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Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955) pertencia à geração de Mali­ nowski, mas o seu contexto familiar não era cosmopolita e intelectual, e sim da clas­ se operária inglesa. Ele começou sua carreira acadêmica apenas como A.R. Brown. Levantando fundos com sua família, ele iniciou estudos de medicina em Oxford, mas foi incentivado por seus professores, especialmente Rivers, a mudar-se para Cam- bridge e estudar antropologia. Ele realizou trabalho de campo de 1906-1908, nas Ilhas Andaman, a leste da índia, e publicou um relatório de campo, muito bem rece­ bido, no estilo difusionista; em pouco tempo, porém, ele passaria a seguir uma linha

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teórica diferente. Pouco depois dessa publicação, Radcliffe-Brown leu a obra-prima de Durkheim, The Elementary Forms o f Religious Life. Ele então ministrou uma lon­ ga série de palestras sobre Durkheim em Oxford, e quando sua monografia, Anda- man Islanders, foi finalmente publicada em 1922, mais do que qualquer outra coisa ela parecia uma demonstração admirável de sociologia durkheimiana aplicada a ma­ teriais etnográficos.

Como Boas e Malinowski, Radcliffe-Brown passou os anos intermediários entre as duas grandes guerras conquistando adeptos e desenvolvendo instituições acadê­ micas dedicadas à nova antropologia. Diferentemente deles, porém, ele passou lon­ gos períodos de sua vida profissional como nômade acadêmico, desenvolvendo e aperfeiçoando centros antropológicos importantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chi­ cago. Durante suas viagens ele form ou uma vasta rede internacional, a qual pos­ sibilitou que sua influência chegasse até a Inglaterra. Assim, quando finalmente voltou a Oxford para assumir a cátedra de Antropologia Social em 1937, ele foi recepcio­ nado como um exilado, não como um forasteiro. Quando Malinowski partiu para os Estados Unidos no ano seguinte, Radcliffe-Brown rapidamente assumiu a liderança e se tom ou a figura de maior destaque na antropologia britânica. Vários dos princi­ pais antropólogos “raddiffe-brownianos”, inclusive Evans-Pritchard e Fortes (capí­ tulo 4), haviam inicialmente sido alunos de Malinowski, e ficaram felizes com a vol­ ta do mestre da abstração teórica há tanto tempo distante. A antropologia inglesa do período entre as duas grandes guerras passou assim por duas fases: primeiro, um pe­ ríodo dominado pela etnografia detalhada com ênfase regional no Pacífico, depois, um período voltado para a análise estrutural durkheimiana, com ênfase na África.

Radcliffe-Brown foi seguidor de Durkheim ao considerar o indivíduo principal­ mente como produto da sociedade. Enquanto Malinowski preparava seus alunos para irem a campo e procurarem as motivações humanas e a lógica da ação, Radclif­ fe-Brown pedia aos seus que descobrissem princípios estruturais abstratos e meca­ nismos de integração social. Embora o contraste seja freqüentemente exagerado nos relatos históricos, às vezes o resultado foram estilos de pesquisa consideravelmente diferentes.

Os “mecanismos” que Radcliffe-Brown esperava identificar eram de origem durkheimiana, análogos talvez às representações coletivas de Durkheim, Mas Radclif­ fe-Brown alimentava esperanças explícitas de transformar a antropologia num a ciên­ cia “real”, um objetivo que provavelmente não fazia parte dos planos de Durkheim. Em A Natural Science ofSociety, seu último livro (baseado numa série de palestras proferidas em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957), ele explica a natureza dessa esperança. A sociedade se m antém coesa por força de um a estru­

tura de regras jurídicas, estatutos sociais e normas morais que circunscrevem e regu­ lam o comportamento. Na obra de Radcliffe-Brown a estrutura social existe indepeu- dentemente dos atores individuais que a reproduzem. Ás pessoas reais e suas rela­ ções são meras agenciações da estrutura, e o objetivo último do antropólogo é desco­ brir sob o verniz de situações empiricamente existentes os princípios que regem essa estrutura. Esse modelo formar, com suas unidades nitidamente definidas e logica­ mente relacionadas, demonstra claramente a intenção “científica” do mestre.

A estrutura social pode ser ainda mais desdobrada em instituições discretas ou subsistemas, como os sistemas para distribuição e transmissão da terra, para a solu­ ção de conflitos, para a socialização, para a divisão do trabalho na família, etc. - os quais contribuem todos para a manutenção da estrutura social como um todo. De acordo com Radcliffe-Brown, essa é a função e a causa da existência desses sistemas. Temos aqui um problema. Radcliffe-Brown parece afirmar que as instituições exis­ tem porque elas mantêm o todo social; isto é, que sua função é também sua causa, A relação de causa e efeito se toma vaga e ambígua, e esse raciocínio “tautológico” ou “para trás” é em geral visto com restrições nas explicações científicas. Essa crítica, porém, se aplica igualmente a todas as fonnas de funcionalismo, inclusive, mas não limitada, à variação de Radcliffe-Brown sobre o tema.

Esses problemas poderiam ter preocupado os estrutural-funcionalistas, ansiosos que estavam por ser considerados cientistas genuínos, mas isso não aconteceu. A ar­ ticulação feita por Radcliffe-Brown entre teoria social durkheimiana e materiais et­ nográficos e suas ambições no interesse da disciplina geraram um programa de pes­ quisa novo e atraente a que afluíram pesquisadores talentosos, fato que por sua vez aumentou o prestígio da teoria. Desde Morgan os antropólogos estavam conscien­ tes de que o parentesco era uma chave para compreender a organização social em sociedades de pequena escala. O que ainda não estava muito claro era o que essa cha­ ve abria. O uso durkheimiano, por parte de Radcliffe-Brown, da antiga idéia de Mai- ne do parentesco como sistema “jurídico” de normas e regras tornou possível explo­ rar cabalmente o potencial analítico do parentesco. Um sistema de parentesco era fa­ cilmente compreendido como uma constituição não escrita de interação social, um conjunto de regras para a distribuição de direitos e deveres. O parentesco, em outras palavras, era novamente uma instituição fundamental, agora como motor (ou cora­ ção, para usar as analogias biológicas preferidas de Durkheim) de uma entidade au­ to-sustentável e integrada organicamente, e todavia abstrata, chamada estrutura so­ cial (um termo que, a propósito, foi usado pela primeira vez por Spencer).

Com essa chave na mão, os estrutural-funcionalistas passaram a estudar outras instituições em sociedades prim itivas: p o lítica, econom ia, relig ião, adaptação

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ecológica, etc. Era de especial im portância para esses pesquisadores que (^paren­ tesco fosse visto funcionar com o um a estrutura para a eriaçãcrde grupos ou corpo­ rações nessas sociedades. Os grupos poderiam ter direitos coletivos para a posse, por exem plo, de terras ou anim ais; poderiam exigir lealdade em caso de guerra; po ­ deriam resolver conflitos ou organizar casam entos. Foram esses grupos e suas d i­ nâm icas que os estrutural-funcionalistas com eçaram a estudar, não o que Boas teria chamado de “cultura” . O próprio R adcliffe-B row n não sim patizava particularm en­ te com a palavra “cultura” . Para ele, a questão central não era o que os nativos p e n ­ savam, aquilo em que acreditavam , com o ganhavam a vida ou com o haviam chega­ do a ser o que eram , m as sim com o sua sociedade era integrada, as “forças” que a m antinham coesa com o um todo.

R adcliffe-Brow n criticava severam ente a “história conjetural” dos evolucionis- tas. N a visão dele, arranjos contem porâneos existiam porque eram funcionais no pre­ sente. certam ente não como “sobreviventes” de épocas passadas. Eles faziam sentido no presente ou então não tinham sentido nenhum . Ele tam bém escarnecia das recons­ truções freqüentem ente fantasiosas apresentadas por historiadores culturais e difu- sionistas. Onde não existiam evidências não havia motivo para especular. Aqui M a-

inowski e Radcliffe-Brown concordavam perfeitamente.

M alinowski e R adcliffe-B row n fundaram duas “ linhagens” na antropologia in­ glesa; as duas com petiam diretam ente em alguns aspectos e com plem entarm ente era outros, Com a consolidação dessas escolas pouco antes da II G uerra M undial, a m tropologia social inglesa estava bem encam inhada para se tornar um cam po aca­ dém ico consolidado (alguns diriam um a “ciência”). As “ linhagens” não eram total­ m ente endógam as. A antropologia social inglesa era u m a pequena tribo onde todos se conheciam . A tribo era form ada por dois grupos distintos: um centrado em O xford, onde E vans-Pritchard já estava estabelecido quando R adcliffe-B row n vol­ tou de C hicago em 1937; o outro sediado na London School ofE co n o m ics, o b alu­ arte de M alinow ski, Seligm an e, na geração seguinte, de R aym ond Firth. Q uase to­ dos os antropólogos sociais form ados no período entre as duas grandes guerras es­ tavam ligados a um desses centros. (Em Cam bridge, o ancient régime ainda vigora­ va.) Com o R adcliffe-B row n e M alinow ski raram ente estavam no país ao m esm o tem po, m uitos estudantes conheciam os dois e freqüentavam suas palestras. A m aioria havia estudado prim eiro com M alinow ski, e alguns posteriorm ente se liga­ ram a R adcliffe-B row n. E ste últim o grupo incluía Evans-Pritchard, Fortes e M ax Gluckm an. Entre os que continuaram “m alinow skianos” em sua orientação esta­

vam Firth, A udrey R ichards, Edm und L each e Isaac Sehapera. Tanto M alinow ski tom o R adcliffe-B row n exerceram um a influência duradoura sobre a disciplina; os

métodos de campo de Malinowski foram avidamente adotados por membros do ou­ tro campo, e todos tiveram de Ievar em consideração os conceitos de estrutura e função e a conseqüente “ciência do parentesco” de Radcliffe-Brown durante pelo menos uma década depois de sua morte. Em 1954, o aluno de M alinowski Edmund Leach achou que devia declarar-se adepto do estrutural-funcionalismo (antes de passar a demolir esse paradigma impiedosamente).

Em tennos demográficos, a expansão da antropologia social foi lenta: antes da II Gueixa Mundial eram menos de 40 seus adeptos em toda a Grã-Bretanha. No entanto, a expansão institucional, tanto na metrópole como nas colônias, foi impressionante. O papel de Radcliffe-Brown não foi secundário nesse processo. Durante seu longo perío­ do “nomádico”, ele havia estabelecido departamentos de antropologia viáveis na Ci­ dade do Cabo, em Sydney, Délhi e Chicago. Durante sua estada na Cidade do Cabo (1920-1925), ele colaborou com um antigo aluno de Malinowski, Isaac Schapera, que mais tarde dirigiria o departamento local durante muitos anos. Enquanto permaneceu em Sydney, ele incentivou o estudo científico de línguas aborígenes e designou Sydney como base para os pesquisadores de campo ativos em toda a área do Pacífico. Em Chicago, de 1931 a 1937, ele contribuiu para a “europeização” de parte da antropo­ logia americana, inspirando, entre outras coisas, um estilo inovador de antropologia microssociológica que depois se tomou muito influente. Finalmente, na índia, o aluno de Radcliffe-Brown M.N. Srinivas foi fimdamental para a criação da antropologia so­ cial indiana como disciplina predominanteniente estrutural-funcionalista.

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