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Dois alunos de pós-graduação que receberam fundos através de um programa parsomano-kroeberiano conjunto em Harvard foram Clifford Geertz (1926-) e David M. Schneider (1918-1995). Ambos participaram de projetos interdisciplinares du­ rante o doutorado - Schneider realizando trabalho de campo em Yap, na Micronésia; Geertz em Java. Ambos endossaram na época a definição cognitiva de cultura, com Geertz, em sua obra inicial, distinguindo cuidadosamente entre duas “lógicas de inte­ gração”: a sociedade, ou a estrutura social, era integrada “causal-funcionalmente, en­ quanto a cultura, ou o reino simbólico, era integrada “lógico-sigrtificativamente”. Os dois subsistemas, dizia ele, fiel à “trégua” dos anos 1950, podiam em princípio ser estudados independentemente um do outro.

Nos anos 1960 Geertz e Schneider chegaram à condição de antropólogos simbó­ licos americanos mais importantes (com Turner, que então já estava nos Estados Unidos), com programas de pesquisa diametralmente opostos às concepções materi­ alistas dos alunos de Steward, como W olf e Sahlins (colega de Geertz e Schneider em Chicago durante algum tempo). Tanto Geertz como Schneider por fim viram a “divisão do trabalho” entre sociologia e antropologia como uma limitação, mas em vez de reconquistar o social eles expandiram o campo da cultura como um sistema simbólico. Eles passaram a promover uma idéia de cultura como um sistema inde­ pendente, auto-sustentável, que podia perfeitamente bem ser estudado sem levar em consideração condições sociais. Essa visão enfrentou oposição na Inglaterra, onde a idéia de que o significado podia ser estudado sem levar em conta a organização social parecia explicitamente absurda.

A obra mais conhecida de Schneider é American Kinship (1968), um estudo de termos de parentesco americanos baseado em dados de entrevistas coletados por seus alunos. O “Projeto de Parentesco Americano” foi resultado de uma colaboração en­ tre Firth e Schneider. Os dois antropólogos, que haviam passado um ano juntos na Universidade Stanford no final dos anos 1950, concordaram que seria importante es­ tender às sociedades modernas a tradição antropológica dos estudos sobre o paren­ tesco, e deram início a um projeto comparativo sobre o parentesco na classe média em Londres (Firth) e Chicago (Schneider). Embora o aspecto comparativo do projeto nunca fosse realizado e os dois estudos fossem publicados separadamente, o livro de Schneider se tomou mu marco das pesquisas do parentesco, em parte porque de­ monstrou que os estudos do parentesco em sociedades complexas eram possíveis e interessantes, e em parte porque fundamentalmente questionou o modo como os an­ tropólogos pensavam sobre o parentesco.

Depois da deserção de Evans-Pritchard os estudos do parentesco continuaram sen­ do o último baluarte do estrutural-funcionalismo, ainda não afetado pelo novo indivi­ dualismo metodológico. Então, em 1962, John Bames publicou o artigo crítico “Mo­ delos africanos nas Terras Altas da Nova Guiné” (reimpresso em Barnes 1990), que demonstrou conclusivamente que a teoria das linhagens segmentares, que havia sido aplicada com tanto sucesso na África, não podia ser transferida para o contexto da Nova Guiné sem distorcer seriamente os dados. O problema não eram os termos de pa­ rentesco em si. Era possível inteipretar o material da Nova Guiné do modo ortodoxo, mas essa interpretação se opunha à compreensão e às práticas nativas do parentesco.

O livro de Schneider definia uma posição semelhante, mas suas conclusões eram mais radicais. Enquanto Firth, em seu gabinete em Londres, havia catalogado um conjunto bastante padronizado de termos de parentesco, os informantes de Schneider eram solicitados a dar informações sobre todos os parentes com quem tinham algum tipo de relação parental. Esse procedimento possibilitou um a visão muito mais am ­ pla do parentesco; na verdade, ficou claro que o parentesco constituía todo um uni­ verso cultural, deutro do qual os informantes se movimentavam à vontade. Essa per­ cepção implicava que a idéia de parentesco como modelo de relações humanas com base biológica era defeituosa. Essa não era um a observação nova, mas, na versão de Schneider, uma cultura podia construir parentesco inteiramente do nada, sem nenhu­ ma referência a quaisquer laços sangíiíneos. Além disso, na “cultura do parentesco” cada termo derivava seu significado da rede semântica integrada da qual ele fazia parte e que era única para a cultura em questão. Isso significava que mesmo termos de parentesco básicos, como “pai”, teriam diferentes significados em diferentes cul­ turas de parentesco - o que abalava todo o projeto dos estudos de parentesco compa­ rativos que haviam sobrevivido desde Morgan.

A redefinição de parentesco de Schneider, passando de estrutura social a cultura, tem paralelos no trabalho de Geertz. A parceria de Geertz com Parsons em Harvard já foi mencionada. Porém, influências da sociologia européia, de Boas e da própria ecologia cultural de Steward também são visíveis. O trabalho inicial de Geertz abrangia uma ampla variedade de temas, desde ecologia (1963a) e economia (1963b) até religião (1960). Seu ffeqüentemente citado e eloqüente artigo sobre “descrição densa” (1964, reimpresso em Geertz 1973) define seu credo metodológico e susten­ ta, na mesma linha de Malinowslci e Boas, que os antropólogos devem procurar des­ crever o mundo do ponto de vista do nativo. Dos sociólogos europeus, Geertz conhe­ cia Durkheim e W eber, além de Alfred Schütz (1899-1959), um fenomenólogo so­ cial alemão que insistia num a abordagem interpretativa à ação. O impulso intelec­ tual decisivo na obra madura de Geertz, porém, é do filósofo francês Paul Ricoeur

6 . O P O D E R D O S SÍM BO LO S 127

(1913-), que havia afirmado que a sociedade (ou cultura) pode ser interpretada como um texto, com a aplicação dos métodos inteipretativos da hermenêutica desenvolvi­ dos especificamente para esse fim. A hermenêutica é um método de interpretação de texto que tem suas raízes na exegese medieval, especialmente na Bíblia, e que tem sido usado extensamente desde então por historiadores, teóricos literários e filóso­ fos. Muito resumidamente, ela parte do princípio de que um texto é simultaneamente um conjunto de partes individuais e um todo inteiriço, e que interpretar o texto é rea­ lizar um movimento pendular entre esses dois pólos. Quando Geertz introduziu essa noção na antropologia, ela parecia deixar clara a distinção entre individualismo m e­ tódico e coletivismo, uma vez que uma sociedade não pode ser compreendida sem le­ var em conta ambas as perspectivas.

Por outro lado, ela também parecia implicar que fenômenos sociais precisam ser “lidos”, não apenas pelo antropólogo, mas também pelos próprios membros da so­ ciedade. Em oposição aos antropólogos ingleses, que se concentravam no indivíduo como um ator (normativo ou estratégico), Geertz introduziu assim o indivíduo como leitor. Contra o pressuposto desses antropólogos de que a sociedade era constituída racionalmente e que o indivíduo podia participar dela através da atividade racional, Geertz preconizava a idéia de que muitas vezes o mundo é incompreensível e que o sujeito deve interpretar ativamente o que ele vê. Assim, no artigo “Religião como sistema cultural” (1966, reimpresso em Geertz 1973), ele defendeu que a religião não é principalmente um subsistema funcionalmente integrado de um todo social, mas um meio para que os indivíduos compreendam o mundo. Em 1973 os primeiros arti­ gos mais importantes de Geertz foram reunidos em The lnterpretation ofCultures, e sua reputação não deixou de crescer desde então. Durante a década de 1980 em parti - cular, ele era visto como uma espécie de pós-modernista avant la lettre, embora pare­ ça óbvio aos autores deste livro que essa é uma visão simplista, pelo menos em parte.

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