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o VAloR dAs nARRATIVAs nA TERAPIA dE FAmílIA E dE

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 39-42)

comunIdAdE: nomEAção E

ExTERnAlIzAção do PRoBlEmA

As narrativas abrem caminho para entender as pessoas em um contexto social mais amplo, privilegiando a cultura ética própria de cada um e a identidade pessoal, assim como o en- tendimento dos efeitos dos problemas na vida das pessoas. Para Morgan (2007), um princí-

pio central de métodos narrativos é que os co- nhecimentos e as aptidões daqueles que con- sultam terapeutas formam de modo significa- tivo a prática da terapia. Essa prática procura ter um enfoque respeitoso para o aconselha- mento, o trabalho familiar e comunitário, que centra as pessoas como peritas em suas pró- prias histórias. Além disso, vê o problema se- parado das pessoas e parte do pressuposto de que elas têm diversas aptidões, competências, crenças, valores, compromissos e habilidades que ajudam a reduzir a influência dos proble- mas em sua vida.

White e Epston (1990) descrevem dois métodos narrativos como significativos no papel do terapeuta. Um é o de sempre man- ter uma posição curiosa e outro é o de sem- pre fazer perguntas

cujas respostas des- conhece. A curiosi- dade e o não saber abrem espaço de conversação e au- mentam o potencial de desenvolvimento da narrativa de uma

nova ação e de liberdade pessoal. Essa postu- ra dialógica possibilita uma nova narrativa. Nessa posição hermenêutica, a criação de significado por meio do diálogo é sempre in- tersubjetiva e ocorre em um processo contí- nuo de partilha na criação de uma realidade, um novo significado, um novo conhecimen- to e uma nova narrativa.

As conversas narrativas são interativas e sempre feitas em colaboração com as pessoas que consultam o terapeuta, sendo guiadas e direcionadas pelos interesses dos que estão procurando apoio. A pergunta, como inter- venção terapêutica, tem por objetivo integrar, inter -relacionar várias informações e diferen- tes leituras da história da família. As pergun- tas são dirigidas de modo a valorizar contex- tos e inter -relações. Para Checin (1987), mais do que a resposta, o importante é como a fa- mília lida com as perguntas e que efeito elas provocam. Nas narrativas, sempre se encontra uma “história oficial”, e o que se busca no

A narrativa é o fio que tece os eventos, for‑ mando a história.

A curiosidade e o não saber abrem espaço de conversação e au‑ mentam o potencial de desenvolvimento da narrativa de uma nova ação e de liberdade pessoal.

proces so terapêutico é ha bilitar a família a en frentar qualquer mudança em seu ci- clo de vida, adotando o recurso da flexibili- dade em seus proces- sos de incorporação e expulsão, assim como reconhecendo novas possibilidades de articu- lação.

White (1991) denomina esse processo de conversas de desconstrução, as quais inda- gam sobre as ideias e os contextos que podem sustentar a existência do problema. Traçar a história dessas ideias pode desfazer as histó- rias dominantes e criar histórias alternativas, reduzindo a influência dos problemas e ge- rando novas possibilidades para a vida. Partindo -se da premissa de que o problema é o problema, exteriorizar conversas distingue os problemas das pessoas. A externalização é uma técnica para situar o problema longe da pessoa, possibilitando -lhe discernir seu pró-

prio significado e suas explicações para os eventos, bem como permitindo -lhe no- mear o problema e conduzir as descrições como eventos que ocorrem fora dela. Na nomeação do proble- ma, o terapeuta negocia uma definição do mesmo que combina com o significado e a ex- periência da pessoa, cuja vida o problema está afetando.

Benjamin (1994) esclarece que, ao nar- rar uma experiência, torna -se possível ressig- nificar o que se viveu, e um acontecimento vi- vido é lembrado sem limites, tornando -se uma chave para tudo o que veio antes e de- pois. Nesse sentido, para Barreto e Grandesso (2007), propiciar espaços de conversações inter -humanos, nos quais a palavra e a experi- ência de cada um são legitimadas, é um meio de comunicação para mediar as relações fami- liares e de comunidade, estimulando a per- cepção das competências a fim de que se cons- truam novos arranjos de existência frente às adversidades e de que se rompa com o círculo

vicioso das narrativas redundantes, fatalistas e sem saída.

doEnçA cRônIcA: dIlEmAs

E oRgAnIzAção FAmIlIAR

O grupo familiar é fundado a partir de um casal que traz em si as influências ancestrais, sendo, portanto, o lugar de transmissão bioló- gica e psicológica. O indivíduo já emerge dos desejos dessas gerações que o precedem. O peso do desejo do outro já está presente antes mesmo do nascimento e é assegurado através da rotina, das regras e dos rituais que preser- vam a família (Cerveny, 1994).

Para Imber -Black (1994), cada família constrói mitos em sua história familiar, elabo- rando um legado que fica como segredo em uma geração e transforma -se no inominável que aparece nas gerações posteriores em forma de expectativas compartilhadas. No impacto do conhecimento de uma problemá- tica, a negação como mecanismo de defesa passa a ser mantida pelo forte sen timento de sofrimento, estrutu-

rante das relações fa- miliares. Para Minu- chin (1974), o segre- do mútuo refere -se não tanto ao desco- nhecido, mas à im- possibilidade de citar

ou comentar um fato, a partir da impossibili- dade de simbolizar essa situação.

Browns (l995) afirma que o nascimento de uma criança com doença crônica represen- ta para os pais uma ruptura das expectativas construídas. É o início de um caminho de in- certezas, vivendo essas famílias o estresse, um período de adaptação que vai do nascimento ao diagnóstico. Nesse período de adaptação, são negociados na família os papéis que cada membro desempenhará diante dessa nova re- alidade para a sua organização familiar. Em uma família com um membro afetado por doença crônica, os problemas relacionais são comuns aos das famílias de modo geral. O que

A externalização é uma técnica para situar o problema longe da pessoa.

O que se busca no pro‑ cesso terapêutico é habilitar a família a en‑ frentar qualquer mu‑ dança em seu ciclo de vida.

O segredo familiar refere ‑se à impossibili‑ dade de citar ou co‑ mentar um fato, pela dificuldade de simboli‑ zar essa situação.

as distingue é que, na maioria das vezes, o “di- ferente” é eleito como porta -voz dos proble- mas familiares, desenvolvendo no processo fa- miliar o sintoma.

Pakman (1991) define o sintoma como uma saída possível para a crise através de uma linguagem unívoca, de um consenso restrito que é incorporado e mantido com a colabora- ção de toda a rede relacional significativa. O sintoma não é uma aberração na lógica fami- liar, mas encaixa -se em sua história e em seu estilo interativo. Existem muitas evidências de que os estresses familiares, que costumam ocorrer nos pontos de transição do ciclo de vida, criam situações favoráveis ao surgimen- to de algum sintoma. Minuchin e colaborado- res (1975), no estudo de famílias com crianças com doença crônica, observaram que a orga- nização dessas famílias encoraja o conflito, a superproteção, a rigidez e a ausência de solu- ção de conflito.

O conflito é caracterizado por esses au- tores como um processo transacional das fa- mílias, mas que dificulta a percepção de si e dos outros membros, além de gerar um sub- sistema familiar debilitado, em que a comuni- cação é focalizada na pessoa limitada; a super- proteção, por sua vez, é definida como uma proteção constante que impede os membros da família de manter uma interação satisfató- ria. Essa superproteção dos pais retarda o de- senvolvimento da autonomia das crianças, re- forçando a doença e a dependência. O objetivo do controle é tentar fugir das situações de frustrações, ansiedade e conflito que podem surgir quando um membro põe em desequilí- brio a relação familiar; a rigidez é percebida quando as famílias de crianças doentes insis- tem em métodos de interação com os quais já estão acostumadas e operam em um sistema fechado, na tentativa de manter um sistema patológico previamente equilibrado. Como resultado desse inadequado mecanismo ho- meostático, a família inicia um estado crônico de estresse. Com isso, pode -se observar que, quanto maior a rigidez com que a lealdade se impõe ao indivíduo, mais dano ela causará: a rigidez, o conflito e a superproteção levam a

família a não resolver o conflito e a usar a do- ença como padrão de comunicação.

Dessa forma, a família é o contexto na- tural para crescer e receber auxílio, pois ela cumpre o papel de garantir o pertencimento e promover a individualização do sujeito, que, por sua vez, elabora a própria identidade. A pouca diferenciação entre os membros da fa- mília causa uma confusão de papéis que pro- voca perturbações na estrutura hierárquica familiar. A família nuclear não se separa o su- ficiente das respectivas famílias de origem, nem se estabelecem as fronteiras geracionais. Assim, a intervenção no ambiente familiar deve fazer parte da rotina de atendimento para mediar conflitos e informar sobre a rea- lidade a todas as partes. Autores como Araújo (1994) mostram como a família em que um de seus membros tem doença crônica está su- jeita a desequilíbrios, inclusive pela falta de preparo, pela adoção de atitudes de superpro- teção, segregação, piedade, rejeição e simula- ção. Essas atitudes no núcleo familiar tornam as crianças mais suscetíveis à doença e impe- dem o seu desenvolvimento nos campos so- cial, emocional e cognitivo.

Outros autores, citados por Rapizo (1998), conotam como positivo todo padrão de interação da família, e não só a função do comportamento sintomático, sendo que as intervenções envolvem todo o padrão de com- portamento à volta do sistema. Não é o siste- ma que determina o problema, e os elementos envolvidos nas relações é que serão considera- dos como sistema. O aspecto negativo de terem passado por um problema leva essas fa- mílias, na tentativa de acertos e erros, a se for- talecer, e a estabelecer padrões, mesmo que rí- gidos, acrescidos de positividade no sentido de se adaptarem à rede social (Sluzki, 1997). Nessa perspectiva, torna -se fundamental a va- lorização dos recursos culturais nos encon- tros terapêuticos com essas famílias, com o objetivo de ampliar as redes sociais e partilhar o sofrimento que, se for entendido como sendo de ordem cultural, poderá ser dissolvi- do com o apoio de uma rede solidária, desenvolvendo -se estratégias e alternativas de

mudanças diante de padrões de interação e comunicação familiar com discurso domi- nante no enfrentamento da doença.

REcuRsos culTuRAIs

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 39-42)