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A antropologia se via agora diante de desafios imediatos postos por seu próprio sucesso. “A Revolução”, como Radcliffe-Brown e M alinowski a denominaram, esti­ vera em andamento desde o início da década de 1920. Os fundamentos m etodológi­ cos, teóricos e institucionais da disciplina revigorada haviam sido lançados. Os pro­ gramas de pesquisa estavam definidos, os recursos assegurados, e as parcerias pro­ fissionais, as inimizades e as alianças estratégicas estavam estabelecidas. A tarefa agora consistia em m ostrar a viabilidade sustentável da disciplina. Era preciso for­ m ar alunos, editar revistas, encontrar editores para as monografias, organizar confe­ rências, entrar em contato com os meios de comunicação, convencer políticos e pla­ nejadores e - tarefa não menos importante - providenciar emprego para o número crescente de pesquisadores. Para alcançar esses objetivos a energia da revolução pre­ cisava ser disciplinada e canalizada para rotinas institucionais previsíveis. Na impor­ tante história da antropologia social inglesa de Adam Kuper (1996) o capítulo que trata desse período é intitulado “Do carisma à rotina” e muito ao modo como Weber poderia ter expresso: depois de um despertar carismático, a rotinização é inevitável, não obstante todo o esforço em contrário. Em antropologia esse período de consoli­ dação durou desde a década dc 1930 até o fim dos anos 1940. Na Inglaterra, Radclif­ fe-Brown e seus alunos assumiram a direção; nos Estados Unidos, Benedict, Mead, Kroeber e outros asseguraram a continuação do program a disperso de Boas, e na França a antropologia se m anteve vigorosa e criativa nessas décadas sob outros as­ pectos sombrios.

Como observamos acima, a nova antropologia teve um a identidade marginal desde o início. Os pais fundadores eram eles próprios “forasteiros”, e muitos dos seus sucessores desde então também foram, como Radcliffe-Brown, “pesquisadores glo­ bais”, nômades, que se m ovim entavam incansavelmente entre universidades e entre casas e sítios de pesquisa. Surpreendentemente, m uitos eram tam bém m arginais pes­ soalmente. Alguns eram de origem estrangeira, como Malinowski e Boas - ou Kroe­ ber, Sapir e Lowie, que também haviam nascido em países germânicos. Alguns vie­ ram das colônias, como Fortes, Gluckman e Schapera (da África do Sul), Firth (da Nova Zelândia) e Srinivas (da índia). Muitos, como Mauss. Sapir ou Alexander Gol- denweiser, eram judeus. Vários eram m ulheres numa época em que o trabalho acadê­

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mico ainda era domínio tipicamente masculino - Mead e Benedict são bem conheci­ das, mas as alunas de Malinowski, Audrey Richards (africanista importante) e Hor- tense Powdermaker (autora de um clássico sobre métodos de campo), pertenciam à mesma geração.

Diferentemente do evolucionismo do século dezenove, a antropologia do século vinte era também marginal no sentido de que colocava “estrangeiros despreziveis” em situação de igualdade com ocidentais de classe média. O método de campo holís- tico de Malinowski, o relativismo cultural de Boas e a busca de Radcliffe-Brown das leis universais da sociedade sugeriam que todas as sociedades, ou culturas, tinham o mesmo valor. O estudo “de baixo para cima” já havia se tomado a marca distintiva do trabalho de campo antropológico. Contrariamente às outras ciências sociais, que mui­ tas vezes trabalhavam com grandes grupos e populações agregadas, os antropólogos assumiam o ponto de vista das pessoas com quem trabalhavam e eram céticos com relação a decisões tomadas “de cima” por políticos e burocratas que não faziam idéia de como a vida era realmente na cena dos acontecimentos. Ao que parece, nove entre dez antropólogos eram politicamente radicais em um sentido ou outro. O próprio M auss era um socialista ativo, embora de orientação não-marxista. O ataque sistemá­ tico (e bem-sucedido) de Boas ao racismo acadêmico tornou-o impopular entre polí­ ticos e num determinado momento parece ter levado ao congelamento de fundos para novas contratações em Colômbia (Silvennan 1981: 161). Os livros de sua aluna Mar- garet Mead, comparando americanos de classe média com habitantes de ilhas do Pa­ cífico, tomaram-se best-sellers e influenciaram proiundamente o feminismo e o radi­ calismo cultural norte-americanos. E quando Malinowski era aplaudido de pé por platéias que se apinhavam para ouvir suas palestras sobre a vida nas Ilhas Trobriand, em sua tumê pelos Estados Unidos em 1926, a mensagem era clara: o potencial da antropologia para a critica cultural e a defesa dos povos nativos era considerável.

Tem sido dito que especialmente antropólogos ingleses se submetiam passiva­ mente à opressão de “povos nativos” na África, Ásia e Oceania e até que cooperavam ativamente com administrações coloniais em contrapartida de fundos para pesquisa (ver Asad 1973). Numa tentativa detalhadamente pesquisada para desvendar a ver­ dade dessa questão de uma vez por todas, Jack Goody (1995) conclui que as acusa­ ções são infundadas, e George Stocking (1995), importante historiador da antropolo­ gia, e também Kuper (1996), apoiam as conclusões de Goody. Eles mostram que vá­ rios antropólogos sociais eminentes criticavam explicitamente o colonialismo. Go­ ody demonstra ainda que o Colonial Office [Escritório/Ministério Colonial] e as vá­ rias administrações coloniais não subvencionavam e nem incentivavam de outras formas a pesquisa antropológica em áreas específicas ou entre grupos específicos.

Goody explica que as pesquisas de campo eram quase sempre financiadas por funda­ ções americanas. E verdade que uns poucos administradores coloniais receberam treinamento de Malinowski, de Radcliffe-Brown e de antropólogos de Cambridge, e existem alguns exemplos esparsos de pesquisas custeadas pelo Escritório Colonial. No geral, porém, os administradores coloniais eram indiferentes com relação aos an­ tropólogos e vice-versa (Stocking 1995: cap. 8; Kuper 1996: cap. 4).

No entanto, pode-se ainda dizer que os antropólogos britânicos tendiam a inte­ ressar-se por pesquisas que direta ou indiretamente legitimavam o projeto colonial. O interesse pela organização política na África, por exemplo, parece um aliado per­ feito para os administradores de um governo indireto (embora, novamente, existam poucas evidências de que essa pesquisa tenha sido levada a sério e aplicada). A quase total falta de interesse pela política e pela economia entre os alunos de Boas pode igualmente refletir o fato de que a organização social original dos índios norte-ameri­ canos fora perdida, na maioria dos casos; a cultura simbólica era tudo o que restava para os antropólogos estudarem. Sempre foi e continua sendo um fato que os projetos de pesquisa são elaborados em contextos históricos específicos e que eles próprios contêm as marcas desses contextos.

Talvez seja bastante fácil entender a posição marginal da antropologia. A disci­ plina recrutava um tipo particular de pessoa que podia desenvolver (ou pelo menos tolerar) um trabalho de campo prolongado sob condições desconfortáveis ou pouco atraentes. Desde a permanência de Malinowski entre os trobriandeses, esse era o nome do jogo. O próprio objeto da antropologia não era bem conhecido: sistemas de parentesco na África, redes de troca na Melanésia e danças rituais norte-americanas não pareciam fazer parte da ciência predominante.

Com todas essas tendências fragmentadoras e individualistas, é realmente im­ pressionante que a antropologia, no decorrer dos anos que estamos examinando ago­ ra, alcançasse uma posição acadêmica respeitável. O carisma se transformara em ro­ tina com sucesso. Veremos na seqüência como esses processos se desenvolveram nos principais paises.

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