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Filho de pais ju d eu s prósperos de classe m édia culta, Claude Lévi-Strauss (1908-) estudou Filosofia e Direito em Paris no início dos anos 1930 e participou do círculo intelectual em tomo do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Em 1935- 1939, ele trabalhou como professor na Universidade de São Paulo, Brasil, e realizou viagens de campo curtas a vários povos da região amazônica. Sendo judeu, ele tor­ nou a sair da França durante a II Guerra Mundial, e por intermédio de Métraux e Lo- wie, recebeu oferta de emprego da New School o f Social Research, em Nova York, onde permaneceu até 1945. Enquanto esteve em Nova York ele foi influenciado pela antropologia boasiana e conheceu o grande lingüista russo-americano Roman Jakob-

son (1896-1982), cuja lingüística estrutural se tornaria o principal sustentáculo do trabalho posterior de Lévi-Strauss. Ele concluiu o doutorado em Paris em 1947 e pu­ blicou sua dissertação em 1949, com o título Les Structures élémentaires de la pa­ rente (The Elementary Structures ofKinship, 1969). Esse livro revolucionaria os es­ tudos sobre o parentesco. Seis anos depois, Lévi-Strauss publicou uma narrativa de viagem antropológica até hoje insuperável, Tristes Tropiques (1955), um relato abrangente, bem escrito e complexo, tão repleto de passagens sugestivas e inquietan- tes que seria inútil resumi-lo aqui. Em seguida, decorridos outros três anos, veio a lume uma coleção de artigos, Anthropologie structurale (1958; StructuralÂnthro- pology, 1963a). Juntas, essas três obras consolidaram a reputação de Lévi-Strauss como um pensador extraordinário, com conhecimento etnográfico e teórico vasto, e delinearam o monumental trabalho de toda uma vida que seria desenvolvido ao lon­ go das quatro décadas seguintes.

Até esse momento Lévi-Strauss havia também consolidado o estruturalismo, a abordagem teórica que lhe dá notoriedade. O estruturalismo é uma teoria que procura apreender as qualidades gerais de sistemas significativos ou, em termos mais conhe­ cidos, presentes na própria obra de Lévi-Strauss, de sistemas de parentesco e de mi­ tos. Esses sistemas consistem em elementos, mas os elementos em si não são catego­ rias ou objetos delineados, mas relações. Um sistema de parentesco, por exemplo, é um sistema significativo, e assim consiste em relações, mais do que em posições (status). Um pai não é em si mesmo um pai, mas apenas em relação a seus filhos.

A idéia do significado como relação não era em si nova. Ela constituía um com­ ponente importante da linguística estrutural de Jakobson e também da lingüística se­ miótica criada por Ferdinand de Saussure antes da í Guerra Mundial. Em ambos o significado deriva da relação - o contraste ou a diferença - entre elementos lingüísti- cos (fonemas, palavras, signos). O significado relacional era também fundamental na cibernética - como Bateson gostava de dizer, significado é uma “diferença que faz diferença” (1972: 453). Finalmente, e mais importante, o significado relacional está implícito na análise que Mauss fez do presente. Aqui os objetos ficam carregados com o poder mágico das relações pelas quais eles transitam. É a troca que dá ao pre­ sente o significado que ele tem (ver Lévi-Strauss 1987a [1950]).

A vantagem de reduzir sistemas significativos a estruturas de contrastes é que o fluxo do tempo no interior do sistema está congelado. A língua viva é reduzida a uma grajnática estitiea. A expressão confusa do parentesco na prática é reduzida a uma estrutura lúcida, formal. De modo aproximado, a análise estruturalista consiste, pri­ meiro, em trazer essa estrutura à superfície; segundo, em deduzi r seus princípios sub­ jacentes - sua “lógica”; e, finalmente, em chegar a uma “lógica.das lógicas” univer­

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sal da comunicação humana. Não precisamos deter-nos aqui nos aspectos técnicos desse processo, mas esboçaremos brevemente como ele foi expresso em As estrutu­ ras elementares do parentesco.

A reputação do funcionalismo estrutural assentava-se em grande parte em suas análises dos sistemas de linhagem segmentária, que pareciam provar além de qual­ quer dúvida razoável o papel do parentesco como o princípio organizacional funda­ mental em sociedades tribais. A teoria da linhagem, por sua vez, pressupunha uma ênfase especial às relações de parentesco linear (avô-pai-filho), enquanto as relações laterais (marido-mulher, irmão-irmão) eram freqüentemente subestimadas. As estru­ turas elementares do parentesco desordenou tudo isso. Na visão de Lévi-Strauss o parentesco não era principalmente um modo de organização social, mas um sistema significativo, um sistema de relações, e a principal relação não era o laço “natural” de sangue (pai-filho), mas o laço construído socialmente entre marido e mulher. O casa­ mento é o ponto de indeterminaçâo no parentesco biológico - você não pode escolher seus pais, mas deve escolher seu cônjuge. Para Lévi-Strauss essa escolha é a fissura pela qual a cultura penetra no parentesco, transformando a sociedade tribal de biolo­ gia em cultura.

Evidentemente, a integridade dessa escolha deve ser salvaguardada. Ela não deve parecer como determinada pela natureza. Você não deve casar-se com seu ir­ mão ou irmã; eles são “próximos demais”, “naturais demais”, seria algo muito pare­ cido a você se casar com você mesmo. Não adiantaria nada “escancarar” o seu mun­ do, dar-lhe significado relacionando-o com alguma outra coisa.

No casamento, como praticado em sociedades tribais, as mulheres são trocadas entre grupos de homens, formando-se entre esses grupos uma relação significativa- uma relação de parentesco lateral que Lévi-Strauss chama de aliança. Daí é deduzi­ da a lógica do parentesco - ou seja, das relações de parentesco laterais, não das linea­ res. O resultado é uma teoria diametralmente oposta à teoria da linhagem que põe a aliança acima da descendência, o contraste acima da continuidade, a arbitragem aci­ ma das normas, o significado acima da organização. Numa carta bastante animada escrita perto do fim de sua vida Radciiffe-Brown disse ao francês que eles provavel­ mente sempre falariam sem se entender. Não obstante, Lévi-Strauss expressa mais respeito por Radciiffe-Brow n do que por M alinow ski, “para quem cultura é me­ ram ente uma gigantesca metáfora para digestão” (Lévi-Strauss 1985). Radciiffe- Brown e Lévi-Strauss tiveram um interesse comum em revelar as estruturas ocultas que regiam o pensamento e a vida social e um antepassado comum em Durkheim. E embora pertencessem a segmentos muito diferentes em sua linhagem, “o sangue [para dar a última palavra a Radciiffe-Brown] é mais espesso do que a água”.

Os demais escritos de Lévi-Strauss são difíceis de resumir. Seus livros são lon­ gos, eruditos, repletos de fatos e interligados por alguma forma de pensar muito so­ fisticada e às vezes muito técnica. Assim, Le Totémisme aujourd ’hui (1961; Totemism,

1963b) parece ser uma análise do conceito de totemismo (que é desacreditado), mas é também (entre outras coisas) uma crítica muito ambígua da oposição ocidental entre natureza e cultura. La Pensée sauvage (1962; The Savage Mind, 1966) analisa uma di­ cotomia bastante padronizada, “primitivo” versus “moderno”, reminiscente de Dürkheim, Weber ou Tönnies, mas começa com um inventário do conhecimento detalhado que os “primitivos” têm do seu ambiente natural e term ina com uma crítica à teoria da histó­ ria defendida por Sartre. No primeiro capítulo desse livro, “A ciência do concreto”, Lévi-Strauss estabelece a base do pensamento “selvagem” ou “mítico” (em contraste com o “moderno” ou “científico”). Ambos são igualmente complexos e igualmente racio­ nais, mas suas racionalidades governantes são diferentes. O bricoleur começa com o mundo que é diretamente acessível aos seus sentidos. Ele relaciona uns aos outros os ob­ jetos encontrados nesse mundo, e a partir deles constrói estruturas de significado, que então são narradas, por exemplo, como mitos. Assim, ele cria estrutura a partir dos eventos. O engenheiro, ao contrário, cria eventos a partir de estruturas. Ele começa com uma matriz, uma abstração que os sentidos não podem perceber, e através da manipulação dessa matriz ele muda o mundo real.

The Savage Mind assinala a transição de Lévi-Strauss do “período do parentes­ co” ao seu “periodo da mitologia” . A obra mais notável desse último período é Mythologiques, uma compilação vasta, em quatro volumes - e análise do mito nati­ vo americano, publicada entre 1967 e 1974. A pura e simples complexidade dessa obra limitou sua influência, do mesmo modo que a (relativa) simplicidade de The Sa­ vage Mind a tomou extremamente popular.

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