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I. A Ciência Jurídica contemporânea já protagonizou vívidas discussões em torno dos “métodos” que o Direito deveria perfilhar. Houve quem sustentasse ter o Direito um método próprio, de base teleo-axiológica, que o distinguisse das demais ciências enciclopédicas; tal seria o chamado “método jurídico”148. Com efeito, referimos há pouco o cunho inexato do Direito ― i.e., a sua condição de ciência da compreensão ―, o que desaconselha subordiná-lo a métodos próprios das ciências naturais, essencialmente empíricos e eticamente neutros. Ademais, a compreensão jurídica avança em dinâmica helicoide (supra, § 2º) e se autoconstrói dogmaticamente149, o que exige um esforço dialético muito particular, que provavelmente o discrepa das outras ciências humanas (em geral despregadas de preocupações dogmáticas).

Nem por isso, pode o método jurídico prescindir dos esquemas de pensamento científico legados pelas demais ciências aplicadas. Do contrário, desnecessário seria, em qualquer plano de investigação jurídica, destacar-se um tópico para discutir a metodologia.

II. Já por isso, convir-nos-á abdicar da polêmica ― conquanto reconheçamos, insista-se, certa especificidade para o método jurídico ― e simplesmente registrar que, ao longo da investigação, privilegiar-se-á uma abordagem sistemática (infra, tópico 5.1), em cujo marco empregar-se-ão todos os processos típicos de aquisição do conhecimento científico, tanto os de caráter indutivo quanto os de caráter dedutivo, na medida da necessidade e da conveniência das pesquisas planejadas. Isso inclui, por evidente, a formação e consulta seletiva de espólio bibliográfico bastante (doutrinário e

148 Cf., e.g., Friedrich Carl von Savigny, Juristische Methodenlehre: Kollegnachschrift von Jacon Grimm,

Stuttgart, G. Wesensberg, 1951, passim; Reinhold Zippelius, Juristische Methodenlehre: Eine Einführung, 5. Aufl., München, C.H. Beck, 1990, passim (especialmente pp.39-42). No contraponto (propondo um método

indutivo, de fundo histórico-natural  a que depois renunciaria , e baseando-se sobretudo nos exemplos de formulação jurídica do Direito Romano), cf. Rudolf von Ihering, Scherz und Ernst in der Jurisprudenz: Eine

Weihnachtsgabe für das juristische Publikum, Wien, Linde, 2009 (reimpressão da edição alemã de 1884), passim (especialmente pp.245 e ss.).

149 Como pontuou MENEZES CORDEIRO, “a dogmática radica na positividade do Direito. Sem ela ou,

pelo menos, sem utilizar os elementos postos, por ela, à disponibilidade do estudioso, qualquer debate é alheio ao Direito e à sua Ciência” (Da boa fé…, p.31).

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jurisprudencial), a problematização tópica e sistemática das questões centrais, os levantamentos estatísticos para indução empírica, a dialética juscomparativa, etc.

Grosso modo, porém, a investigação desenvolver-se-á, ao longo do tempo, segundo dois “movimentos metodológicos” distintos (que, no entanto, não serão estanques; comunicar-se-ão, necessariamente, no limiar de cada ascensão da curva espiral discursiva).

III. No que diz respeito à fase inicial de investigação, a metodologia pretende-se basicamente indutiva. Partir-se-á da observação casuística das aparentes inflexões no devido processo legal formal (tal como antecipamos nos tópicos 1.1, 1.2 e 1.3), notadamente em seara pretoriana (com ênfase no caso brasileiro), para buscar-lhes as feições, as origens e as condições, tanto na pesquisa histórica (Parte I, §§ 7º a 10º) como na contemplação da ruptura paradigmática da pós-modernidade (§ 11º), onde se agravou a sua incidência. Com os dados coligidos, compor-se-á um panorama descritivo suficientemente completo, após o que estará ultimado o objeto amostral sobre o qual incidirão, “ex post”, todas as atividades de racionalização e sistematização.

IV. Adiante, nos capítulos 2 e 3 da Parte I, a dialética compreensiva voltar-se-á para a assimilação teorético-conceitual, examinando as construções doutrinárias e jurisprudenciais mais proeminentes em torno do devido processo substantivo (“substantive due process”) e do devido processo formal (“procedural due process”). O recurso às expressões de língua inglesa demonstra, nesta fase, como serão particularmente valiosas as elucubrações do direito anglo-saxônico (especialmente o norte-americano) para a aquisição conceitual, o que se explica pelo grau de maturidade política a que os conteúdos do “due process of law” foram guindados naquelas culturas. A metodologia pretende-se sobretudo dedutiva: identificados os conceitos e os princípios maiores, descobrir-se-ão outros tantos conceitos e princípios, mais singulares, ensejadores das primeiras intelecções concretizadoras a estabelecer, nas diversas situações/relações jurídico-processuais (Parte III), a explicação racional-consensual das inflexões mais encontradiças. O capítulo 4 terá, nisso, um papel destacado, por perquirir

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os pontos de confluência sistemática entre o devido processo formal e o devido processo substantivo (que, ver-se-á, podem ser mais facilmente visualizados no contexto jurídico anglo-saxão que nos sistemas de tradição romano-germânica).

V. A Parte II pretende correlacionar, em todos os níveis relevantes, a teoria dos direitos fundamentais e a própria teoria do devido processo legal. Seguir-se-á, de perto, o mesmo traço metodológico da Parte I, mas em curva espiral superior.

O capítulo 1 enfatizará a observação metódica de escopo indutivo, catalogando perfis sociológicos nas magistraturas nacionais (especialmente a brasileira) e descrevendo novos paradigmas de atuação judiciária (o que inclui os recentes protótipos de Justiça Restaurativa e o próprio “modelo de Stuttgart”, já mais longevo). Outra vez, o dado estatístico terá sua importância.

No capítulo subsequente, retomar-se-á o processo compreensivo de assimilação teorético-conceitual (método dedutivo), focado nas interconexões entre a ideia de devido processo legal (substantivo/formal) e a teoria dos direitos fundamentais. Das concreções do devido processo formal, como emanações de um direito humano fundamental, chegar-se-á a um modelo de tutela mínima dos direitos fundamentais pela via do devido processo legal formal (= “Wesensgehaltgarantie”). O desdobramento dos conceitos e de suas respectivas aplicações permitirá ver como devido processo e jusfundamentalidade são, “in praxi”, construções indissociáveis.

Nessa vereda, tenciona-se produzir, com a síntese dialética das premissas engendradas por via indutiva e dedutiva, um modelo racional de decisão, de tipo permeável e inclusivo, apto a explicar satisfatoriamente as inflexões do devido processo formal hodierno, na mira do principal objetivo alvitrado alhures (supra, § 2º).

VI. A Parte III servirá, por seu turno, como contraprova bastante das aptidões compreensivas do modelo decisório semidefinido à altura. Tais aptidões pressupõem a capacidade de explorar as inflexões processuais legitimáveis (a saber, as que se justificam

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racional-consensualmente), expandindo-as para outros contextos, mesmo no silêncio das legislações nacionais.

Para tanto, as inflexões mais recorrentes em cada uma das principais situações/relações jurídico-processuais conhecidas serão apresentadas, à luz do modelo construído, com vista à aferição de sua legitimidade constitucional. Além disso, a par da explicação das inflexões já estabelecidas na prática forense, o modelo ainda será empregado para proporcionar ao operador jurídico outras configurações possíveis de inflexão do devido processo formal, nos diversos processos, consumando o propósito de viabilizar a (re)produção das inflexões em uma série casuística virtualmente ilimitada.

Entreabrem-se, nesse encalço, caminhos seguros para reponderar os pressupostos do “modelo de Stuttgart”, conectando a teoria dos poderes assistenciais com o princípio da cooperação processual e o direito fundamental à tutela judicial efetiva, de modo a inscrever a hipótese em um marco regulatório que previna arroubos de parcialidade judicial. E, da mesma forma, criar-se-ão condições teoréticas para a descoberta de um novo elenco de direitos processuais fundamentais constitucionalmente adscritos (ALEXY150), alguns já atinados pela doutrina recente, outros ainda insuspeitos (§33º). A depender de sua proficuidade, essa derradeira inferência talvez se confirme, ao cabo, como a maior contribuição pragmática desta Tese para o dia a dia dos processos judiciais.

VII. No que tange às designações de institutos e figuras hauridos de ordenamentos estrangeiros, haja vista a íntima ligação entre cada dogmática e a língua em que se exprime, preferiremos sempre lançá-las com o “nomen juris” original, sem traduções, quando não houver absoluta identidade de conceitos e/ou de regimes jurídicos151. Deste modo, o leitor

150 Theorie..., pp.57-63 (“Zugeordnete Grundrechtsnormen”). Tornaremos ao tema (infra, § 33º).

151 Façam-se nossas, aqui, as razões e advertências metodológicas de PAULA COSTA E SILVA, com

remissão a MENEZES CORDEIRO (Acto e processo…, pp.51-52). Como se lê àquela altura, “os sistemas

processuais diferem, não apenas nos nomes que dão às realidades sobre as quais operam, mas na conformação de cada uma dessas realidades. A colocação de um termo conhecido do sistema nacional para o referir a uma realidade processual que encontremos em sistemas estrangeiros importa grandes riscos de precisão. Para al’em de um catálogo próprio de actos, cada sistema constrói regimes particulares para cada figura que regula. E, na conformação do regime das diferentes figuras, o legislador terá sempre em atenção que legisla num dado sistema”.

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saberá sempre de qual instituto ou figura ― com seus respectivos conceitos e regimes ― vai-se concretamente arrancar.

Por fim, tenha-se em mente que, ao menos quanto à cláusula constitucional do devido processo legal, o texto utilizará indistintamente as expressões “direito fundamental” e “garantia fundamental”, a despeito das conhecidas demarcações conceituais feitas pela doutrina recente. E assim procederemos, em resumo, porque adiante caberá demonstrar que, do ponto de vista funcional, o devido processo legal desempenha ambos os papéis. As razões desse convencimento serão minudenciadas bem mais tarde, na Parte II desta Tese (§ 25º). Nada obstante, empregaremos, já a partir do §7º, a expressão “garantias processuais” para designar manifestações do gênio jurídico que remontem à ideia de devido processo legal formal.

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