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RESSIGNIFICAÇÃO CULTURAL DA AGRICULTURA FAMILIAR

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 153-155)

Via Campesina e Fretraf-Sul

RESSIGNIFICAÇÃO CULTURAL DA AGRICULTURA FAMILIAR

A afi rmação da categoria “Agricultura Familiar” a partir de me- ados dos anos 1990, segundo Medeiros (2001), deveu-se a uma ordem de fatores: o aumento da importância dos “pequenos produtores” no interior do sindicalismo e a reivindicação destes por um “novo modelo de desen- volvimento”; o conhecimento de realidades de Agricultura Familiar eu- ropéia através da realização de atividades de formação e intercâmbios; articulação do sindicalismo (CUT/CONTAG) e a conseqüente conquis- ta de políticas públicas específi cas (como o PRONAF); e o reconheci- mento institucional da Agricultura Familiar (FAO/INCRA, 1994).

A partir dos avanços organizativos dos movimentos e o reco- nhecimento institucional da Agricultura Familiar supõe-se que melhorou sensivelmente o quadro político para a “Agricultura Familiar”. Entende-se que, neste período, o sindicalismo cutista percebeu que poderia sair da defensiva e passar a articular seu projeto de viabilização da pequena agri- cultura (que havia se reforçado com os anos de luta) desde que o apresen- tasse segundo a nova identidade. Assim, parece que se coadunaram as pretensões do movimento com as do Estado em torno da constituição de uma “nova identidade”. Considera-se que quando o movimento assumiu a identidade de “agricultor familiar” ele saiu da defensiva e passou a cons- tituir-se como sujeito que constrói e propõe um projeto de agricultura para a sociedade.

Destaca-se também que a recente valorização da “produção familiar” deve-se, de um lado, ao reconhecimento ofi cial e acadêmico desta agricultura como específi ca e produtora de grande parte dos alimen- tos consumidos no país e, de outro lado, ao trabalho de redescoberta dos produtos “artesanais”, “caseiros” ou “coloniais”, promovido tanto pelas entidades dos agricultores familiares, quanto por setores do Estado e da academia. No caso da Agricultura Familiar, as preocupações em torno da segurança alimentar (disponibilidade e padrões da produção de alimen- tos), a abertura de mercados para produtos diferenciados têm representa- do uma oportunidade para aqueles que, há tempos, buscavam alternativas à produção de commodities.

O modelo de agricultura proposto pelo sindicalismo da Agri- cultura Familiar fundamenta-se na construção da oposição entre a produ- ção de commodities para exportação e a produção de “alimentos” para o explorados, fazem parte do proletariado agrícola e, portanto, são uma

classe com “potencial revolucionário” para construção de uma sociedade socialista. [...]. Já a expressão “Agricultura Familiar” procura

designar uma forma de produção moderna e mais efi - ciente sob o ponto de vista econômico, social e ambiental. [...] existem

diferentes concepções sobre os rumos da sociedade entre os que acreditam no papel estratégico da Agricultura Familiar (CASTILHOS, 2003, p. 16) (grifos nossos).

Nesta busca de diferenciação entre “pequena produção” e “Agricultura Familiar” evidencia-se que a FETRAF-Sul objetiva colocar- se como agente ativo na sociedade atual, que almeja fortalecer o segmen- to social da Agricultura Familiar tanto para adequar-se ao modo capitalis- ta de produção vigente, quanto para ser uma forma concreta de agricul- tura em uma possível “sociedade socialista”. A construção da identidade da Agricultura Familiar, então, busca livrar-se do caráter “atrasado”, “im- perfeito” e “incompleto” da noção de pequena produção e elaborar uma ressignifi cação cultural da pequena agricultura dando-lhe novos adjetivos, tais como: “produtora de alimentos”, “moderna” e “efi ciente”.

O projeto da Via Campesina (no Brasil) é expresso em algumas elaborações recentes de intelectuais orgânicos. Com o livro organizado por Carvalho (2005) esta organização vem buscando avançar na defi nição da identidade e do projeto do campesinato. O camponês, para Carvalho (2005, p.171), constitui-se “num sujeito social cujo movimento histórico se caracteriza por modos de ser e de viver que lhe são próprios, não se caracterizando como capitalista ainda que inserido na economia capitalis- ta”. Com esta demarcação do sujeito camponês, o autor busca resgatar tanto a dimensão utópica do modo de vida camponês, quanto as alterna- tivas de resistência camponesa ao capitalismo e as possibilidades de sua superação através da construção de novas bases sócio-econômicas.

Inspirando-se em Castells (2002), Carvalho (2005) ainda busca avançar na construção de bases teóricas para defi nição e fundamentação de uma estratégia para os movimentos sociais camponeses brasileiros. Propõe que se inicie com a tática de constituição de “identidades comu- nitárias de resistência ativa à exclusão social” ou como também Carvalho (2002) chama em outro trabalho: “Comunidades de Resistência e Supe- ração”. Esta estratégia visa produzir um projeto de transformação social a partir dos elementos culturais e materiais do campesinato.

A formação de novas identidades gerais, a renovação dos projetos de porvir e as recentes articulações políticas dos atores sociais do campo

Educação do Campo e Formação Profi ssional: a experiência do Programa Residência Agrária Capítulo 4 Relato de Experiências

vai valer muito dinheiro, o salame, a banha, as hortaliças, as frutas, o mandiocal, o batatal, o mel das abelhas, as chimias. E, ainda, o que ele produz pra vender, ganhar renda, o leite, produzir leite à base de pasto, o soja orgânico hoje tem mercado diferenciado, ele ganha de 20 a 30% a mais por ele produzir um produto diferenciado (Liderança da COOPAC). Evidencia-se que a mobilização política e a organização dos agri- cultores familiares resultou na idéia, divulgada por suas organizações, de que “é possível ser feliz” como agricultor familiar (que a pequena produção pode sobreviver no capitalismo como produtora de alimentos para a Nação e que as famílias, ao exercerem este papel, podem viver bem ou serem feli- zes). A letra da Música da Agricultura Familiar ilustra estas noções:

Sem medo de ser feliz na Agricultura Familiar/ Pois é esta

a mão que faz a Nação se alimentar/ [...] Todos erguendo as bandeiras viva a luta popular.

É possível ser feliz com amor e muita paz/ Foi na terra que

aprendi trabalhando com meus pais/ O sindicalismo novo é ferramenta pra lutar/ Trabalhadores fazendo a grande luta popular/ Unindo conhecimen- to com a coragem de mudar (ECOSUL/FETRAF-Sul, 2006). Destaca-se, assim, a postura de fortalecer a identidade da Agri- cultura Familiar como um elemento positivador da pequena produção, que tinha baixa auto-estima e estava em decadência desde os anos 1980. Esta positivação resulta em uma inversão na forma de representação des- te setor social. Por um lado, a remodelagem e ressignifi cação cultural da “pequena agricultura” em “Agricultura Familiar” tem fortalecido politi- camente este setor social e propiciado o estabelecimento de melhoras na relação com o Estado e com a Sociedade. Considera-se que isso se deve, em grande medida, a efi ciente mobilização sóciopolítica dos atores deste segmento e as pretensas intenções do Estado em dialogar com este seg- mento social para despolitizar a pauta da Reforma Agrária (como apontou MEDEIROS, 2001). No entanto, não se pode afi rmar que esta melhoria do reconhecimento público e o aumento da oferta de políticas públicas sejam extensivas a todos os segmentos empobrecidos do campo. Tanto os programas públicos, quanto o projeto da Agricultura Familiar, defendido pelos atores sociais a ele afi liados, buscam fortalecer o segmento social que pode ser potencialmente sustentável (economicamente viável), desde que subsidiados com algumas políticas. Dessa forma, os segmentos campone- ses que não são “potencialmente sustentáveis” (os mais fragilizados e consumo interno. Segundo esta perspectiva, enquanto o setor do agrone-

gócio (patronal) dedica-se à produção de commodities para exportação, a Agricultura Familiar responsabilizar-se pela produção de alimentos para o “povo” brasileiro. Esta pretensão é explicitada no lema da FETRAF: “Agricultura Familiar: as mãos que alimentam a nação”, aparecendo também nas chamadas dos Congressos da Agricultura Familiar organizados pela FETRAF-Sul.

Observa-se, nos cartazes dos Congressos de Agricultura Fami- liar, referências à diversidade de alimentos produzidos pela Agricultura Familiar (na inscrição das palavras “Agricultura Familiar” com alimentos). Assim, o projeto da Agricultura Familiar estaria buscando integrar-se à sociedade nacional, autoatribuíndo-se a função de “alimentar a nação” (leia-se a produção de alimentos para o mercado interno). Observa-se também a infl uência ideológica da Igreja no que se refere à metáfora: “Plantando o Novo Sindicalismo”. A construção do “novo sindicalismo” faz do discurso que fundamentava a ação da Igreja desde a década de 1980, quando da defl agração das primeiras oposições sindicais; e, da mesma forma, a expressão “Semente de uma Terra Solidária” refere-se aos obje- tivos de fortalecimento dos laços comunitários da cooperação, da ajuda mútua, da solidariedade ou em uma expressão síntese: da Agricultura Fa- miliar integrada à comunidade.

A forma particular de representação do processo de produção de alimentos remete a elementos “desejáveis” da Agricultura Familiar: família grande, coesa, socialmente estável e produtora de variados alimentos para a nação.

Este projeto de Agricultura Familiar ao reivindicar esta função (“alimentar a nação”), produziu uma nova signifi cação do processo de produção (que anteriormente era visto como penoso ou inefi ciente), uma ressignifi cação cultural positivada dos elementos desta agricultura88. São

incorporados ao discurso elementos ecológicos, da qualidade dos ali- mentos, de valorização da diversidade, bem-estar, etc. A passagem a seguir é ilustrativa:

[...] eu não tenho dúvida, enquanto dirigente de cooperativa e enquanto agricultor também, que o meio rural hoje é um meio de se vi-

ver bem, basta organização e o agricultor acreditar em si mesmo. Porque aquilo que a agricultura oferece hoje, a Agricultura Famililiar é uma coisa muito rica, é uma coisa que o amanhã

88. Consultar Picolotto (2006), onde identifi cou-se como se processou esta ressignifi cação da pequena agricultura na agricultura familiar no município de Constantina, região do Alto Uruguai do RS.

unidades familiares de produção. Assim, não deve causar surpresas que a FETRAF-Sul tenha aderido aos programas de Crédito Fundiário91 (cré-

dito para compra de terra criado pelo governo federal), enquanto outros movimentos (como os da Via Campesina) fazem oposição a estes progra- mas. Além de intermediar o acesso das famílias que almejam terra através da compra pelo Crédito Fundiário, a FETRAF-Sul também organizou associações de jovens para acessar uma modalidade desse crédito especí- fi co para a juventude, chamado: “Nossa Primeira Terra”. Ou seja, no período mais recente, a Reforma Agrária, para a FETRAF-Sul, passa a signifi car mais “um instrumento para a expansão da Agricultura Familiar” (conforme caracterizado por Favareto, 2001), do que um projeto de trans- formação da estrutura agrária brasileira.

BUSCA DE FORTALECIMENTO DA

No documento EDUC A ÇÃO DO CAM PO E F (páginas 153-155)

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