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Da mesma forma, o ato judicial decisório é, sempre, um ato de comunicação.

§ 5º PRESSUPOSTOS DE INVESTIGAÇÃO

E, por derradeiro, a inclusividade relaciona-se tanto com a abertura do sistema objetivo, como também com a sua mobilidade (no sentido de WILBURG) Trata-se de um

V. Da mesma forma, o ato judicial decisório é, sempre, um ato de comunicação.

Com efeito, é certo que, para o jurista, “a linguagem não é […] apenas um meio utilizado acriticamente no entendimento de objectos exteriores à linguagem”; antes, é “um

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objecto central do seu trabalho ― ele entende leis, descreve situações de facto, subsume casos a normas, resumidamente, ele ocupa-se de certos produtos da linguagem (leis, regras dogmáticas) e procura a correspondência com outros textos (situações de facto, casos)”, de modo que “nenhuma outra profissão trata a linguagem de uma forma comparável a esta”246. Em suma ― e repetindo KAUFMANN ―, o jurista estabelece, com a linguagem, a ponte de correspondência entre o ser (Sein) e o dever-ser (Sollen-sein), variando códigos linguísticos de conceptualidade abstrata e descrições casuísticas. Não é diferente com os atos-decisões judiciais, que se manifestam necessariamente pela linguagem e, em especial, pela linguagem técnico-jurídica (espécie do gênero que WASSERMAN denomina como “linguagem técnica corrente”247, que é uma “linguagem de classe”, sem chegar a ser uma linguagem puramente científica ou técnica248). Logo, um de seus necessários escopos é o de comunicar conteúdos e significados; na verdade, o seu mais importante escopo, para além dos outros dois (o social ― constituir a comunidade ― e o operativo ― pensar, calcular, fixar249), que se realizam melhor em outros tipos de linguagem (a coloquial, a matemática, a mnemônica, etc.).

VI. Que conteúdos, porém, os atos-decisões judiciais comunicam? Para responder a essa pergunta, valer-nos-ão as categorias gerais da “pragmática universal” de HABERMAS250, que estão assim dispostas:

246 Fritjof Haft, “Direito e linguagem”, in Introdução…, Kaufmann, Hassemer (org.), pp.303-326. 247

Rudolf Wassermann, “Sprachliche Probleme in der Praxis von Rechtspolitik und Rechtsverwirklichung”, in Zeitschrift für Rechtspolitik, 1981, pp.257-260.

248 Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, p.171. 249 Idem, p.165.

250 Cf. Jürgen Habermas, “O que é a Pragmática Universal?”, trad. Paulo Rodrigues, in Racionalidade e

124 Domínios da realidade Modos de comunicação: atitudes básicas Pretensões de validade Funções gerais do discurso “O” mundo de natureza externa Cognitivo: atitude objetivante Verdade Representação de factos “Nosso” mundo de sociedade Interativo: atitude conformativa Acerto Estabelecimento de relações interpessoais legítimas “Meu” mundo de natureza interna Expressivo: atitude expressiva Sinceridade Revelação da subjetividade do falante Linguagem - Inteligibilidade -

Fonte: HABERMAS, Jürgen. “O que é a Pragmática Universal?” (1976)

Na perspectiva liberal-formal, das subsunções “more geometrico" e dos raciocínios cartesiano-euclidianos, dir-se-ia que o modo de comunicação das sentenças judiciais é o cognitivo, de atitude objetivante, com função de “representação de fatos” (mesmo quando o “fato” é a subsunção do fato à norma) e pretensão de verdade (supra, n. I). Se, porém, a Ciência do Direito ― como sistema científico ― é realmente uma ciência da compreensão (§2º, I), dotada de historicidade e com bases prudenciais, tais assertivas refogem à sua natureza. Não se pode esperar, para um mesmo caso, idêntica solução em qualquer ponto das linhas do tempo e do espaço (assim como, “a priori”, poder-se-ia esperar das matemáticas). Nem tem o discurso jurídico ― e, consequentemente, o discurso judicial decisório ― a função de meramente representar fatos, ou de distinguir “falso” e “verdadeiro”. A Verdade sequer se revela adequadamente, como conceito, nas searas da Filosofia; logo, jamais poderia ter, como seus supremos ditadores, os juízes e tribunais. Quando muito, o Direito ― como sistema objetivo ― corteja-a como ideal de tendência (vide, infra, §18º). Nem por isso, a sua ciência deixa de ser Ciência. Nas palavras da KAUFMANN,

“[o]nde está escrito que apenas as ciências da natureza são verdadeiras ciências? O conceito de ciência não é um dogma, não precisa de ser exactamente o mesmo para todos os específicos campos do saber; poderá ser diferente, para as ciências “explicativas” da natureza, e para as ciências “compreensivas” do espírito. Contudo

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têm de se exigir alguns pressupostos mínimos para cada ciência: tem de se tratar de conhecimentos obtidos por intermédio dum método racional (entendendo-se por “racional” não apenas a actividade do entendimento conceptualmente analítico, mas também o procedimento da razão orientado para o conjunto da unidade do saber, portanto uma racionalidade não apenas formal mas

também material); os conhecimentos têm de estar referidos às coisas (o que não equivale a serem

ontológico-substanciais; assim, diga-se desde já, o

Direito não é substância, mas relação; são as relações

das pessoas entre si e com as coisas que constituem o “objecto” do direito), os conhecimentos têm de se encontrar numa congruência de fundamentos (não sendo de exigir, contrariamente à opinião de alguns autores, um sistema fechado) e os conhecimentos tem de ser

verificáveis (o que não significa que tenham de ser logicamente necessários; nas ciências normativas a verificação surge no discurso, que, por certo, nem

sempre conduz ao consenso como muitos teóricos do discurso pensam, mas pode pelo menos conduzir a uma

validade intersubjectiva, uma susceptibilidade de consenso)”251.

Logo, a linguagem do Direito comunica basicamente atitudes conformativas, com pretensão de acerto (2ª linha). Associando-se as asserções de KAUFMANN à tabela de HABERMAS, intui-se que a função geral do discurso jurídico é a de estabelecer relações interpessoais legítimas, extraindo tal legitimidade do “nosso” mundo de sociedade (o que implica entroncar, às normas e aos fatos, os valores inerentes a uma dada sociedade252). Assim, conviria mesmo afirmar que, no discurso jurídico, a pretensão de validade diz com a legitimidade da tese ou decisão (melhor que dizer do seu “acerto”, cujo radical etimológico é o mesmo de “certeza” — e, já por isso, aplicar-se-á melhor às ciências ditas exatas).

Poderia objetar o leitor, retrocedendo ao quanto exposto nos itens anteriores, para entrever no ato-decisão judicial uma atitude expressiva, com mera pretensão de sinceridade, já que o magistrado não pode ser apartado de suas convicções, de suas ideias e/ou de seu substrato cultural. No fundo, expressaria o que intimamente lhe parece justo

251 Arthur Kaufmann, Filosofia do Direito, pp.99-100 (g.n.).

252 O que nos remete, outra vez e sempre, à célebre teoria tridimensional do Direito, de MIGUEL REALE

(e, antes dele, LASK, RADBRUCH, POUND e STONE, entre outros): o Direito (sistema objetivo) como fato,

valor e norma (cf. Miguel Reale, Filosofia..., pp.497-561; sinteticamente, veja-se também Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, 22ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, pp.64-68).

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(“meu” mundo de natureza interna), agregando fundamentações objetivantes hauridas do direito positivo. Tal objeção é, em parte, procedente. Tão procedente como seria a de que, ao buscar os fatos da causa ― de que não se pode olvidar ―, o juiz deseja representar os fatos com a maior fidedignidade possível (pretensão de verdade), objetivando aspectos do mundo de natureza externa. Evidentemente, os modos de comunicação habermasianos não podem ser concebidos como departamentos estanques. Ao revés, a pragmática do discurso tende a agregar duas ou mais pretensões de validade, no mesmo ato, sem prejuízo de sua atitude funcional básica ― e é essa que, agora, assoma ao relevo. Conquanto a instrução processual sirva essencialmente para descobrir fatos e expungir controvérsias (= “verdade”), e sendo certo que o magistrado ― como “ente falante” ― também revela sua subjetividade na dicção sentencial (= “sinceridade”), também é certo que, da sentença “in se”, não se deve requestar a sua verdade ou a sua sinceridade, mas o seu “acerto” (no sentido de legitimidade). Em grau de recurso, o que dirão os tribunais de apelação é se, à luz dos fatos, valores e normas em vigor, a sentença foi “acertada” ou “desacertada” (e não se é “verdadeira” ou “falsa”, ou tanto menos se é “sincera” ou “mentirosa” ― ainda que, na perspectiva da Teoria da Linguagem, também esses atributos pudessem ser perquiridos). Eis, pois, a razão pela qual, a par das atitudes subsidiárias, a atitude básica de comunicação, no discurso dos atos-decisões judiciais, é a atitude conformativa: é essa a função social que o macrossistema social lhes reservou, em especial nos Estados Democráticos de Direito. Logo, tanto na Ciência do Direito como no discurso jurídico, discutir as outras pretensões de validade (“verdade”, “sinceridade”) só tem sentido quando suas aferições determinarem, direta ou indiretamente, perda de legitimidade no estabelecimento das relações interpessoais (= “desacerto”). Será assim quando, p.ex., o fato objetivado em sentença, constitutivo de certo direito legítimo, não houver se verificado no mundo das coisas (“verdade”); ou quando a decisão se calcar em dados do mundo interno que não admitem recepção sistemática (e.g., o ódio, o interesse personalíssimo ou a paixão ― hipóteses de impedimento ou suspeição, como dito alhures).

VII. Nesse passo, dissentimos parcialmente de KAUFMANN quando, censurando

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