentes políticas públicas desenvolvidas pelo Estado devem respeitar, ainda, as normas de proteção ao meio ambiente (Lei nº 9.605/98) e ao consumidor (Lei nº 8.078/90), bem como, o teor dos diplomas legais inerentes ao funcionamento dos serviços de saúde (Lei nº 8.080/90), da assistência social (Lei nº 8.742/93), ou da educação (Lei nº 9.394/96), dentre vários outros. Alguns desses temas podem vir a ser objeto, também, de regulação mediante legislação estadual ou municipal concorrente ou suplementar (CF, arts. 23 e 24).

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ensejar o fornecimento de diversificados critérios normativos para a realização do controle das políticas públicas em juízo, quanto ao atendimento dos ditames legalmente estabelecidos, especialmente na sua execução em nível administrativo, repercutindo, em última análise, no nível de concretização dos direitos fundamentais sociais.

A vasta legislação existente acerca de políticas públicas ainda é imensamente carente de efetivação, quanto à implementação dos numerosos direitos sociais legalmente conferidos aos cidadãos brasileiros, bastando, para tanto, consultar os indicadores sociais periodicamente divulgados, que, apesar dos avanços já obtidos – passando de 52,2% de domicílios servidos com saneamento básico em 2000 para 70,6% em 2013 –, ainda apontam para inacreditáveis 21,2% de domicílios atendidos com o serviço na Região Norte, alcançando a irrisória taxa de 2,4% no Estado do Amapá. Já as regiões Nordeste e Centro-Oeste atingiram por volta de 51% desse objetivo, ao passo que o Sul alcançou 67%, enquanto o Sudeste apresentou os melhores índices (91,1%), a evidenciar a extrema desigualdade social entre as diferentes regiões do país.96

A taxa de saneamento básico é um indicador bastante significativo da realidade nacional, por ser considerado um dos fatores condicionantes dos níveis de saúde da população, que, por sua vez, “expressam a organização social e econômica do País”, consoante estabelece o art. 3º da Lei nº 8.080/90.

O mero disciplinamento infraconstitucional de direitos prestacionais não esgota, portanto, as providências tendentes à implementação de políticas públicas, impondo-se, necessariamente, o desenvolvimento de atividades administrativas para realizar os direitos de natureza social, econômica ou cultural. Eventual omissão estatal nesse sentido fica, assim, inequivocamente sujeita ao exame judicial, assim como a atuação em desconformidade com os ditames normativos.

Assim, apesar da expressa consagração legal de inúmeros direitos sociais, com a finalidade de concretizar as disposições constitucionais que os instituíram, o Estado brasileiro ainda se apresenta em expressivo débito para com o cumprimento dos deveres objetivos que lhe cabem, mesmo quanto à efetiva realização das políticas já concebidas pelo legislador, de modo que se mostra inafastável a possibilidade de exercício do devido controle jurisdicional na matéria, em conformidade com os parâmetros fornecidos não apenas pela Constituição, mas também por nossas leis.

96 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise

das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2014, p. 174-184. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91983.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2016.

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3 O CUMPRIMENTO DOS DEVERES ESTATAIS DE FAZER OU NÃO FAZER

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