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Lembranças do Residência Agrária

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 124-129)

Zé da Paes (José Paes Floriano)70

Ao escrever este pequeno trecho, recordo os bons momentos vividos durante o período da Especialização. Sendo um dos últimos a chegar ao local onde iria dar início a primeira etapa do Curso, chegava carregando na bagagem muitas preocupações, ansiedades, interrogações, inquietações e expectativas. Era como uma criança em seu primeiro dia de aula. Arrancado de repente de dentro das plantações e a convite de profes- sores conhecedores das difi culdades e preocupações vividas ali, iria viver agora uma nova realidade, algo muito novo e cheio de expectativas.

Estava ali na sala reunida a turma com quem iria conviver por um bom período. Era gente jovem, em sua maioria ex-alunos do Curso

70. Assentado de Mirassol D’Oeste MT. Pedagogo e Especialista em Agricultura Familiar e Camponesa e Educação do Campo.

Interação entre estudante e famílias assentadas para a realização do Tempo Comunidade.

Lá também planto mandioca Vou plantar milho pipoca e fazer um farturão.

Embaixo do pé de mangueiro faço a reunião Organizo a minha base faço a refl exão Para tirar o sustento faço o meu planejamento Para a minha produção.

Jogo restolhos pras vacas Tiro leite de montão Faço doce e faço queijo Também faço requeijão Estou sempre replanejando Pois faço tudo pensando Em nossa alimentação. A nossa horta é pequena Mas tem boa produção Com o esterco do curral Faço a adubação Tem verdura todo dia Isto é a garantia De uma boa nutrição. Tenho uma porca no chiqueiro Me dá cinco ou seis leitão Quando o porco fi ca gordo Frito e boto no latão E dos restos que não se come Dos cachorros eu mato a fome E ainda faço sabão.

As galinhas no terreiro Botam ovo encarreado Botam dois em um só ninho Todos grandes e bem corados Bebem água limpa e fria Comem milho todo dia Que lá mesmo e triturado. de Agronomia, outros eram técnicos já atuantes em Assistência Técnica e

outros raros de outros cursos. Eu e outra companheira éramos os únicos do Curso de Pedagogia - e qual seria a importância da pedagogia naquele Curso? Na verdade, não tinha consciência de que era um pedagogo que estava chegando para participar do Curso, pois já havia muito tempo lon- ge da sala de aula e dos estudos e ocupava todo o tempo a cuidar de plan- tas e animais. Já esquecera os 12 anos consecutivos em sala de aula e na- quele momento era um pequeno agricultor que chegava e não parecia chegar sozinho, parecia carregando outros personagens que, talvez pela necessidade, tenham se incorporado em mim. Pois, se por um lado me via longe da sala de aula e longe dos estudos, por outro, vivia em constan- tes preocupações com a questão ambiental e me encontrava num grande despertar para a produção orgânica onde um grupo de mais de 60 famílias de pequenos agricultores ligados a uma associação de produtores se desa- fi ava a produzir produtos agroecológicos em uma região onde sempre predominou a agricultura convencional e onde o uso do agrotóxico era intenso. Esta situação fazia com que todo o grupo se preocupasse e pro- curasse saídas onde uma delas era então fazer a conscientização dos agri- cultores e mesmo dos consumidores da região acerca dos agrotóxicos e a importância dos produtos agroecológicos; tarefa não tão fácil de executar. E assim, acreditando que a arte da poesia, da música e do teatro pudesse servir como um instrumento atrativo e educador passei a usá-los no tra- balho de conscientização dos grupos de produção agroecológica e mesmo dos produtores em geral que fazem parte do entorno por onde se preten- dia produzir agroecologicamente. Assim sendo, quem entrava para o Curso de Pós-Graduação não era apenas um agricultor ou um pedagogo, mas sim um conjunto de personagens, ou seja, agricultor, pedagogo, po- eta, cantor, compositor, etc., além de estar ali presente todas as preocupa- ções dos companheiros que fi caram nos assentamentos. Assim sendo, naquele momento da apresentação pessoal me embaracei um pouco para defi nir como me identifi caria; disse o meu nome, o curso que freqüentei, e onde morava e, quando fui dizer o que fazia, qual a minha ocupação, passei a cantar o “Vanerão da Roça”.

VANERÃO DA ROÇA

Tenho um pedaço de terra Tenho um pedaço de chão Para plantar bananeira Arroz, o milho e o feijão.

Educação do Campo e Formação Profi ssional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 4 Relato de Experiências

Mas o homem apareceu E o mundo todo fedeu E tudo fi cou doente. Começaram a criar lixo Jogar em todo lugar Muita fumaça e poeira E contaminaram o ar Fizeram o desmatamento E a mata ciliar

Secaram os mananciais Extinguiram os animais E estão secando até o mar. A terra fi cou pelada O mundo fi cou vazio Sem chuva sem umidade Sem ar fresco e até sem rio O descontrole é tamanho Que dá até arrepio

Pois veja só que horror onde fazia calor Começou a fazer frio.

E eu perdi meu equilíbrio E fi quei descontrolado Não se tem mais os invernos Nem controle das chuvadas As enchentes quebram as pontes Cidades fi cam alagadas

Se chove demais no Sudeste, muitas enchentes no Nordeste. No sul não chove quase nada.

Mas reparem nos políticos Como eles te enganam Inventaram um organismo E chamaram IBAMA Isto só lhe rendeu fama Situação complicada

Pois se o IBAMA não faz nada O povo é quem vive o drama. Tenho cocho pra ração

Tenho animal de arado Tenho um canavial E um engenho pra melado Lá tenho muita fartura Faço doce e rapadura É um farturão danado. Se você não acredita E acha que é mentira Que é papo de cantado Vá lá em casa e confi ra Vá lá ver o meu quintal Tomar um suco natural E comer um frango caipira.

Esta foi uma das composições feitas no intuito de mostrar as vantagens de se ter um sistema produtivo integrado e levando em conta a sustentabilidade.

Em seguida o professor que já me conhecia disse para a turma que eu mandava bem o rap ao que a turma pediu que mostrasse e mandei o “Recado da Natureza”.

RAP “O RECADO DA NATUREZA”

Vou mandando este meu RAP A quem quiser apreciar Pois eu sou a natureza Vivo em todo lugar Sou do começo do mundo Tempos bons eu vivi lá Hoje não é mais assim Parece que estou no fi m Acho que vou me acabar. Mas eu já fui muito feliz Antes de ter muita gente Vivia num paraíso Chamado meio ambiente

Vai lá vai ver

Porque se ninguém cuidar o mundo vai perecer O mundo vai perecer

Todo mundo vai morrer Todo mundo vai morrer Não deixe isto acontecer Não deixe isto acontecer...

Assim, com estas apresentações iniciais, naquele inicio de Cur- so, julgo que, como diz o ditado, acabei por “matar dois coelhos com uma só cajadada”, pois passei a me sentir muito à vontade e, daí pra frente não tive nenhum problema para me entrosar com a turma. Conquistei rapi- damente a simpatia de todos que se apegaram muito a mim e passei a ser então um dos animadores dos encontros que se deram durante o Curso. Lembro-me que em um estudo sobre comunicação o professor pediu aos grupos de estudo que discutissem o assunto da apostila distribuída e usas- sem a criatividade na apresentação; então o grupo em que eu fazia parte pediu se seria possível apresentar sobre forma de versos, então apresentei com o título de “Comunicar É”.

COMUNICAR É71:

Toda historia sobre a Terra Quero que preste atenção Vou falar nestes meus versos Baseio na introdução De um bom livro que fala Sobre a comunicação E tornou-se imperativa A ferramenta decisiva Pra manter a relação. Os habitantes da terra Fazem a aproximação Faz a troca de idéias Experiência e informação E o nível de progresso Ou pobreza como não

71. Zé da Paes e grupo.

Sema, IBAMA ou Estado Liso igual um sabonete. E o povo está cercado Igual a um gado no brete Virou a casa da “Mãe Joana” Este tal de ambiente

E se ninguém pressiona O IBAMA funciona Somente no gabinete.

Mas todos são donos do mundo Pra viver em toda parte Mas é preciso cuidar O mundo é seu habitat Ele não é todo seu Mas você tem uma parte É preciso apreender É preciso saber viver Pois viver também é arte. Preservar bem as fl orestas As reservas fl orestais Ter presente a importância As águas dos mananciais Saber que a água é vida Pra você e os animais Este é seu compromisso Pois se acabar tudo isto Ninguém pode viver mais. Já mandei o meu recado Para IBAMA e pra você 0 recado vai também Pra quem ainda vai nascer Pois já está condenado A morrer envenenado Ou então morrer de sede Mesmo antes de crescer E se você duvidar Então, vem cá

Educação do Campo e Formação Profi ssional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 4 Relato de Experiências

O e-mail e o ofício O acordo e o compromisso Tudo é comunicação.

Assim fui percebendo, o que já tinha uma vaga certeza, a capa- cidade da arte musical, da poesia e do teatro para ser usado como instru- mento de mobilização, despertamento, sensibilização, formação, educa- ção e envolvimento. Daí a opção por adotar a arte como objeto da pesqui- sa na Especialização. E assim me senti com o pé na estrada e pronto para fazer a marcha na confi rmação da minha hipótese. Aquele Curso passou a ser de fundamental importância para mim, pois comecei a perceber que vinha ao encontro das minhas expectativas e, quando lembrava das difi - culdades vividas pelos grupos de produção nos assentamentos, a esperan- ça nos resultados daquele Curso aumentava cada vez mais e aumentava, também, a certeza de que era mesmo aquela formação que estava faltando no campo. Veio em um momento oportuno, momento no qual todos os povos estão na busca de um mundo mais equilibrado e sustentabilidade é a palavra de ordem. E, na confusão, o agronegócio tenta dizer para o mundo que a pequena agricultura não é necessária, e que entramos na era da transgenia, e nessa contramão a pequena Agricultura Familiar entrou por um beco sem saída, e os nossos pequenos agricultores lutam por sua sobrevivência procurando produzir, pelo menos, a subsistência. É nesse clima que surge como uma luz no fi m do túnel o Residência Agrária, para trazer um pouco de esperança aos assentamentos e a via campesina.

Participei assiduamente do Curso e produzi a monografi a esbo- çando nela todas as minhas angústias e sonhos, pois tinha plena certeza de que além de mim eram mais 40 companheiros e companheiras que esta- vam sendo preparados e dispostos a desafi ar com a gente e dar uma cara nova à Agricultura Familiar. Em toda a região Centro Oeste, por onde andamos, nos assentamentos que visitamos, detectamos nos olhares dos assentados a angustia e a expectativa estampada no rosto de cada compa- nheiro e companheira que via, como o meu olhar, que aquela turma, que ora visitava o seu Assentamento, iria trazer com certeza um novo rumo, pois ali estavam as pessoas mais indicadas e sendo preparadas para trazer para aquele povo o que eles tanto sonhavam, ou seja, um acompanhamen- to bem pé no chão e voltado para a causa ambiental e a sustentabilidade.

Encerrado que foi o Curso, não tenho noticias da turma que participou comigo desta Especialização e não sei como está sendo a atua- ção de cada um nas regiões onde vivem, nem posso avaliar os benefícios causado pelo Residência Agrária nos assentamentos. Mas, quanto a mim, Depende das capacidades

Entre as sociedades Em fazer comunicação. A própria sociedade Só pode ser concebida Da convivência dos homens Processo ao longo da vida Do grunhido pré-histórico Surge a palavra entendida Nasce a possibilidade, A língua, a personalidade. O gesto e a ação envolvida. Cada página de um livro A imagem na televisão O chamado telefônico Ou mesmo a reunião O discurso parlamentar Tudo é comunicação Uma carta de amor A aula do professor Ou o estrondo do trovão. Também é comunicação O convívio pessoal O telegrama e o rádio A circular comercial A mensagem da criança Para a festa de natal A música também comunica O pandeiro e a cuíca No samba e no carnaval. A bandeira do exército Ou mesmo da agremiação Sinais e guardas de trânsito O livro de oração

Ou a ordem de serviço A ata da reunião

Práticas agroecológicas voltadas

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 124-129)

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