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No campo específico das ciências sociais, a teoria dos sistemas tem importante papel a cumprir 160 e foi sobretudo desenvolvida por TALCOTT PARSONS 161 e NIKLAS

§ 5º PRESSUPOSTOS DE INVESTIGAÇÃO

III. No campo específico das ciências sociais, a teoria dos sistemas tem importante papel a cumprir 160 e foi sobretudo desenvolvida por TALCOTT PARSONS 161 e NIKLAS

LUHMANN162. O último fundou as bases do funcionalismo jurídico, descrevendo um sistema que reproduz a si mesmo, nos planos psíquico e social (“autopoiesis”), e assegura o seu reconhecimento (= legitimidade) pelos procedimentos formais que ele próprio instaura (“Legitimation durch Verfahren”).

Para LUHMANN, a complexidade do mundo deve ser traduzida em medidas que permitam aos sujeitos se orientarem pessoal e socialmente; isso só se obtém pela construção de sistemas inteligíveis (= com sentido). O sistema jurídico é apenas um deles; e a perspectiva sistêmica pressupõe, também aqui, fronteiras móveis (i.e., “sistematicamente relativas”) entre o sistema e o seu ambiente163. É que o Direito, enquanto elemento imprescindível da estrutura social, é sempre e ao mesmo tempo causa e efeito das metamorfoses nos diversos níveis de socialidade; dito de outro modo, “o direito é codeterminado pelo desenvolvimento social, e ao mesmo tempo é capaz de codeterminá- lo”164. Consequentemente, a totalidade das premissas (= referências de sentido) que atuam na sociedade, como estruturas, não pode ser reduzida a expectativas normativas ou ao Direito propriamente dito; ao revés, há que considerar todas as condições prévias de atribuição de sentido (= estruturas) ao sistema social e à sua relação mesma com o ambiente

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Cf., por todos, Bertalanffy, General System Theory: Foundations, Development, Applications, New York, George Brazilier, 1976, pp.194-197 (original em inglês). Ver também Teoria Geral dos Sistemas, passim (supra, nota n. 152).

161 Cf., e.g., Talcott Parsons, Sociological theory and modern society, New York, Free Press, 1967, passim

(especialmente pp.139-165); do mesmo autor, “Interaction. Social interaction”, in Encyclopedia of the social

sciences, New York, Free Press, 1968, v. 7, pp.429-441; e em Parsons, Ackerman, “The concept…”, pp.19-

40. Segundo BÜLLESBACH, “o objectivo de Parsons é a apresentação de uma teoria geral dos sistemas

que possa constituir a base de todas as ciências sociais. Para esta teoria influíram os contributos de

Marshall, Pareto, Durkhein, Weber e Freud. Além disso, recebeu ainda elementos da etnologia (Radcliffe- Brown, Malinowski), da biologia (Spencer), das ciências naturais e, finalmente, do positivismo”

(Princípios…, p.420 ― g.n.), culminando em uma teoria sistêmica pautada pela uniformidade lógica, pela ausência de contradições intrassistemáticas, pela ideia de validade universal e pela interdependência entre partes e elementos, na qual se equilibram dinamicamente as exigências do sistema e as necessidades dos indivíduos.

162 Cf., entre outros, “Rechtssoziologie I” e “Rechtssoziologie II”, ambos de 1972, traduzidos no Brasil como

“Sociologia do Direito I” e “Sociologia do Direito II” (supra, nota n. 159).

163 Cf. Alfred Büllesbach, “Princípios de teoria dos sistemas”, in Introdução…, Kaufmann, Hassemer (org.),

pp.425-426. In verbis: “Para Luhmann, a diferença entre sistema e meio ambiente não é ontológica, ela não

divide toda a realidade em duas partes: aqui sistema, ali meio ambiente. É antes sistematicamente relativa (i.e., dependente do sistema), mas igualmente objectiva” (p.427).

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no qual se inscreve. O Direito é apenas um momento estrutural, entre tantos outros. E a ação social ― conforme ou desconforme ― deve ser pensada em um contexto sistêmico maior, no qual se reconheça que

“as condições de mudança social controlável não coincidem mais necessariamente com o sentido da ação, que deseja mudar a sociedade. Elas também não consistem mais de uma espécie de ius eminem: na intervenção modificando-se o direito para promover o bem comum. Elas residem, antes, no próprio sistema da sociedade. Suas estruturas não podem ser indeterminadamente construídas; elas precisam possibilitar o desencadeamento de mudanças estruturais através das quais o sistema se adapta a mudanças ambientais e torna-se capaz de reestruturar tensões internas. A estruturações do

sistema, sem as quais a positividade não teria qualquer função enquanto instituição, devem ser buscadas em tais elasticidades internas. Correspondentemente, as condições de compatibilidade estrutural do direito [com o sistema social geral] devem ser definidas mais abstratamente. Elas não residem mais apenas em uma concordância harmônica com as bases valorativas da sociedade, que por seu lado tornou-se desarmônica. O

direito é compatível na medida em que as condições de sua mudança possam ser compatibilizadas com as condições da mudança social (o que implica em que

também sejam integráveis as condições de não mudança)”165.

Em suma, o problema do Direito não se esgota na sua interpretação-aplicação ou mesmo na sua efetividade. Consiste, ainda, na investigação da compatibilidade estrutural entre o (sub)sistema jurídico e o seu ambiente de entorno, assim como das suas recíprocas interações166.

Anos mais tarde, na 2ª edição de seu “Metodenlehre”, LARENZ pontuou a crítica às teses de LUHMANN sobre a dogmática jurídica e, nesse encalço, terminou por complementar o sentido luhmanniano de diferenciação contínua do sistema jurídico, descrevendo com excelente aproximação a dinâmica de dupla mão que informa o

165 Idem, pp.124-125 (g.n.). Por “definição mais abstrata das condições de compatibilidade estrutural do

direito” deve-se entender, inclusive, a necessidade de as normas jurídicas serem tanto mais abstratas e

indefinidas, quanto maior a complexidade a se superar nos diversos níveis de socialidade (Alfred Büllesbach, Princípios…, p.427).

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processo de autocriação, heterocriação e recriação da ordem jurídica objetivo-positiva ― a que, inapelavelmente, a Ciência Jurídica deve estar sempre sensível. Para LARENZ,

“a dogmática jurídica afirmar-se-á a si própria e cumprirá a sua função quando e só quando conseguir, em medida crescente, desenvolver e aplicar formas de um pensamento orientado a valores ― como o tipo jurídico, o conceito jurídico funcionalmente pensado, o sistema “móvel” e “aberto” ― e métodos de um pensamento que

não só flui num sentido único, mas em sentido duplo

― métodos de “concretização” e “tipificação”, de

“analogia” e de “redução teleológica””167.

Eis a razão pela qual, no percurso da exposição, suceder-se-ão abordagens indutivas e dedutivas (cf., supra, o § 4º), ora no sentido da “conceptualização” (i.e., da construção de um modelo abstrato ideado a partir de levantamentos empíricos), ora no sentido da “concretização” (i.e., da operacionalização do modelo e da sua reforma ou afirmação conforme os resultados da aplicação casuística). E o que explicará, ademais, a possibilidade sociológica das teses que demonstraremos.

IV. Mas a teoria dos sistemas não se deteve nas plagas da Sociologia Jurídica.

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