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REcuRsos culTuRAIs no EnconTRo EnTRE

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 42-46)

FAmílIAs E comunIdAdE

Maturana (2009), ao falar de sistemas, refere -se a um con- junto de elementos interconectados sobre os quais se atua de maneira simultânea. Ao surgir um sistema, o sistêmico surge ante um observador como o âmbito das dinâmicas operacionais e relacio- nais. O recurso é a própria dinâmica relacio- nal na construção de um olhar e uma escuta mergulhada na experiência, na tarefa e no acontecimento. Para White (1991), todas as histórias são constitutivas do humano e dão forma à vida, que ganha riqueza e consistên- cia. Abrir caminho para entender as pessoas em um contexto social mais amplo é privile- giar a cultura ética própria de cada um e a identidade pessoal, permitindo o desenvolvi- mento de histórias que descrevem a vida des- sas pessoas e o significado que atribuem ao seu conjunto de experiências, aptidões, com- petências, crenças, valores, compromissos e habilidades que ajudam a reduzir a influên- cia dos problemas em sua vida.

Barreto (2005) aponta a rede social como facilitadora da inclusão. No campo da antropologia social, a ideia de redes sociais diz respeito aos processos de integração social que são estabelecidos pelos indivíduos, inde- pendentemente de filiação, categoria social e problema. A concepção de redes sinaliza espe- cificamente para o estudo das interações e para o funcionamento do sistema. Trabalhar em rede é também permitir um campo de re- flexão sobre a “intrincada” série de reflexões inter e intrapessoais existentes. O trabalho descrito a seguir apresenta uma reflexão sobre a terapia comunitária sistêmica integrativa com famílias que têm filhos portadores de transtorno invasivo do desenvolvimento, in-

cluindo toda a comunidade. Trata -se de um modelo proposto por Barreto (2007), que promove a formação de redes solidárias e a troca de experiência entre os participantes. Tendo o sofrimento humano como seu con- texto definidor, trabalha no sentido de forta- lecer as competências, a autoestima e o empo- deramento. É estruturado em etapas de acolhimento, escolha do tema, contextualiza- ção, problematização, rituais de agregação, fe- chamento e avaliação. Requer do terapeuta a habilidade de fazer perguntas e de organizar as narrativas, a proposição de técnicas de aquecimento e descontração do grupo, a res- significação e reformulação das perguntas, o uso de conotações positivas e as finalizações.

Na perspectiva relacional sistêmica, a inserção comunitária e o desenvolvimento de práticas sociais vêm promovendo o cresci- mento e o bem -estar do Instituto Senso Edu- cação Reintegrada (SER), situado em Campi- nas, que desde 1989 presta apoio ao desenvolvimento humano no campo da saúde mental. Com uma equipe transdisciplinar de apoio nas áreas de pedagogia, psicologia, fo- noaudiologia, terapia ocupacional, educação motora e artística, e com a finalidade de com- preender cada indivíduo em uma visão plural de conhecimentos, tem como fundamento epistemológico o trabalho em equipe, a gera- ção de novas alternativas e estratégias de tra- tamento, a interação entre as áreas, a legitibi- lidade e o compartilhamento dos discursos e a tomada de decisão em consenso grupal.

O formato das intervenções terapêuti- cas é sustentado por vínculos que dão apoio ao crescimento e aos relacionamentos. Enten- der os relacionamentos sociais como compro- missos baseados em comunicações verbais e não verbais, que são inspirados por sentimen- tos de amor ou dor, modulados por ati tudes empáticas e por uma percepção reconhecida das diferenças, proporciona o desen volvi- mento evolutivo no fazer corporal e na poten- cialização das habilidades e competências. Em seu percurso histórico, sempre guiado pela concepção humanista, o Instituto SER seguiu sua trajetória com uma abordagem multidi- mensional, especificando técnicas e métodos

Sistema refere ‑se a um conjunto de ele‑ mentos interconecta‑ dos.

a partir do diagnóstico para identificar o pro- blema e “elevar” seu nível de desenvolvimento social. Constituía, até então, a forma mais efi- ciente de prevenção ou de tratamento dos problemas psicossociais. Porém, como o indi- víduo não é o diagnóstico, tampouco vive suas experiências nos métodos, a capacidade da natureza humana dependia de uma ação con- junta, ampliando -se essas dimensões para o contexto social.

A visão individual deu lugar ao constru- cionismo, em que a escuta sistêmica passa a privilegiar as relações. Nesse processo social e linguístico com ênfase na dialética contingên- cia e na criatividade da convivência humana, ao construir e ao mesmo tempo ser construí- do pelo sistema social, as noções de apoio e aliança tornaram -se o marco de toda a evolu- ção humana. O modelo da terapia comunitá- ria como ação terapêutica de apoio às famílias e à comunidade dessa instituição é aplicado a uma população com diferentes perfis, dife- rentes faixas etárias e contextos étnicos, capaz de atender simultaneamente a um grande nú- mero de pessoas, configuradas como um grupo aberto, caracterizando -se com começo, meio e fim para as pessoas presentes na sessão daquele dia.

No Instituto SER, a terapia comunitária é realizada a cada mês, com duração de uma hora e meia cada sessão. Em uma análise rea- lizada no período de agosto de 2004 a abril de 2009, foram registradas 70 terapias, com a presença de 1.333 pessoas, dentre as quais havia 71 crianças, 166 adolescentes, 987 adul- tos e 109 idosos, considerando uma média de 19 pessoas por terapia e de 330 novatos do total de participantes. Na etapa da apresenta- ção do problema, os temas mais recorrentes foram os seguintes: depressão (perda e sauda- des) em 30% das terapias, conflitos familiares (brigas, traição e separação) em 20%, estresse (medo, angústia, ansiedade, desânimo e de- sespero) em 12,86%, discriminação (doença, gênero) em 7,l4%, rejeição (autorrejeição, fa- mília) em 7,14%, violência (abuso sexual) em 7,14%, dificuldades no trabalho (falta de re- conhecimento e dificuldades financeiras) em 7,14%, alcoolismo e drogadição em 4,29%,

abandono (adoção) em 2,86% e deficiência (autismo, síndrome de Down e epilepsia) em 1,43%. É interessante ressaltar que, em todas as terapias, o envolvimento de todos os parti- cipantes conduziu o processo. As narrativas referenciaram a história de cada participante, tendo a diversidade cultural o objetivo de am- pliar a visão do problema e a sua externaliza- ção na etapa da problematização para as refle- xões do grupo e para as possibilidades de mudança na fase da contextualização.

Embora o Instituto SER seja referência no acompanhamento e no apoio aos pais com filhos com deficiência, esse tema pouco apare- ceu e, quando evidenciado era apontado como uma preocupação quanto às perspectivas de futuro para os filhos, e não como um proble- ma do sistema familiar. Pode -se dizer que a comunidade considera esses encontros como uma fonte de apoio social, uma partilha de respeito e solidariedade, valorizando as com- petências e sendo espelhos para a transforma- ção do seu sofrimento e do sofrimento do outro. Recontar e ressignificar a sua história fornece uma estrutura com a qual todos os fu- turos eventos ou ações podem ser mapeados (White, 1990).

consIdERAçõEs FInAIs

Do ponto de vista da dinâmica familiar, é im- portante apontar para o sofrimento de famí- lias de um portador de deficiência e para a ne- cessidade de receber uma abordagem de apoio que acolha essa dor, tanto para que se valori- zem as razões humanitárias quanto para que se desenvolvam estratégias e possibilidades pertinentes de suporte a todos os membros. Na perspectiva relacional sistêmica, a inserção comunitária e o desenvolvimento de práticas sociais vêm promovendo o crescimento e o bem -estar de toda a

comunidade.

A formação de uma rede social, para além da família nu- clear, permite no papel do observador

Na perspectiva sistêmi‑ ca e comunitária o de‑ senvolvimento de prá‑ ticas sociais vem pro‑ movendo o crescimen‑ to e o bem ‑estar de toda a comunidade.

a percepção de que o indivíduo desenvolve uma identidade grupal, um sentimento de pertencimento, de validação e, ao mesmo tempo, a possibilidade de diferenciação e cres- cimento. A dinâmica do grupo na terapia co- munitária transforma -se: a relação entre as pessoas encaminha -se para uma postura de acolhimento, de sensibilidade para a escuta e de respeito pelo sofrimento do outro, legiti- mando as diferenças e reconhecendo as com- petências.

Falar em redes e inserção comunitária demanda uma mudança nos métodos de pen- sar e de produzir conhecimento. É preciso considerar que os recursos de saúde en con- tram -se na família e que, através das interven- ções terapêuticas em forma de perguntas, é possível ter acesso a esses recursos, levantando- -se questões que levam o terapeuta de família e comunidade a reflexões importantes sobre a prática clínica.

A expectativa é a de que com esse traba- lho o “ato de perguntar” torne -se uma ferra- menta indispensável a qualquer intervenção que vise mudança, levando -se em considera- ção que a curiosidade e o “não saber” do tera- peuta é que abrem espaço de conversação e, assim, aumentam o potencial da narrativa de uma nova ação e de liberdade pessoal na res- significação de histórias. Esse modelo tanto privilegia o suporte às famílias quanto aceita o desafio de lidar com a subjetividade no con- texto social.

Contudo, é preciso ter cuidado no ma- nejo desses recursos, pois até pouco tempo atrás a função das instituições e dos terapeu-

tas era a transmissão de conhecimento siste- matizado e organizado. Hoje, a pós -mo der- nidade coloca essa visão em “crise” e é a partir desse desequilíbrio que se chega ao cresci- mento. Espera -se que, ao construírem um novo saber no encontro com famílias e comu- nidades, os terapeutas ou pesquisadores pos- sam apoiar indivíduos para estar no mundo, falando sua própria linguagem e criando suas próprias imagens, utilizando -se de sua curio- sidade e do ato de fazer perguntas. O terapeu- ta deve perguntar sobre detalhes dos eventos, crenças e interesses das pessoas. As perguntas ajudam a criar uma história nova e diferente. No encontro com as famílias, os terapeutas têm aprendido que o ser humano guarda – e usa como referência – saberes e tesouros que adquire sem saber e que ficam à disposição para serem colocados em uso nos espaços de convivência quando precisa ser criativo para resolver problemas de seu cotidiano.

O espaço de convivência familiar cons- titui uma arquitetura complexa, e é nesse equipamento cultural e conjunto de práticas linguísticas que se criam aprendizados efeti- vos e incorporados. Na tentativa de ampliar esses espaços de convivência e criar diferentes histórias, é importante que os terapeutas ins- tigam perguntas pertinentes à sua atuação e a esses espaços com a família.

Assim, a história das famílias traz à tona as capacidades e o compromisso de cada membro com o outro. Esse ato ajuda as famí- lias a restabelecer preferências, esperanças, so- nhos e ideias. Acessar suas capacidades e habi- lidades dará significado às suas ações futuras.

Questões para discussão

1. Quantos outros espaços a família encontrou para a sua convivência?

2. Como possibilitar uma experiência simbólica, enunciar um acontecimento, uma história alternativa na relação com as famílias?

3. Se as famílias buscam ajuda pelo amor ou pela dor, quais experiências sustentam os vín‑ culos familiares?

4. No sentido ético das experiências da família, quais são os mitos, as crenças e os desejos que sustentam as ações e os comportamentos de cada membro?

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InTRodução

A cada ano vem sendo mais debatida nas uni- versidades e na mídia a importância do diag- nóstico e do tratamento das alterações do humor, especialmente a depressão. A gravida- de desse transtorno torna -se mais dramática quando levamos em consideração as suas con- sequências, como o risco de suicídio do pa- ciente. É comum que o episódio depressivo apareça após um fator estressante, que é con- siderado por amigos e parentes como o fator causador da depressão. Mas por que nem todas as pessoas reagem da mesma forma ao mesmo evento estressor? Por que algumas pessoas se deprimem após uma separação e outras não? Neste capítulo, abordaremos a re- lação entre família e depressão juntamente com a importância das relações com os pais para a aprendizagem das crenças disfuncio- nais, um constructo central na explicação da depressão para a terapia cognitiva.

A família é um grupo de pessoas unidas por descendência a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção. Do grupo familiar podem fazer parte marido, esposa e filhos, parentes mais distantes e ainda outros integrantes não necessariamente ligados por laços de sangue (como é o caso de filhos ado-

tados, por exemplo). Uma variável adicional na consideração do que vem a ser um grupo familiar é o domicílio, já que uma unidade fa- miliar pode ser considerada como o grupo de pessoas com parentesco que residem na mesma casa.

Estruturalmente, a família pode apre- sentar -se de várias formas. Com as mudanças sociais e culturais, essa estrutura flexi biliza -se cada vez mais, podendo reconstituir -se em um grupo novo após divórcio de um casal ou morte do cônjuge, reunindo filhos de casa- mentos anteriores e até mesmo formando -se a partir de uma relação com parceiros do mesmo sexo. Independentemente da maneira como se estrutura, o agrupamento em ques- tão tem como funções a proteção e a trans- missão da cultura, do capital econômico e da propriedade do grupo, das relações de gênero e de solidariedade entre gerações.

Cada agrupamento familiar tem um funcionamento diferente, no qual cada inte- grante assume um papel na dinâmica. Dife- rentes tipos de relações são encontradas no grupo familiar, como aquelas entre o casal (aliança), entre pais e filhos (afiliação) e entre irmãos (consanguinidade). Com essa comple- xidade de relações em um grupo familiar, não é surpreendente que o modo como se dá essa

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