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Por fim, especificamente quanto ao ato processual de citação (a respaldar, no processo moderno, a ideia do “acto trium personarum” e a própria garantia do

O “due process of law” na História e no Direito

§ 7º SOLUÇÃO PÚBLICA DE CONFLITOS E GARANTIAS PROCESSUAIS NA ANTIGUIDADE

III. Por fim, especificamente quanto ao ato processual de citação (a respaldar, no processo moderno, a ideia do “acto trium personarum” e a própria garantia do

contraditório), o modelo processual ático também subministra interessantes lições, indicativas de que já se pronunciava a percepção de que se tratava de uma efetiva garantia do réu. Pelo teor das orações judiciárias, como também pelos discursos forenses de

306 Enrico Paoli, “Processo Attico”, p.618. A “Eliea” ou tribunal dos heliastas era o máximo tribunal popular

ateniense, formado por cidadãos de todas as classes, sorteados entre os membros das diversas tribos com pelo menos trinta anos de idade e de plena posse de todos os seus direitos cívicos. Substituiu o “Areopago”, especulando-se que tenha sido criada por SÓLON no século VI a.C. Na tradição pública ática, o número “6.000” representava a unanimidade.

307 Guilherme Roman Borges, O Direito Constitutivo: Um resgate greco-clássico do Nóminon Éthos como

Eutaksía Nómini e Dikastikí Áskisis, Tese de Doutorado, São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2011, p.198. Cf. também Arnaldo Biscardi, “Diritto greco e scienza del diritto”, in Scritti di

diritto greco: a cura di Eva Cantarella e Alberto Maffi, Arnaldo Biscardi (org.), Milano, Giuffrè, 1999,

pp.150 e ss.; também Arnaldo Biscardi, “La ‘gnome dikaiotate’ et l’interprétation des lois dans la Grèce

ancienne”, in Scritti di diritto greco..., pp.89-90. BISCARDI foi orientando de ENRICO PAOLI em Florença,

152 DEMÓSTENES, pela obra remanescente de LÍSIAS e ANTIFONTE e até pelas sátiras dos comediógrafos, tem-se uma ideia aproximada de como se desenrolavam os atos processuais no modelo ático, e quais eram as formalidades exigidas para a validade e a continuidade de seu processo; tais fontes indicam que, já no nascedouro do processo ático, a citação era um ato processual fundamental. Providência inicial em toda e qualquer ação ordinária, fosse pública ou privada (exceção feita às ações penais públicas decorrentes de prisões em flagrante delito ou relativas a crimes notórios, quando o acusado podia ser conduzido preso à presença do magistrado), a citação tinha caráter eminentemente oral, sendo efetuada diretamente pelo autor contra o réu, na presença de testemunhas; e para tanto bastava uma única testemunha, sem a qual a citação não seria válida. Na comédia “As Vespas”, de ARISTÓFANES, isso bem se demonstra, quando se descreve a citação de FILOCLEONTE: “É mais um que vem, ao que parece, para citá-lo; veja, tens a tua testemunha!”. Pouco antes, certa padeira dizia:

“Como! Estás brincando comigo? Bem, quem quer que sejas, cito-te ante os comissários do mercado, para que me indenizes por perdas e danos. QUEROFONTE, que está aí, será minha testemunha”.

E, dirigindo-se à testemunha, o acusado objeta:

“E tu, QUEROFONTE, serás testemunha desta mulher amarelada, [...] precipitando-se desde uma rocha aos pés de EURÍPIDES?”

Tudo a revelar, portanto, que havia, para o ato citatório, uma formalidade “ad probationem tantum” que se reputava imprescindível para a validade do próprio ato e, consequentemente, de todo o processo.

Após a citação, as partes deveriam comparecer em juízo, não antes de cinco dias daquela providência. Nesse interregno, enquanto o réu preparava a sua defesa, o autor subministrava ao magistrado os fatos e fundamentos de sua pretensão, além de efetuar depósito prévio para garantir a cobertura de despesas e de um eventual ressarcimento ao “ex adverso”, caso perdesse a demanda. De acordo com escritos platônicos, todas as tarefas

153 relativas à instrução processual — nas quais se inseriam os procedimentos de citação — incumbiam a magistrados mais jovens, enquanto os julgamentos incumbiam aos grandes colegiados. Se o réu não fosse encontrado para a citação pessoal, essa última poderia ser substituída por uma citação ficta, realizada na casa do demandado, na presença de seus familiares ou mesmo de seus vizinhos, à semelhança das “citações com hora certa” do processo contemporâneo. Mas não se realizavam citações em dias festivos ou consagrados a divindades religiosas.

A citação, em qualquer de suas modalidades, gerava para o réu o dever de comparecer perante o juiz, juntamente com as testemunhas que possuísse. Ausentando-se, era considerado contumaz, o que importava em uma liminar condenação, a não ser que justificasse adequadamente a falta. Nesse particular, bem se vê que o processo ático era mais evoluído, no que diz com a sua instrumentalidade, que o processo romano das “legis actiones” (infra, tópico 7.3.2): no modelo ático, ausente o réu citado, o processo seguia seu curso até uma solução final, com consequências deletérias para o ausente; já no modelo romano mais primitivo, como veremos, o processo não teria início sem a presença de ambas as partes perante o pretor. Aviava-se, ainda que rudimentarmente, a noção de ônus processual.

Mas, se aquele comparecimento era entendido sobretudo como um dever público, já se divisava também algo de sua dimensão garantista (i.e., a sua percepção como direito do réu, ínsito às garantias de presença, contraditório e defesa), na medida em que havia salavaguardas institucionais da pólis para a comparência: quem impedisse um homem livre de se apresentar ao magistrado, como parte ou testemunha, sujeitava-se a punições; e, se a obstrução determinasse a ausência, o processo reputava-se nulo. A estrutura processual revelava, assim, o profundo zelo do pensamento grego com a preservação das liberdades e de todos os seus consectários, notadamente nas relações entre o cidadão e a pólis. Nas palavras de AZEVEDO,

“a um povo que primava pelo alto sentido emprestado às liberdades individuais, a necessidade de citação se impunha como condição primeira à continuidade do processo; se é verdade que existia a contumácia, também é certo que esta somente se verificava após a constatação efetiva do desinteresse do réu em se defender. [...] Em

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conclusão: embora estivesse o direito ático longe de possuir aquela objetividade e precisão próprias do direito honorário dos romanos, principalmente no que diz respeito à organização judiciária, não é possível relegá-lo a um plano que, via de regra, quase tangencia no total desconhecimento de suas instituições. [...] Consoante muito bem assinala Gaudemet, semelhanças aparentes, paralelismos, analogias ou meras coincidências, todo este conjunto [...] está a revelar que o pensamento grego exerceu, efetivamente, uma influência indiscutível nas doutrinas jurídicas e políticas de Roma, para não dizer de toda a Europa” 308.

Legado indelével, portanto. Se bem que muito menos festejado, decerto repercutiu fortemente nas concepções do processo judicial antigo.

7.3. SOLUÇÃO PÚBLICA DE CONFLITOS E GARANTIAS PROCESSUAIS NO DIREITO ROMANO

7.3.1. LEI DAS XII TÁBUAS. O PROCESSO PENAL ROMANO NOS TEMPOS DA REPÚBLICA

I. É sabido que o Direito Romano conheceu um período arcaico ou pré-clássico (da

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