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FocAlIzAndo A dIFEREnçA quE FAz dIFEREnçA

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 68-72)

Ao aplicarmos a metodologia batesoneana à articulação da abordagem sistêmica com a abordagem psicodinâmica, encontramos um processo de definição gradual de dois pontos de vista irredutíveis sobre a conjugalidade. No entanto, a crítica pós- -moderna relativizou os diversos discursos com pretensões fun- dacionais sobre a rea- lidade, revelando sua impossibilidade de verdade ontológica. O observador revela -se em suas teorias, mas também interage e realiza recortes epistemo- lógicos, “abduções” no sentido batesoneano,

descrevendo os diferentes níveis de sua inte- ração.

Conforme Morin (1996), o todo é mais e menos a soma das partes, assim como a parte é um todo que é mais e menos os sistemas de que faz parte. Assim, podemos afirmar que teorias sobre o sujeito são irredutíveis a teorias sobre a família ou sobre o casal, teorias sobre o casal são irredutíveis a teorias sobre o sujeito ou sobre a família e teorias sobre a família são irre- dutíveis a teorias sobre os sujeitos ou sobre o casal. Portanto, cada teoria não revela o funda- cional, a realidade definitiva a partir da qual todas as propriedades em todos os níveis podem ser deduzidas, mas campos de opera- ção que seriam marcados pelo processo inicial de abdução, no sentido batesoneano.

As deduções de um campo de recorte epistemológico (abdução) seriam inaplicáveis a outro campo complexo. Cabe, então, formu- lar a hipótese de que cada campo de comple- xidade hierarquizada apresenta processos de “antecipação” e “retrocipação” de complexi- dade, isto é, aspectos parciais das hipóteses orientadoras do olhar sobre casal podem ser antecipadas na situação clínica individual, assim como ao se olhar para o casal é possível antecipar aspectos parciais do funcionamento familiar. Inversamente, podem -se inferir al- guns aspectos do funcionamento do casal pela dinâmica familiar, como também se podem inferir aspectos dos sujeitos a partir do fun- cionamento do casal.

Elkaim (1998) fala da renúncia de uma epistemologia da verdade, enfatizando cons- truções nascidas da relação terapêutica. Le- maire (1988) ressalta a necessidade na clínica de se realizar uma tríplice leitura do intrapsi- quico, do sistêmico -relacional e do social. Por outro lado, Wilber (2008), em um projeto de crítica e articulação metametodológica, con- vida ao pensamento integral, no qual aspectos subjetivos e objetivos de qualquer fenômeno devem relacionar aspectos interobjetivos e in- tersubjetivos, reconhecendo a necessidade de múltiplas articulações entre níveis irredutíveis de cortes epistemológicos.

A aproximação da abordagem psicanalí- tica de casais com a abordagem sistêmica de

A crítica pós ‑moderna relativizou os diversos discursos com preten‑ sões fundacionais so‑ bre a realidade, reve‑ lando sua impossibili‑ dade de verdade onto‑ lógica.

casais revela ainda a diferença fundamen- tal de foco descritivo. Embora ambas discu- tam a conjugalidade, cada uma delas a des- creve a partir de prin- cípios diferentes. A abordagem psicanalí- tica de casais a descre- ve com um discurso sobre a subjetividade, orientado para pro-

cessos psicodinâmicos organizados em desejos e afetos pela linguagem. A abordagem sistêmi- ca a descreve com processos informacionais interindivíduos, orientados por padrões de regulação supraordenadores. Portanto, cada abordagem, como dois olhos, fornece uma vi- são parcial que pode ser enriquecida pela apro- ximação res peitosa das diferenças e semelhan- ças. Além disso, suas técnicas podem atuar como dois diferentes modos operativos, tor- nando os terapeutas de casal mais ricos em sua ação e mais justos quanto à complexidade da conjugalidade.

A abordagem psicana‑ lítica de casais a des‑ creve com um discurso sobre a subjetividade, orientado para proces‑ sos psicodinâmicos or‑ ganizados em desejos e afetos pela linguagem. A abordagem sistêmica a descreve com proces‑ sos informacionais inte‑ rindivíduos, orientados por padrões de regula‑ ção supraordenadores.

Questões para discussão

1. Qual é a evolução histórico ‑conceitual da abordagem psicanalítica de casais e da aborda‑ gem sistêmica?

2. De que modo a epistemologia batesoneana permite a articulação entre as duas aborda‑ gens?

3. Qual a importância das críticas pós ‑modernas para a articulação entre as abordagens sis‑ têmica e psicanalítica de casais?

4. Como um terapeuta de casal pode orientar ‑se por ambas as abordagens?

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Noite de sábado. Recebo o convite para jantar com uma família amiga: Talita e Nílson, casa- dos há pouco mais de duas décadas. À mesa também estão os dois filhos do casal (é neces- sário que se diga do casal para os objetivos do capítulo), Cleison, 21 anos, que estuda na es- cola militar, e Cássia, 18 anos, que estuda me- dicina. Ao lado da mesa, também está Lili, 11 meses, que faz parte da família como “filhinha mais nova”, a cachorra. Durante o jantar, Tali- ta tece o seguinte comentário:

– Se eu não insistisse, ele (referindo -se ao filho), ficaria mais um final de semana sem aparecer.

– Eh, mãe, que pegação de pé, dá um tempo. Eu não tô aqui?

O pai, até então calado, também se ma- nifesta:

– Mas ela não é muito diferente; aposto que, se não precisasse de dinheiro, não estaria aqui.

– Pai, que injustiça, eu tava aqui há duas se- manas atrás – responde a filha.

Todos rimos e voltamos a nos concen- trar na comida... felizes, afinal, a família estava reunida...

Ao receber o convite para escrever um capítulo neste livro sobre família, em especial sobre a família do futuro, passei semanas re- fletindo sobre os temas que exigiam minhas reflexões para compor tal capítulo. Primeiro, levei dias tentando delimitar o que quero es- crever sobre família e, depois, refletindo sobre que futuro quero dialogar, ou mesmo se no futuro haverá família, ou se a família se fará presente no futuro. Parecia estar correndo em círculos, como um cachorro atrás do próprio rabo (algumas pessoas podem não perceber a ironia da figura de linguagem), mas o fato é que falar sobre família e futuro, ou o futuro da família, parece -me redundante, pois não há como imaginarmos um futuro sem família.

conTExTuAlIzAndo A

FAmílIA conTEmPoRânEA

Quando Enriquez (Levi et al., 2001, p. 27) atesta que ficou irritado com o sucesso das teses sobre a “morte do sujeito”, pareceu -me também assustador imaginar a história como processo sem sujeito. Por certo, o tempo que vivemos na sociedade contemporânea, que considero pós -moderna (Anderson, 1998; Ea- gleton, 1996; Lion, 1994; Lyotard, 1979; Con- nor, 1989), tem feito muito para que o homem

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Saudade da família no futuro

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