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É sabido que o Direito Romano conheceu um período arcaico ou pré-clássico (da fundação 309 até finais do século II a.C 310 ), quando era ainda primitivo, destinado a uma

O “due process of law” na História e no Direito

§ 7º SOLUÇÃO PÚBLICA DE CONFLITOS E GARANTIAS PROCESSUAIS NA ANTIGUIDADE

I. É sabido que o Direito Romano conheceu um período arcaico ou pré-clássico (da fundação 309 até finais do século II a.C 310 ), quando era ainda primitivo, destinado a uma

sociedade rural e baseado na solidariedade clânica; um período clássico (de cerca de 150 a.C. a 284 d.C.311), quando se consolidou como sistema jurídico-objetivo coerente e racional, próprio de uma sociedade evoluída e individualista, e deu origem a um sistema

308

Cf. Luiz Carlos de Azevedo, O direito de ser citado: perfil histórico, São Paulo, Resenha Universitária/FIEO, 1980, pp.69-89 (especialmente pp.86-89). Já para o texto integral de ARISTÓFANES (em castelhano), v. Aristófanes, Las Avispas, [s.l.], Edición eBooket, 2012, in

http://pensamentosnomadas.files.wordpress.com/2012/04/04-as-vespas.pdf (acesso em 17.11.2012). O título

da comédia deve-se precisamente à apresentação dos numerosos juízes do tribunal ático caracterizados como

vespas, compondo o coro.

309 A origem lendária, associada às personagens RÔMULO e REMO, remonta a 753 a.C. (século VIII a.C.). 310 MOREIRA ALVES indica, como marco, a Lei Aebutia, de data incerta, entre 149 e 126 a.C. (Direito

Romano, v. I, p.02).

311 O dado cronológico é de JOHN GILISSEN. MOREIRA ALVES, porém, aponta, como marco, o término

155 científico correspondente; e um período pós-clássico ou romano-helênico (Baixo Império Romano, do século III d.C. até a morte de JUSTINIANO312), de um direito caracterizado pela atividade legiferante dos imperadores, pelo absolutismo imperial e pelos influxos do cristianismo313.

No direito arcaico, a organização política romana tinha fortes traços teocráticos, sendo provável que o rei, chefe militar, possuísse também o status de chefe religioso, cabendo ao seu colégio pontificial as atividades próprias de um conselho judicial. Há evidências históricas de que os tribunais judiciais, àquela altura, seguiam procedimentos ditados ou inspirados pelo direito religioso. Somente com as reformas iniciadas com a proclamação da Lei das XII Tábuas e ultimadas em meados do século II a.C., a assistência pontificial na jurisdição civil e as sanções de fundo religioso na jurisdição penal foram definitivamente extintas314, convergindo-se progressivamente para um processo laico e racional. Daí porque, emblematicamente, iniciaremos o exame do processo romano com um breve olhar sobre a Lei das XII Tábuas.

O texto legislativo que se convencionou denominar como “Lei das XII Tábuas” data provavelmente de 451 a 449 a.C., ainda no período pré-clássico (considerando-se, como marco cronológico, a Lei Aebutia). Segundo MOMMSEN, “as crianças aprendiam de memória nas escolas as Doze Tábuas, tal como faziam os gregos com a Ilíada” 315; tem- se, com isso, uma boa ideia do papel formador que a ideia de direito imanente àquela lei teve para a sociedade romana pré-clássica. Conta-se que foi redigida por dez “decemviri” a pedido dos plebeus, que se queixavam das arbitrariedades então praticadas pelos magistrados patrícios316 , 317. Logo, de certo modo, teria sido forjada “ab ovo” com o

312 A morte de JUSTINIANO deu-se em 565 d.C. Na verdade, paralelamente à tripartição do Direito Romano

em antigo, clássico e pós-clássico, dá-se o nome de direito justinianeu àquele vigente na época em que reinou JUSTINIANO, de 527 a 565 d.C. (Moreira Alves, Direito Romano, v. I, p.02).

313 John Gilissen, Introdução…, p.81.

314 Abel H. J. Greenidge, The Legal Procedure of Cicero’s Time, New York, Claredon Press/Oxford, 1901,

pp.08-09 (fac-símile da série “Elibron Classics Replica Edition”, Adamant Media Corporation, 2005).

315

Theodor Mommsen, Derecho penal romano, p.97.

316 John Gilissen, Introdução…, p.86. No mesmo sentido, MOREIRA ALVES: “A Lei das XII Tábuas

resultou da luta entre a plebe e o patriciado. […] Um dos objetivos dos plebeus era o de acabar com a incerteza do direito por meio da elaboração de um código, o que viria refrear o arbítrio dos magistrados patrícios contra a plebe” (Moreira Alves, Direito Romano, v. I, p.28). De fato, porém, a Lei das XII Tábuas não foi um “código”, no sentido moderno (John Gilissen, Introdução…, p.87).

156 propósito de servir como declaração de garantias para o cidadão plebeu. O texto teria sido gravado em doze tábuas ― donde o seu nome ― e afixado no fórum romano; ulteriormente, com a invasão dos gauleses (390 a.C.), teria sido destruído. Houve controvérsias quanto à sua real existência, quanto à sua origem e quanto à sua autenticidade318. Sua reconstituição atual ― que também é controvertida319 ― baseia-se em citações de CÍCERO e AULO GÉLIO e em comentários de LABEO e GAIO reunidos no Digesto320.

Tecnicamente, a Lei das XII Tábuas não foi mais que uma compilação escrita dos costumes romanos da época, sob a forma de fórmulas lapidares, destinada a resolver certos conflitos entre plebeus e patrícios. Para GILISSEN, revelou um estágio de evolução jurídica comparável ao de Atenas no tempo de DRÁCON e SÓLON321: aboliu a

317 Observe-se que o termo “magistrado”, em Roma, não tem a mesma acepção hodierna, amiúde restrita aos

órgãos do Poder Judiciário e/ou do Ministério Público. Como esclarece GILISSEN, “o magistrado romano é

um órgão da cidade [i.e., da administração], um titular do poder (potestas); difere assim do magistrado ateniense, que não é afinal senão um agente da assembleia. Os magistrados são em princípio designados por um ano; são geralmente em número de dois, por vezes numerosos. Entre eles, os cônsules, titulares do

imperium, dispõem do comando militar e do governo da cidade; presidem às assembléias, podem propor leis,

tiveram talvez no início um poder de jurisdição. Os pretores são sobretudo, mas não exclusivamente,

magistrados judiciais; organizam os processos, designam os juízes. Houve outros magistrados, tais como os

edis curuis, os tribunos, os questores, os censores; ao todo, no século III a.C., 28 magistrados, ajudados por

alguns auxiliares”. Hoje, ao contrário, “em numerosos países, o termo “magistrado” designa unicamente membros da lei judiciária que são chamados a julgar ou a requerer a aplicação da lei. Na baixa idade média e nos tempos modernos, o termo era muitas vezes utilizado para designar os administradores da cidade, por exemplo os escabinos” (Introdução…, p.82 ― g.n. ― e nota n. 23). Sobre os magistrados judiciais em

Roma ― que mais se aproximariam dos atuais magistrados ―, vide Moreira Alves, Direito Romano, v. I, pp.227-223. Vide ainda, supra, a nota n. 293.

318 O italiano ETTORE PAIS afirmou que o texto conhecido como “Lei das XII Tábuas” não seria um texto

legislativo produzido de uma só vez em meados do século V a.C., mas uma compilação oficial pautatina de primitivos costumes do povo romano, terminada nos fins do século IV a.C.; e, ainda assim, não autêntica, pois faz alusão ao “asse”, moeda romana que surgiu muito depois do século V. a.C. O francês LAMBERT foi além, sugerindo que o texto em questão seria uma coleção de brocardos jurídicos elaborada pelo jurisconsulto SEXTO ÉLIO PETO CATO, que foi cônsul romano no ano 198 a.C. (logo, século II a.C.) e escreveu uma obra célebre, intitulada “Tripertita”, sobre a própria Lei das XII Tábuas. Para o detalhamento comparativo dessas controvérsias, cf. Moreira Alves, Direito Romano, v. I, pp.30-32. Sobre a “Tripertita” de SEXTO ÉLIO ― que, segundo CÍCERO, estaria entre os “velhos intérpretes” (“veteres interpretes”) da lei decênvira (De Legibus, II, 23, 59) ―, cf. Greenidge, The Legal Procedure…, pp.27-28 (com a sugestiva glosa “the

beninnings of jurisprudence”).

319 Segundo MOREIRA ALVES, a reconstituição atual “se fez com base numa hipótese que parece pouco

fundamentada: sabemos que o jurisconsulto Gaio escreveu uma obra sobre a Lei das XII Tábuas e seis livros; conjectura-se, então, que cada um deles abrangia comentários a duas tábuas. É com base nisso que se estabelece a tábua a que deve pertencer cada um dos fragmentos conhecidos” (Direito Romano, v. I, p.29).

320 John Gilissen, Introdução…, p.86.

321 Aliás, pela tradição, não haveria nisso qualquer coincidência: “Em 454 a.C., segue para a Grécia uma

157 solidariedade clânico-familiar, mas ― ao contrário das leis draconianas (621 a.C.) ― preservou, dos tempos primitivos, a autoridade quase ilimitada do “pater familias”; reconheceu a igualdade jurídico-formal; proibiu as guerras privadas; reconheceu o direito de testar; tornou toda terra formalmente alienável322; e ― naquilo que aqui interessa mais de perto (três primeiras tábuas) ― instituiu um processo penal de bases seguras e regulou atos do procedimento civil323, 324.

II. Também se sabe que o processo civil romano é convencionalmente classificado

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