• Nenhum resultado encontrado

sIsTEmA PAREnTAl

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 94-98)

As queixas de César em torno dos padrões de comunicação adotados no sistema conjugal estendem -se para a relação com seus filhos, re- velando o que deseja nesses relacionamentos:

“Eles (os filhos) têm que chegar comigo: olha eu quero assim, assim, assim, eu vou fazer isso o que tu acha? Dá pra fazer? Se tornava bonito né, mas eles vão com ela (com Naná), ela que tem que passar já pra mim as informa- ção.”

Ao falar de suas relações parentais, César demonstra insatisfação com todos os filhos, exceto com Osmar, com quem se identifica, visto que é uma pessoa que tem iniciativa e sabe expressar suas ideias. Ao descrever sua relação com Osmar, César reforça sua crítica à postura dos outros filhos:

“Nós se entende muito bem, o pensar dele é o mesmo do meu. Quando eu penso em fazer, eu digo: Osmar, vamo fazer tal coisa, vamo é isso que nós temo que fazer. Por exem- plo: trabalho, ir para o mato tirar uma tala, até na panhação de açaí, até numa viagem, eu digo para onde nós vamo? Ele diz olha vamo por aqui e já os outros não, eu pergunto, olha eu não sei tu, é que sabe, aí já não combina bem, eu acho eles diferentes de mim nesta parte, com o Osmar não.”

Alguns filhos, como Renan, Pedro, Diana e Tales revelam que se sentem distantes de César, mas, com exceção de Tales, não apre- sentam os motivos desse distanciamento. É possível que a ausência de justificativa deva -se em parte à aproximação com o estilo menos comunicativo de Naná, ou a uma consequên- cia do possível temor que sentem da figura paterna.

Ao justificar sua semelhança com Naná e a diferença de César, Tales diz que seu pai é uma pessoa que tem um gênio muito forte. Diante da observação de Tales, César argu-

menta, novamente em torno da postura dos filhos, em especial de Tales, que não emite suas opiniões quando é colocado diante de al- guma demanda. Ele se queixa que, ao pergun- tar o que pensa, Tales diz apenas “hum, hum!” e destaca o quanto este tipo de resposta o irri- ta: “Assim não dá, eu quero que o cara conver- se comigo, vamo ou não”.

Além de criticar Tales, César estende sua observação ao comportamento de outros membros da família e ratifica sua preferência pelo estilo comportamental de Osmar:

“O Pedro é a mesma coisa, eu não sei o que eles querem dizer com esse 'hum, hum', não dá. D’agora nós fomo tirar açaí ali, nós vamo por aqui pela beira, ou pelo centro, Igor disse não sei, e tu Naná? Não sei, Oh meu Deus, diga alguma coisa, tô pedindo opinião. O Osmar tem esta vantagem, se eu perguntar vamo por aqui, vamo, ou então não vamo por aqui, eu quero que a pessoa converse comigo, eles dizem que eu sou mais brabo por causa disso, mas eu tô pedindo opinião, tudo o que eu vou fazer eu peço opinião, agora só que nem todos me dão opinião, nem certo nem errado, é só o Osmar.”

Chama atenção o fato de que, mesmo diante dos pedidos de opinião de César aos seus filhos, estes se retraem e não emitem suas ideias. Parece que o temor que os filhos sen- tem diante do pai é maior do que o suposto desejo de se fazerem presentes em dada situa- ção. Esse retraimento dos filhos lembra as ca- racterísticas das relações parentais predomi- nantemente autoritárias descritas nos sistemas mais rígidos.

Ao falar do filho com quem menos man- tém um padrão de comunicação que julga sa- tisfatório, César destaca o modo de conversar de Renan. Contudo, ao analisar a fala de César, percebe -se que ele se refere muito mais ao conteúdo da fala de seu filho do que ao estilo de apresentação de suas ideias. Na verdade, tal como se percebe na fala de César, Renan pare- ce ter um estilo semelhante ao do pai, uma vez que emite suas opiniões com assertividade e precisão. César diz:

“Nem tudo o que ele fala eu aceito, nem tudo o que eu falo ele aceita, somo muito

amigo, mas não dá certo as opiniões. Pratica- mente todas as opiniões não dão certo, por exemplo, eu digo Renan vamo fazer tal coisa, ele diz não, não vai dar certo. Se for no traba- lho, se nós vamo pro mato, eu digo Renan o que tu achas vamo por aqui ou por aqui, olha eu não sei, por aqui é mais ruim, começa a botar dificuldade.”

Se, por um lado, o pai é considerado uma figura de poder, a quem os filhos pa- recem temer, a mãe é a mediadora, aquela que serve de canal de comunicação dos filhos com o pai, ou seja, a porta -voz do subsistema dos irmãos. Mesmo Naná sendo uma pessoa que mantém relações de proximidade com o sub- sistema dos irmãos, Ana a descreve como uma pessoa que faz muitas coisas boas, mas “quan- do se invoca dá muita porrada nos moleques”. Parece que a punição física ao tratar os filhos é uma característica presente inclusive nas re- lações de Naná, que serve como referência de afetividade no sistema com os filhos.

Os dados coletados sugerem que as re- lações familiares no grupo César/Naná são extremamente tradicionais, caracterizadas por uma forte hierarquia baseada no temor que se expressa, muitas vezes, através de puni- ções físicas e que constituem, segundo Pache- co, Silveira e Schneider (2008), uma das estra- tégias utilizadas pelos pais para ensinar seus filhos. Essas práticas podem provocar emo- ções intensas, como hostilidade, medo e an- siedade, interferindo na capacidade do indi- víduo para ajustar seu comportamento às situações.

Diante das observações feitas do sistema familiar César/Naná, pode -se observar que o gênero é um fator determinante na constitui- ção das rotinas e das relações estabelecidas na família. Desse modo,

as atividades de sub- sistência econômica são executadas quase exclusivamente pelos homens, assim como as tarefas diárias e atividades de cuida- dos físicos são execu- tadas pelas mulheres.

Em comunidades com características mais tradicionais, os ho‑ mens são provedores e chefes de família, en‑ quanto as mulheres são responsáveis pelo espaço doméstico e pela educação dos fi‑ lhos.

Esse padrão é observado em comunidades com características mais tradicionais, nas quais os homens são provedores e chefes de família, enquanto as mulheres são responsá- veis pelo espaço doméstico e pela educação dos filhos (Amâncio e Wall, 2006; Monteiro, 2001; Wagner et al., 2005).

Essa divisão de tarefas que segue pa- drões tradicionais pode ainda ser demonstra- da na rede de relações do casal. De acordo com o mapa de relações, César estabelece rela- cionamentos em todos os quadrantes analisa- dos, quais sejam: família, amizades, relações comunitárias e trabalho. Naná, por sua vez, relaciona -se apenas com os membros de sua família, o que pode ser considerado como

uma consequência de sua permanência no ambiente doméstico.

As percepções conjugais, os padrões de comunicação e as estratégias de resolução de conflitos também podem ser relacionados com as características do contexto cultural in- vestigado. Tal como nas sociedades tradicio- nais, no rio Araraiana é evidente a influência dos papéis de gêneros, que apresentam carac- terísticas extremamente distintas. Todavia, apesar da insatisfação que essa dinâmica possa gerar, não é suficiente para criar rompimentos dos laços familiares. Embora tenham uma visão crítica de César, a esposa e os filhos mantêm -se próximos do chefe da família, submetendo -se à sua orientação.

REFERêncIAs

Amâncio, L., & Wall, K. (2006). Família e papéis de gênero:

Alguns dados recentes do Family and Gender Survey (ISSP).

Working paper apresentado no Seminário Família e Género, Lisboa. Acessado em 25 mar, 2009, em http:// scholar.google.com.br.

Bateson, G. (1972). Steps to an ecology of mind. New York: Ballantine Books.

Berscheid, E. (1994). Interpersonal relationships. In L. W. Porter, & M. R. Rosenzweig (Eds.), Annual review of psy­

chology (pp. 79-129). Palo Alto: Annual Reviews.

Berscheid, E., & Reis, H. T. (1998). Attraction and close relationships. In D. T. Gilbert, S. T. Fiske, & G. Lindzey (Eds.), The handbook of social psychology (4. ed.). Nova York: McGraw -Hill.

Bott, E. (1976). Família e rede social. Rio de Janeiro: F. Alves. (Original publicado em 1957).

Bronfenbrenner, U. (1994). A ecologia do desenvolvimento

humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Ale-

gre: Artes Médicas. (Original publicado em 1979). Carter, B., & McGoldrick, M. (1995). As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma estrutura para a terapia fami-

liar. In B. Carter, & M. McGoldrick (Orgs.), As mudanças

no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas.

Cummings, E. M. (1991). Resolution and children’s responses to interadult anger. Developmental Psychology,

27, 462-470.

Cummings, E. M. (1994). Marital conflict and children’s functioning. Social Development, 3, 16-36.

Cummings, E. M., Zahn -Waxler, C., & Radke -Yarrow, M. (1984). Developmental changes in children’s reactions to anger in the home. Journal of Child Psychology and Psy­

chiatry, 25, 63-74.

Easterbrooks, M. A., Cummings, E. M., & Emde, R. N. (1994). Young children’s responses to constructive mari- tal disputes. Journal of Family Psychology, 8, 160-169. Erel, O., & Burman, B. (1995). Interrelatedness of marital relations and parent -child relations: A meta -analytic review. Psychological Bulletin, 118, 108-132.

Ferreira, E. A. P., & Mettel, T. P. L. (1999). Interação entre irmãos em situação de cuidados formais. Psicologia: Refle­

xão e Crítica, 12(1), 133-146.

Fletcher, G. J. O. (1999). Ideals in intimate relationships.

Journal of Personality and Social Psychology, 76, 72-89.

Questões para discussão

1. Como a visão sistêmica concebe a dinâmica observada nas famílias?

2. Como as percepções produzidas pelos membros de determinado grupo familiar influen‑ ciam a forma como se comunicam, estabelecem seus papéis e resolvem seus conflitos? 3. Como pode ser observada na família focal a influência do contexto cultural na dinâmica

das relações familiares?

4. Por que o gênero é um fator determinante na constituição das rotinas e das relações esta‑ belecidas na família em questão?

Geertz, C. (1966). Religion as a cultural system. In M. Banton (Org.), Anthropological approaches to religion. London: Tavistock.

Gottman, J. M. (1993). The roles of conflict engagement, escalation, and avoidance in marital interaction: A longi- tudinal view of five types of couples. Journal of Consulting

and Clinical Psychology, 61, 6-15.

Gottman, J. M. (1994). What predicts divorce? Hillsdale: Erlbaum.

Gottman, J. M. (1998). Psychology and the study of mari- tal processes. Annual Review of Psychology, 49, 169-197. Gottman, J., & Krokoff, L. (1989). Marital interaction and satisfaction: A longitudinal view. Journal of Consulting

and Clinical Psychology, 57, 47-52.

Grych, J. H., & Fincham, F. (1990). Marital conflict and children’s adjustment: A cognitive -contextual framework.

Psychological Bulletin, 108, 267-290.

Heavey, C. L., Shenk, J. L., & Christensen, A. (1994). Mar- ital conflict and divorce: A developmental family psychol- ogy perspective. In L. L’Abate (Org.), Handbook of devel­

opmental family psychology and psychopathology. New

York: Wiley & Sons.

Hinde, R. A. (1979). Towards understanding relationships. London: Academic.

Hinde, R. A. (1997). Relationships: A dialectical perspec­

tive. Sussex: Psychological.

Kreppner, K. (1995). Padrões comportamentais da famí- lia perante um segundo filho. In J. Gomes -Pedro, & M. F. Patrício (Orgs.), Bebé XXI: Criança e família na viragem

do século. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Lu, L., & Lin, YY. (1998). Family roles and happiness in adulthood. Personality and Individual Differences, 25, 195-207.

Mcgoldric, M., Gerson, R., & Shellenberger, S. (1999).

Genograms: Assessment and intervention. New York/Lon-

don: Norton & Company.

Mebert, C. J. (1991). Variability in the transition to par- enthood experience. In K. Pillener, & K. McCartney (Orgs.), Parent ­child relations throughout life. Hillsdale: Lawrence Erlbaum.

Minunchin, P. (1985). Families and individual develop- ment: Provocations from the field of family therapy. Child

Development, 56, 289-302.

Minuchin, S. (1990). Famílias: Funcionamento e trata­

mento. Porto Alegre: Artes Médicas.

Monteiro, A. M. (2001). Avanços no estudo da conjugali- dade: Os casais de dupla carreira. Psicologia: Ciência e

Profissão, 21(3), 10-19.

Nichols, M. P., & Schwartz, R. C. (1998). Terapia familiar:

Conceitos e métodos. Porto Alegre: Artmed.

Notarius, C., & Markman, H. J. (1993). We can work it out:

Making sense of marital conflict. New York: Putnam.

O’brien, M., Margolin, G., & John, R. (1995). Relation among marital conflict, child coping, and child adjust- ment. Journal of Clinical Child Psychology, 24, 346-361. Olson, D. H. (1988). Family types, family stress and fam- ily satisfaction: A family development perspective. In C. J. Falicov (Org.), Family transitions: Continuity and change

over the life cycle. New York: Guilford.

Pacheco, J. T. B., Silveira, L. M. O. B., & Schneider, A. M. A. (2008). Estilos e práticas educativas parentais: Análise da relação desses constructos sob a perspectiva dos adoles- centes. Psico, 39, 66-73.

Petzold, M. (1995). Aprender a ser pai. In J. Gomes -Pedro, & M. F. Patricio (Orgs.), Bebé XXI: Criança e família na

viragem do século. Lisboa: Fundação Calouste Gul-

benkian.

Pontes, F. A. R., & Magalhães, C. M. C. (2002). A estrutura da brincadeira e a regulação das relações. Psicologia: Teo­

ria e Pesquisa, 18, 213-219.

Silva, S. S. (2006). Estrutura e dinâmica das relações fami­

liares de uma comunidade ribeirinha da região amazônica.

Tese de doutorado não publicada, Universidade de Brasí- lia, Brasília.

Silva, Pontes, Santos, Maluschke, Mendes, Reis, Silva (2010). Rotinas familiares de ribeirinhos amazônicos: Uma possibilidade de investigação. Psicologia: Teoria e

Pesquisa, 26(2), 341-350.

Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica:

Alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicó-

logo.

Wagner, A. (2005). Compartilhar tarefas? Papéis e fun- ções de pai e mãe na família contemporânea. Psicologia:

InTRodução

A participação de idosos na população brasi- leira aumentou significativamente entre 1999 e 2009, movimento contrário ao que ocorreu com a população de até 19 anos. O número de idosos passou de 14,8 milhões em 1999 para 21,7 milhões em 2009. Esses dados fazem parte da Síntese de Indicadores Sociais 2010 e retrata a tendência de envelhecimento da po- pulação brasileira, segundo o Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse cenário, um fato que chama a atenção é que a longevidade humana e as mudanças sociais enfrentadas pela família têm propiciado a vi- vência do papel de avós e bisavós, além da convivência e da corresidência de três ou mais gerações. Além disso, é preciso destacar que a feminização da velhice (fenômeno em que a presença das mulheres na população idosa é superior à dos homens), se observada em um enfoque conjugal, revela que existem mais viú vas do que viúvos, pois, além da maior longevidade feminina, as mulheres costumam casar -se com homens mais velhos, que findam morrendo mais cedo. Por isso, muitas idosas responsáveis pelos domicílios vivem sem o cônjuge, mesmo que ainda morem com ou- tros parentes.

As relações mais importantes para as pessoas idosas geralmente são as dos cônju- ges, filhos, netos, irmãos, demais membros fa- miliares e amigos. Ocorre que, ao longo do

envelhecimento, há várias mudanças nas con- figurações, nas características e nos usos dessa rede social e de apoio. Tais modificações podem ser resultados da vivência de situações como aposentadoria, perdas (morte de fami- liares ou de amigos; perda de contato com amigos do trabalho), eventos familiares (saída dos filhos de casa), fatores materiais (baixas condições socioeconômicas); deterioração da saúde (física ou psicológica), migração (po- dendo ocasionar o distanciamento geográfico de parentes) e institucionalização.

Partindo dessas condições, percebe -se que são vários os aspectos que podem ser abordados acerca dos idosos no contexto da família. Devido à amplitude do tema, pretende -se neste capítulo discutir brevemen- te três situações e/ou desafios comumente vi- venciados por essa população: o exercício do papel de avós; a condição de viuvez; e o su- porte social familiar, abordando -se a relação entre "obrigação" de cuidar e expectativa de cuidado entre as gerações. Também, conside- ra -se importante apontar a pluralidade do conceito de família e a heterogeneidade do en- velhecer.

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 94-98)