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A família na visão sistêmica

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 36-39)

Fátima Abad Sanchez

Tudo está em relação com tudo, nada está iso‑ lado e os seres coexis‑ tem com todos os ou‑ tros seres do uni verso.

Até então, segundo Von Foerster (1996), a cibernética como modelo de ciência da in- terdisciplinaridade e da transdiciplinaridade ocupou -se basicamente dos estudos de cir- cularidade, retoalimentação e autorreferên- cia em sistemas biológicos e sociais. Matura- na e Varela (1995, p. 110) já descreviam esse movimento como mecanismos relacionais e como a criação de uma nova ciência da mente, de funcionamento da cognição e da comunicação: “a in- teligência deixou de ser a capacidade de resolver um proble- ma para ser a capaci- dade de ingressar em um mundo compar- tilhado”.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento da terapia sistêmica passou de uma aborda- gem conceitual de modelos cognitivos e cons- trutivistas para uma posição mais hermenêu- tica e interpretativa, que enfatiza “significados” como criados e experimentados por indivídu- os em conservação entre si. A antropologia cultural, semiótica, e por isso interpretativa como base epistemológica das ações terapêu- ticas de construção social, está inserida nesse contexto do pensamento científico pós- -moderno, constituindo os elementos essen- ciais que são as ideias, as abstrações e os com- portamentos que geram os componentes da cultura, como o conhecimento, as crenças, os valores, as normas e os símbolos (Laraia, 1992).

Nessa perspectiva, as ideias no campo sistêmico transformaram -se e passam a ser entendidas no discurso, na linguagem e na conversação, alojando -se nos domínios da se- mântica e da narrativa. Com base nessa nova concepção, Maturana (1991) propõe que a linguagem seja constitutiva do ser humano, pois cria o mundo e o sujeito desse mundo a partir de um domínio cooperativo que vai de interações até referenciais compartilhados. Andersen (1990) afirma enfaticamente que a ação humana se dá pela construção social e do diálogo. Além disso, os seres humanos vivem e compreendem seu viver por meio de narrati-

vas socialmente construídas que dão signifi- cado às suas experiências.

Referenciando o conceito de hermenêu- tica, Andersen (1990) mobiliza os filósofos Martin Heidegger e Hans Georg Gadamer, lembrando que o ser humano desenvolve -se em uma constante busca de significados que influencia a maneira como se relaciona com o meio. Dessa relação criativa entre meio e sis- tema é que emerge o social, descrito por Ma- turana (2009) como o domínio de condutas relacionais que dá forma a uma das mais re- volucionárias teorias do século XX – a auto- poiese – que é a capacidade do ser humano de organizar e participar de sua própria criação, sendo o seu objetivo conhecer mecanismos vitais. Segundo essa teoria, a conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema au- tônomo, está constantemente se autoprodu- zindo, autorregulando -se e sempre mantendo interações com o meio. A proposta da teoria autopoiética parte da observação de determi- nado objeto pela interação de seus elementos, possibilitando uma circularidade essencial na natureza dos sistemas vivos, que são rigorosa- mente interconectados e mutuamente inter- dependentes.

A teoria sistêmica expande a visão de adaptação individual para a mutualidade de influências através dos processos transacio- nais. Walsh (1996) já propunha o estudo de processos -chave da resiliência em famílias. A resiliência abrange processos que explicam a capacidade de superação de crises e adversi- dades em indivíduos, grupos e organizações (Yunes e Szymanski, 2001). Para Barreto (2007), as crises, os sofrimentos e as vitórias de cada um devem ser utilizados como matéria -prima em um trabalho de criação gradual de consciência social para que os sis- temas descubram as implicações sociais e transformem o sofrimento em competências, identificando tanto as forças quanto as capa- cidades dos indivíduos, das famílias e das co- munidades na solução de seus problemas. A resiliência vem sendo bastante discutida do ponto de vista teórico e metodológico pela

“A inteligência deixou de ser a capacidade de resolver um proble‑ ma para ser a capaci‑ dade de ingressar em um mundo comparti‑ lhado”.

comunidade científica, que fundamenta a sua proposta de abordagem denominada funcio- namento familiar efetivo, organizando um panorama conceitual referente aos seguintes domínios: sistema de crenças da família, pa- drões de organização e processos de comuni- cação.

FuncIonAmEnTo FAmIlIAR

Por volta do século XV, segundo Sluzki (l997), o significado de família ampliou -se, abran-

gendo todos os mem- bros da casa e favore- cendo vínculos de proteção e lealdade, imersos em redes múltiplas, complexas e em evolução, in- cluindo todas as rela- ções do indivíduo. O vínculo gerado nesse contexto proporciona a identidade, a história, o feedback social, o cui- dado com a saúde, a validação e a responsabi- lidade pelo outro. O sistema promove o pro- cesso de integração, o bem -estar e a consolidação dos potenciais de adaptação e mudança. Nessa trama íntima da família ou na rede social significativa é que as experiên- cias de perda e dor, alegria e amor, crescimen- to e criação, vivência e evolução organizam -se e ganham significado. A rede mantém intera- ções que reafirmam responsabilidades e pa- péis, neutralizam desvios de comportamento e favorecem a resolução de problemas.

Andolfi (1988) considera que todo grupo tem a sua verdade fundante; porém, quando ela é questionada, o grupo tende a se desorganizar, aumentando a tensão e amea- çando a coesão do sistema. Quanto mais coeso e integrado ele for, maior será o consenso, pois as premissas básicas compartilhadas é que garantem o sentimento de pertencimento grupal. Por outro lado, ao compartilhar, renuncia -se em parte ao exercício da curiosi- dade, ao risco de ser diferente, de transgredir e de não pertencer. Andolfi e colaboradores

(1989) observaram que esses movimentos muitas vezes se tornam estéreis, não permi- tindo o desenvolvimento e a diferenciação de cada membro. Os autores referem -se a esse processo, o qual engloba todo o sistema de crenças e regras, como construção de mitos. No mito, coexistem elementos de realidade e fantasias que juntos contribuem para a for- mação de uma realidade capaz de suprir de- terminadas necessidades do sistema. Esse sis- tema de crenças é mantido para a sua sobrevivência, mas deve ser permeável às mu- danças indispensáveis para a sua evolução.

Brazelton (1991) salienta que as reações das famílias às pressões externas diferem, em- bora sejam vistas como padrões consistentes. Esses padrões são definidos como universais e incluem confusão, regressão, reorganização e crescimento. Sanchez (2004) avaliou os meca- nismos de autorregulação de famílias com crianças com autismo nas dimensões de solu- ção de problemas, comunicação, funções e papéis, receptividade e envolvimento afetivo, controle comportamental e funcionamento geral da família, concluindo que, apesar da imutabilidade da condição da criança, o siste- ma familiar apresentou não só a habilidade de resolver problemas, como também a capaci- dade de manter um nível de funcionamento familiar efetivo, troca de informações, apoio, suporte para o desenvolvimento de cada membro, vivências emocionais apropriadas frente a uma variedade de estímulos, valoriza- ção dos membros familiares, controle com- portamental em situações de perigo social e emocional, assim como um funcionamento global flexível e saudável de todos os mem- bros, sendo capaz de abrir canais de comuni- cação.

Segundo Bateson (1980), a maneira como os indivíduos se comportam é determi- nada pelo sistema. O foco de atenção dirige -se para a rede relacional da pessoa. A comunica- ção e o comportamento, incluindo não só as palavras com suas configurações e seus signi- ficados, mas também seus concomitantes não verbais e a linguagem do corpo, afetam as in- terações de um sistema. Aceita -se que todo

O significado de família ampliou ‑se, abrangen‑ do todos os membros da casa e favorecendo vínculos de proteção e lealdade, incluindo to‑ das as relações do in‑ divíduo.

comportamento tem um valor de mensagem, e isso é comunicação. Atividade ou inativida- de, palavras ou silêncio, têm um valor de men- sagem e influenciam as pessoas, que são in- fluenciadas por tais comunicações. Maturana (1998) define a comunicação como conversa- ção, um modo especificamente humano de se relacionar, e com essas contribuições o olhar voltado ao sistema terapêutico familiar desen- volve alternativas, perspectivas e mudanças. Dessa forma, em toda a sua história, o homem sempre teve necessidade de dar respostas às suas inúmeras perguntas (Brun e Rapizo, 1991). Essas respostas são consequências da curiosidade humana, tornando -se necessárias e importantes para que o homem possa dar sentido à sua vida e, ao mesmo tempo, organi- zar as informações que recebe. Para alcançar e manter essa organização, ele seleciona aspec- tos da realidade, construindo a sua história.

Para Freedman (1996), a palavra histó­ ria tem diferentes associações e percepções. Como humanos, os seres são interpretativos e têm experiências diárias de eventos que ten- tam tornar significativos. As histórias são cria- das por meio da ligação de certos eventos em uma sequência particular através de um perí- odo de tempo e da busca por uma maneira de explicá -los ou fazer com que tenham sentido. Esse significado forma o enredo da história, enquanto a narrativa é o fio que tece os eventos, formando a história.

o VAloR dAs nARRATIVAs nA

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