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6º DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DA ABORDAGEM ENFOQUES PRIORITÁRIOS

I. Neste derradeiro tópico introdutório, delimita-se a investigação no espaço geográfico e elegem-se os seus enfoques prioritários, prevenindo excursos desnecessários e esforços intelectuais de nenhum proveito geral. Quanto às justificativas, à sequência da investigação e aos balizamentos metodológicos, remetemos o leitor aos §§ 3º e 4º, onde tais aspectos já foram dilucidados.

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Assim, por exemplo, merecia estudos mais cuidados, nos campos da Estatística e da Sociologia Judiciária, o problema da propensão primitiva da autoridade aos indeferimentos e às improcedências, seja pela maior facilidade discursiva, seja pela economia de tarefas (previnem-se o exame dos pedidos subsidiários, os atos de liquidação e de execução e, amiúde, os próprios embargos declaratórios). Em alguns contextos, tal propensão chega a determinar a lógica de distribuição do ônus da prova ― conquanto discursivamente se apresentem outros fundamentos ―, engendrando para o autor da ação uma preocupante posição inicial de desvantagem.

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II. Este não será um estudo metódico de direito comparado, que sequer caberia bem em uma Tese de Doutoramento (a pressupor a inovação, para além do cotejo crítico)257. Tampouco será um estudo de História do Direito, com especial desvelo na consulta às fontes primeiras. No entanto, uma discussão fundada do “due process of law” não prescinde de um exame cuidadoso de suas origens históricas (parte I, capítulo 1), de seus rumos atuais nos principais sistemas jurídicos mundiais (parte 1, capítulos 2 e 3) ― atendo- se, porém, à dimensão juspositiva, sem maiores preocupações com as dimensões doutrinal e jurisprudencial (exceto no § 15º do capítulo 2, pela aguda relevância dessa abordagem) ― e de seus corolários naturais (Parte II, capítulos 1 e 2). Sem compreender, com boa magnitude, o que é o devido processo legal, de onde veio e quais são os seus desdobramentos, tanto na ordem ético-jurídica quando na ordem jurídico-positiva, não se entenderão, adiante, suas integrações com a teoria geral dos direitos fundamentais ― em especial na ótica pós-moderna ― e o que se entende como “inflexões” desse mesmo devido processo (Parte III) ― a despeito do quanto já afirmado no subitem “ζ” do item III do §2º (supra), que encerra apenas um bosquejo do conceito.

III. Nessa linha, afora o escorço histórico (que remete necessariamente ao direito anglo-saxônico, em especial da Bretanha medieval à jurisprudência da Supreme Court norte-americana no século XX), o Capítulo 3 (Parte I) explora, na dimensão do devido processo formal (porque, como se verá, o devido processo substantivo é antes um conceito que um paradigma juspositivo suscetível de exploração comparativa), os modelos brasileiro, europeu e norte-americano, sempre de modo reciprocamente referenciado; e, por

257 Para a melhor compreensão do alcance de uma investigação completa e metódica de direito processual

comparado ― que se estabelece por institutos e está além dos objetivos desta Tese ―, veja-se, por todos, Peter Gilles, “Comparative Procedure Law”, in Teoria do Processo…, pp.809-823. GILLES observa, com razão, que “a successful comparative procedure law study requires not only firm foreign language

competency, but also scholarly research competency, as well as, for larger projects, personnel, material, and financial research potential and resources, including obtaining materials, publications possibilities, information systems, access to sources, and informatics. […] Hindrances to an “objective”, unbiased comparative procedure law study include national identity, superiority thinking, psychic and emotional, ideological and political, cultural and historical ties to certain legal circles such as the, as LANGBEIN describes, “Cult of Common Law”, which can surely be contrasted to the not quite so unfolded “Cult of Civil Law”. Moreover, the danger should not be underestimated that the homeland or even personal view of procedure law and its comparison might be portrayed as common knowledge in the entire world, or the dangher of looking at foreign phenomena and viewpoints ― as far one even knows or recognizes them ― through one’s own glasses and then measuring them according to one’s domestic standards. This applies to many scholars of comparative procedure and of course to me too” (p.822).

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vezes, agrega ainda outros sistemas para o esforço comparativo. Em todo caso, sempre que possível, privilegiar-se-á o cotejo crítico de viés luso-brasileiro, por motivos óbvios (origem do Autor e sede da Instituição). O tipo de cotejo que se fará tem bom exemplo no §17º do mesmo capítulo, em que, na comparação com Brasil e Portugal, examina-se brevemente a legislação argentina, representando os modelos hispano-americanos (tanto pelo dado geográfico da proximidade física, quanto pelo dado cultural da proximidade linguística e pelo dado político da formação em blocos econômicos, que, no rumo do MERCOSUL, tendem a harmonizar tais sistemas), e as principais legislações europeias, que, na concepção do Autor (pelos critérios da consistência científica e da envergadura juspositiva), são ― além da portuguesa ― as de origem alemã, italiana, espanhola e francesa. Mas também se avança com referências à legislação australiana e à japonesa, colimando marcar semelhanças e dessemelhanças referenciais, notadamente pela diversidade cultural e pelas distâncias continentais. Enfim, no campo europeu, examinar-se- á o que já existe, em tema de “procedural due process”, no direito comunitário, com especial atenção para o tratamento da matéria no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (§ 19º). Quanto às experiências inglesa e norte-americana ― as mais eloquentes em sede de “substantive due process” ―, já terão sido exploradas, à saciedade, entre os §§ 9º e 14º (exceção feita aos §§ 11º, 12º e 13º, mais universais).

As demais experiências nacionais nos pareceram relevantes, razão pela qual não há estudos dedicados a outros modelos positivos do atual panorama global. Se necessário, serão evocadas incidentalmente, quando em algo aproveitarem.

IV. Por outro lado, a investigação do “procedural due process” no § 17º não desce à minúcia das regras procedimentais de cada um dos sistemas nacionais tangenciados; ao revés, elegem-se como focos prioritários as garantias processuais, por um lado, e a “procedural fairness” em sentido estrito (i.e., a boa-fé processual) ― com o seu correspondente duplo antagônico (i.e., o abuso de direitos processuais) ―, por outro. Nessa vereda, deslindar-se-á, sem excessivo apego à descrição de formas, aquilo que realmente interessa na intersecção entre o devido processo formal e a tutela jusfundamental da pessoa.

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É como faremos, outrossim, em toda abordagem histórica e juscomparativa, visando inclusive à economia de texto.

V. Essas mesmas abordagens ― a histórica e a juscomparativa ― privilegiarão o processo civil (na sua acepção mais lata, como sistema de normas adjetivas aplicadas pelos órgãos de jurisdição civil e como instrumento formal de solução dos conflitos materiais de direito civil “lato sensu”258), mesmo porque aí radicam, em maior volume, as polêmicas inflexões da técnica processualística atual. Nada obstante, sufragando o propósito subjacente de contribuir para a própria teoria geral do processo, serão também debatidos aspectos ligados ao processo penal, ao processo do trabalho (que tem formação mais recente, como rebento tardio da Revolução Industrial, e vem incorporando, em boa medida, as inflexões do próprio processo civil259) e até mesmo ao processo administrativo, na medida da necessidade e da utilidade260.

VI. Para mais, reitera-se e pontifica-se que o fulcro da pesquisa está no estudo sistemático do devido processo legal (formal/substancial), em suas concreções dogmáticas e prudenciais, e das respectivas inflexões, nomeadamente aquelas observadas em contextos de crise ou tensão no espectro jusfundamental (i.e., no plano dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana). Inflexões de outra ordem, que não interfiram significativamente com a garantia fundamental do devido processo legal (ainda que afetem o procedimento), ou que não se deem em contextos de ponderação jusfundamental (padecendo, o mais das vezes, de ilegitimidade constitucional, como se deverá demonstrar), não compõe o escopo da investigação e não serão pontuadas. Da mesma forma, todas as

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Nesse sentido, cf., por todos, Hans-Joachim Musielak, Grundkurs ZPO, pp.VI e 01-03.

259 Especialmente no Brasil, à vista do artigo 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum

será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

260 Tenciona-se, com isso, preservar minimamente a vocação universal da teoria geral do processo, que sequer

“abrange somente os processos em que se exerce a jurisdição (civil, trabalhista, penal), nem apenas os processos estatais (jurisdicionais ou não-jurisdicionais), mas também os processos das entidades intermediárias; o critério para a determinação do âmbito da teoria geral do processo, com visos de utilidade metodológica, é o do exercício do poder, não chegando ela até aos “processos” relativos aos negócios jurídicos (como sustenta parte da doutrina), porque ali inexiste poder exercido” (Dinamarco, A Instrumentalidade…, p.384).

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demais incursões ― mesmo as de cariz histórico (basicamente instrumentais), as de cariz juscomparativo (com as limitações do item III) e as de cariz descritivo (em especial nos casos brasileiro e português) ― assimilarão esse enfoque, inclusive para o desate crítico.

Dispensar-se-ão, na medida do possível, os metadesenvolvimentos de fundo sociológico, filosófico ou linguístico (aos de segundo tipo, bastar-nos-á, em boa medida, o que já se produziu no § 5º). Episodicamente, porém, tais reflexões poderão ser indispensáveis; em tais hipóteses, alertar-se-á o leitor, com abertura de item próprio para os progressos necessários.

VII. A sequência do estudo trará, em seu bojo, diversas conclusões parciais (à maneira do que, aliás, já se fez até aqui). Algumas, pela relevância, serão destacadas topicamente (e.g., capítulo 4 da parte I, tópicos 7.4, 8.4, 9.3); outras não o serão. Ao final (“Conclusões”), para o conforto do leitor, todas essas teses, ainda que secundárias, serão reescritas e autonomizadas, ao lado das teses principais (antecipadas no item III do §2º, mas também sujeitas a mutações).

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I

O “DUE PROCESS OF LAW” NA

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