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Durante algumas décadas depois dos prolíficos anos 1860 e 1870, pouca coisa importante foi publicada no campo da antropologia. Também na sociologia a situa­ ção parece não ter sido m elhor—com a notável exceção da obra de Ferdinand Tõn- níes, Gemeinschaft und Gesellschaft {1887; Community andSociety, 1963), que pro­ punha uma dicotomia entre o tradicional e o moderno semelhante à de McLennan, embora com tom menos critico. Uma nova geração surgiu no decorrer desses anos. Muitos dos principais personagens analisados até aqui, entre os quais Marx, Morgan, Bachofen e Maine, estavam mortos. Na antropologia vemos a primeira instituciona­ lização da disciplina na Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos.(Tradições nacionais independentes começavam a se cristalizar e conjuntos distintos de ques­ tões eram formulados em cada um desses quatro países))Os alemães seguiram a lide­ rança de Bastian c dos lingüistas comparativos, cujoTsxito em deslindar a história das línguas indo-européias foi quase tão sensacional, em seu tempo, quanto o evolu- cionismo de Darwin. Eles elaboraram um programa de pesquisa para o estudo da pré-história humana que imitava a difusão e o movimento de línguas de modo muito próximo à forma como o evolucionismo imitava a biologia. Esse programa, o difusio- nismo, estudava a origem e a disseminação de traços culturais. O desafio lançado por esses historiadores concretos às histórias abstratas do evolucionismo fez com que o diíusionismo se tomasse uma inovação efetivamente radical em tomo da virada do século. Nos Estados Unidos e na Inglaterra o evolucionismo continuou predominan­ do, mas os estudiosos se especializavam cada vez mais, concentrando-se em sub- campos específicos, como parentesco, religião, magia ou justiça. Todos esses pro­ gramas de pesquisa, porém, passaram por dificuldades muito sérias por falta de da­ dos rigorosos e detalhados. Essa lacuna se tomara progressivamente mais evidente ao longo do século dezenove, e agora o consenso quase universal nesse campo refle­ tia a necessidade de mais e melhores dados. Já em 1857 antropólogos ingleses publi-

caram a primeira edição daquela que se tornaria a obra autorizada nos métodos de campo durante quase um século - Notes and Queries on Anthropology;, que na conti­ nuidade foi reeditada em quatro edições revistas e ainda mais detalhadas. Mas a ino­ vação metodológica que todos esperavam só chegou depois da consolidação de uma concepção radicalmente nova do trabalho de campo antropológico.

O último grande evolucionista vitoriano foi James George Frazer (1854-1941), um aluno de Tylor que se celebrizou muito além dos círculos antropológicos por sua obra-prima The Golden Bough; o livro teve sua primeira edição lançada em 1890, em dois volumes, mais tarde ampliados para ocupar doze tomos enormes. The Golden Bough é uma extensa ^investigação comparativa da história do mito, da religião e de outras “crenças exóticas”, com exemplos tirados de todas as partes do mundqi Como muitos evolucionistas, Frazer acreditava num modelo de evolução cultural em três etapas: um estágio “mágico” é seguido por um estágio “religioso” que dá lugar a um estágio “científico”. Esse esquema geral tem suas origens em Vico e é desenvolvido por Comte. Embora Frazer considerasse claramente os ritos mágicos como irracio­ nais e tivesse como pressuposto que os “primitivos” baseavam sua vida numa com­ preensão totalmente errônea da natureza, seu principal interesse era identificar pa­ drões e traços universais no pensamento mítico. Com algumas exceções notáveis (sendo Lévi-Strauss uma delas), os antropólogos modernos raramente consideram Frazer como alguém mais do que uma figura histórica. Sua influência, porém, foi maior fora da antropologia; dois dos seus admiradores mais entusiasmados foram o poeta T.S. Eliot e o psicólogo Sigmund Freud. No entanto, a fascinante e densa obra de Frazer não teve continuidade em pesquisas posteriores. Ela se ergue solitária, um monu­ mento imponente à insegura base empírica do evolucionismo vitoriano.

Outrq'empreendimento britânico na virada do século, menos observado na época e muito menos conhecido fora da antropologia, qual seja, a Expedição a Torres, orga­ nizada na Universidade de Cambridge cm 1898, com destino ao Estreito de Torres, entre a Austrália e a Nova Guiné, teve retrospectivamente repercussões mais amplas. A expedição foi planejada para coletar dados detalhados sobre a população tradicio­ nal das ilhas na área e incluía vários antropólogos - embora todos fossem especiali­ zados em outras disciplinas, pois a formação acadêmica em antropologia ainda era rara. Alfred C. Haddon (1855-1940) eraoriginalmentezoólogo, William H.R. Rivers (1864-1922), psicólogo, e Charles G. Seligman (1873-1940) era médico. Em con­ traste com o ideal individualista do trabalho de campo britânico posterior, a expedi­ ção a Torres foi um esforço coletivo em que especialistas de várias disciplinas explo­ raram diferentes aspectos da cultura local. No entanto, devido à alta qualidade e ao impressionante volume de dados coletados, muitos consideram esses antropólogos

2. Vitorianos, alemãese umfrancês 39 como os prim eiros pesquisadores de campo verdadeiros? “A antropologia social bri­ tânica nasceu com o trabalho de cam po realizado por eles”, escreve um com entador i Hynes 1999).

Haddon, colega de Frazer na Universidade de C am bridge, havia planejado a ex­ pedição a Tomes como um projeto de campo “ideal”, em que os participantes explo­ rariam todos os aspectos da vida nativa: etnografia, psicologia, linguística, antropo­ logia física e musicologia. Ele próprio seria responsável pelas áreas da sociologia, do folclore e da cultura material. Para Seligman, que m ais tarde se tornaria figura central no influente departam ento de antropologia na London School o f Econom ics (LSE), a expedição foi o início de um a carneira que, depois das atividades desenvolvidas na M elanésia e no Sri Lanka, culm inaria em vários estudos de campo im portantes no Sudão. Ele assim contribuiu decisivam ente para deslocar o foco da antropologia in­ glesa das ilhas do Pacífico (onde perm aneceu até anos adentro da década de 1920) para a Á frica (que em pouco tem po se tom aria um a m ina de ouro etnográfica). A obra mais im portante de Seligman baseada no Sudão, em co-autoria com sua mulher Brenda Seligm an (Seligman e Seligman, 1932) é ainda hoje considerada um clássico em seu campo.

Rivers foi o mem bro m ais estranho da expedição. Até sua m orte prem atura em 1922, ele era professor na Universidade de Cam bridge, onde investiu muito esforço para desenvolver um a antropologia psicológica, um projeto muito adiante do seu tempo para ter sucesso. Quase no fim da vida. Rivers foi influenciado pela psicologia de Sigmund Freud. Durante a expedição a Torres, ele se concentrou particularm ente nas capacidades mentais dos nativos e de modo especial no uso que faziam dos senti­ dos. Em 1908 publicou um a m onografia descritiva, The Todas, baseado em seu tra­ balho num a tribo no sul da índia; e, em 1914, The History> o f Melanesian Society’, uma obra com pleta que esboçava a imensa variação cultural da M elanésia e a expli­ cava como resultado de repetidas ondas de m igração, um a hipótese que ainda é acei­ ta, com as devidas m odificações, entre os arqueólogos atuais. Com essa obra, Rivers começou a se afastar do evolucionism o e a seguir na direção da nova escola do difu- Monismo, tema dos seus últimos trabalhos.

Difusionismo

Os difusionistas estudavam a distribuição geográfica e a m igração de traços cul- uraís e postulavam que culturas eram m osaicos de traços com várias origens e histó- "ias. As partes de um a cultura, portanto, não estão todas necessariam ente ligadas a um todo maior. Em contraste, a m aioria dosqvolucionistas sustentava que as socie­

reconheciam a existência de traços culturais isolados, não-funcionais (os sobreviven­ tes de Tylor) e, na prática, esses recebiam um a quantidade desproporcional de aten­ ção analítica (considerando que eram atípicos), um a vez que eram a chave para re­ construir as form as sociais do passado. M as quando a perspectiva evolucionista su­ cum biu, a idéia de sociedades com o todos coerentes tam bém ficou desacreditada (em bora se m antivesse forte na sociologia e logo reapareceria com força renovada na antropologia social inglesa). A gora todos os traços culturais eram “sobreviventes” potenciais. Os difusionistas ainda os usavam para reconstruir' o passado, m as “o p as­ sado” não era m ais um m ovim ento unilinear através de estágios bem definidos. A história cultura] era um a narrativa fragm entada de encontros culturais, m igrações e influências, cada instância da qual era única. N as prim eiras décadas do século vinte o difusionism o foi um a alternativa atraente para o evolucionism o, porque ele respeita­ va m ais os fatos da realidade e porque suas pretensões teóricas eram m ais m odestas.

O fato de que tecnologia e idéias podiam viajar não era um a descoberta nova. No século dezoito, filólogos alem ães haviam m ostrado que línguas européias e do norte da índia tinham origens comuns. Os arqueólogos haviam descoberto que a cerâm ica e outros artefatos haviam se difundido de centros culturais para as periferias. Os eu­ ropeus estavam cientes de que a religião dom inante do seu próprio continente tinha origens m édio-orientais. O que era novo com relação ao difusionism o antropológico era seu esforço com parativo sistem ático e sua ênfase no conhecim ento em pírico de­ talhado. Com o Rivers, m uitos difusionistas trabalhavam em regiões lim itadas, onde era possível dem onstrar convincentem ente que traços culturais específicos tinham um a história possível de identificar.

O difusionism o foi principalm ente um a especialização germ ânica, com centros nas grandes cidades-m useu de Berlim e V iena. Salvo R ivers,1 o difusionism o teve pouca influência direta sobre as antropologias inglesa e francesa (mas, com o vere­ m os, teve repercussões im portantes nos E stados U nidos),iCom o seus colegas de ou­ tros países, os antropólogos alem ães do século dezenove tendiam a concordar com algum tipo de estrutura evolucionista. M as com sua ênfase no singular e no local, e com o relativism o que observam os na obra de Bastían, a influência de H erder neutra­ lizou essa tendência, e quando o evolucionism o foi questionado na virada do século, essa tradição recebeu novo impulso. Estudiosos com o F riedrich R atzel (1844-1904), Fritz G raebner (1877-1934), Leo Frobenius (1873-1938) e W ilhelm Schm idt (1868- 1954) seguiram a orientação de Flerder (e Bastian), enfatizando a singularidade da herança cultural de cada povo. Eles sustentavam que a evolução cultural não era uni­ linear e que não havia um elo determ inista sim ples entre, digam os, a com plexidade tecnológica e a com plexidade em outras áreas. Um povo com um a tecnologia sim ­ ples poderia perfeitam ente bem ter um sistem a religioso altam ente sofisticado.

2. VITORIANOS, ALEMÃES E UM FRANCÊS 41

Os difusionistas tinham como objetivo realizar uma descrição completa da difusão de traços culturais dos tempos primitivos até hoje. Eles desenvolveram classificações complexas (às vezes, diga-se, bastante enigmáticas) de “círculos culturais” (Kulturkrei- sé) e acompanharam sua possível disseminação a partir de um centro original. Em cer­ tos casos, como nos estudos de Graebner sobre a Oceania, eles puderam identificar até sete sedimentos historicamente discretos ou Kulturkreise em cada sociedade.

Observe-se que o difusionismo não se desvinculou de suas bases evolucionistas da noite para o dia. A maioria dos difusionistas ainda acreditava que a mudança so­ cial geralmente levava ao progresso e a um aumento da “sofisticação”. O aspecto a que se opunham no que se refere ao evolucionismo vitoriano era seu caráter uni linear e determinista: a idéia, encontrada em Tylor e outros, de que todas as sociedades de­ vem passar por certos estágios que seriam mais ou menos semelhantes em todo o mundo. A visão de mundo difusionista era menos metódica do que isso e mais sensí­ vel à variação local.

Como veremos no próximo capítulo, tanto o evolucionismo como o difusio­ nismo foram totalmente superados pelas gerações seguintes de antropólogos so­ ciais e culturais. Mas p pesquisa difusionista foi em geral muito mais sofisticada do que antropólogos posteriores se dispuseram a admitir, e na área de língua ale­ mã, especialmente na Áustria, o programa da Kulturkreise continuou vigoroso até a década dc 1950.

O difusionismo foi também importante para os antropólogos do Leste Europeu, e principalmente para o grande grupo dei antropólogos russos que seguiram a orienta­ ção deMiklukho-Maklai. Três nomes de destaque foram Vladimir llich Jochelson (1855-1937), Vladimir Germanovich Bogoraz (1865-1936) eLev Yacovlevich Shtem- berg (1861-1927),) todos exilados na Sibéria Oriental por ordem do czar; ali aprovei­ taram a oportunidade para realizar um trabalho de campo prolongado entre os povos indígenas da região. Em tomo da virada do século, eles participaram de uma impor- tante expedição russo-americanajaos povos indígenas em tomo do! Estreito de Be- ring, organizada por um alemão-americano de nome Franz Boas./Esses pesquisado­ res eram de orientação difusionista, e de fato o difusionismo é ainda hoje uma teoria respeitável na Rússia, com longas tradições e elevados padrões analíticos e metodo­ lógicos! No Ocidente, o difusionismo sobrevive na tradição dos estudos do imperia- lismo, derivada em última análise de Marx e Lênin, mas que tomou a aparecer com nomes como “estudos da dependência”, “estudos do sistema global” e, mais recente­ mente, “estudos da globalização” (ver capítulos 7 e 9).. A influência marxista aqui acrescenta poder ao componente herderiano dos difusionistas, com um resultado mais potente e violento.

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