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situação de vulnerabilidade social

No documento Psicologia de Família.pdf (páginas 154-157)

quando seu desenvolvimento não ocorrer de acordo com o esperado para a sua faixa etária, segundo os parâmetros de sua cultura. A pre- sença de fatores de risco externos ou internos, como físico (doenças genéticas ou adquiridas, prematuridade, problemas de nutrição, entre outros), social (exposição a ambiente violento ou a drogas) ou psicológico (efeitos de abuso, negligência ou exploração) pode determinar tal caracterização.

Eventos externos de risco relacionam -se às condições adversas do ambiente no qual as crianças se desenvolvem. Estes podem ser ris- cos proximais (em microssistemas nos quais elas interagem face a face) ou distais (sistemas nos quais elas não estão presentes, mas que têm influência sobre elas – nível exo ou ma- crossistêmico). Os comportamentos de risco também podem expor as crianças à vulnera-

bilidade social e pessoal e referem -se a ações ou atividades realizadas pelos próprios indiví- duos que aumentam a probabilidade de con- sequências adversas para o seu desenvolvi- mento ou funcionamento psicológico ou social adequado, favorecendo o desencadea- mento ou o agravamento de patologias ou en- fermidades (Hutz e Koller, 1997).

Antes de definir o que seriam famílias de crianças em situação de vulnerabilidade social, é interessante percorrer a definição de famílias em geral ao longo das últimas dé- cadas.

dEFInIndo FAmílIA...

A família é o micros- sistema fundamental para a interação das pessoas com seu am- biente nos diversos níveis ecológicos. É o

palco do desenvolvimento humano, das tran- sições ecológicas e dos processos proximais. Nela as pessoas tanto constroem sua história e suas rotinas quanto são construídas pela per- meabilidade dos valores, tradições e segredos da intergeneracionalidade e do que dela her-

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Famílias de crianças em

situação de vulnerabilidade social

Silvia H. Koller Clarissa De Antoni

Maria Elisa Fontana Carpena

A família é o microssis‑ tema fundamental para a interação das pes‑ soas com seu ambien‑ te nos diversos níveis ecológicos.

dam. Nas últimas décadas, as inúmeras mu- danças sociais necessariamente levaram as ci- ências humanas a redefinir o conceito de família. Como ela se forma, qual a sua impor- tância e como desempenha seu papel na so- ciedade são questões permanentes para estu- diosos do tema. Até recentemente, a família aparecia como principal e único sistema eco- lógico de orientação dos indivíduos. Sua con- figuração era baseada na presença de um pai- -provedor, de uma mãe -cuidadora e dos filhos nascidos da união entre eles. O bem -estar e a proteção de todos os membros, ao longo do desenvolvimento no ciclo vital, eram tarefas fundamentais dos pais, que também apare- ciam como modelos proximais exclusivos e responsáveis por todas as consequências no desenvolvimento dos filhos. Fugir a essa equa- ção significava tornar -se alvo de preconceitos.

As transformações ocorridas na socie- dade atingiram essa definição de família. Novas organizações e reorganizações familia- res foram estabelecendo -se e desafiando a de- finição anterior. A mãe -cuidadora tornou -se a mulher -mãe que ganha espaço no mercado de trabalho, assumindo uma jornada tripla: sua atividade profissional + os cuidados com o bem -estar dos membros da família + o cuida- do pessoal e de seu próprio desenvolvimento. O pai -provedor revela -se o homem -pai que deixa de ser o único provedor e passa a contar com a participação da mulher na manutenção da casa. Dele passa a ser exigido que expresse sentimentos, compartilhe afazeres domésti- cos, envolva -se na educação e no cuidado dos filhos e esteja ao lado da mulher no cotidiano da família. E, evidentemente, que também cuide de seu desenvolvimento e cuidado pes- soal. Esse novo cenário, que desvenda uma nova estrutura e um novo funcionamento do microssistema familiar e doméstico, no en- tanto, independe do fato de homem e mulher viverem juntos ou separados.

Kniebiehler e Fouquet (1983) fizeram uma revisão histórica da questão da materni- dade, desde a Idade Média até os dias de hoje, mostrando que a exaltação do amor materno é fato recente na civilização ocidental. Os fatos históricos sugerem que, até o século XVIII,

predominava uma conduta de indiferença materna. Apenas no final daquele século teve início a exaltação do amor materno no dis- curso de filósofos, médicos e políticos. Come- çou, então, o processo de ativar os sentimen- tos de culpa nas mulheres que abortavam ou que não queriam amamentar. No século XIX, o culto à maternidade ampliou o lugar da mãe e da criança na sociedade. Conforme Ariès (1985), isso aconteceu na época em que novas condições de vida atraíam cada vez mais os homens para fora de casa, tornando -se neces- sário delegar à mulher a função de cuidadora/ educadora. No século XX, com o surgimento de teorias psicológicas, reforçou -se a tendên- cia de responsabilizar a mãe pelos problemas dos filhos.

Recentemente, estudos e pesquisas fa- zem avançar os estudos das dinâmicas fami- liares e de seus papéis, que levam mais em conta a família como um todo e sua inter- -relação com fatores sociais e econômicos no entendimento dos problemas e bloqueios do desenvolvimento emocional, entre outros. Essa breve revisão histórica demonstra que o vínculo com os filhos não se desenvolve a par- tir de um instinto materno nem depende da biologia dos laços de sangue. Para Maldonado (1989), aspectos como o convívio e a disponi- bilidade para cuidar de uma criança e acom- panhar seu desenvolvimento são determinan- tes na construção do amor e do vínculo da mãe para com o filho. Seguindo a mesma ideia, Badinter (1985) ressalta que “não há amor sem algum desejo, e a ausência da facul- dade de tocar, mimar e beijar é pouco propí- cia ao desenvolvimento do sentimento. Se a criança não está ao alcance de sua mão, como poderá a mãe amá -la? Como poderá apegar- -se a ela?” (p. 15). E acrescenta: “O amor ma- terno é apenas um sentimento humano. E, como todo sentimento, é incerto, frágil e im- perfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não seja profundamente inscrito na na- tureza feminina” (p. 22).

Famílias monoparentais, reconstituídas, extensivas, homoafetivas e não consanguíne- as, entre outras, são possibilidades que não passam despercebidas na realidade atual (De

Antoni e Koller, 2000). Não significa que elas não existissem antes, mas estavam encobertas pelos preconceitos da sociedade. A psicologia, como ciência humana, depara -se com um novo desafio: para além de carecer de estudos que abordem tais possibilidades como con- textos e processos de desenvolvimento, deve lidar com o desvelamento da realidade das fa- mílias e de sua influência no ser humano.

A instituição casamento, considerada necessária e por vezes obrigatória, aparece com novas configurações. Muitas famílias passam a ser definidas quando os pais são na- morados, vivem separados, têm novos(as) companheiros(as), têm a guarda comparti- lhada ou são do mesmo sexo. Há produções independentes, filhos de pai ou mãe solteiros ou separados, padrastos e madrastas e seus fi- lhos agrupando -se entre si, avós que se tor- nam mães/pais de seus netos. Existe a necessi- dade clara de entender tais contextos, conhecer valores e acolher costumes. São necessárias mais pesquisas sistemáticas e rigorosas para produzir conhecimento sobre o tema. Portan- to, esse contexto ecológico proximal que as pessoas chamavam de família não pode mais ser facilmente definido.

A melhor forma de lidar com essa reali- dade e com o desafio de defini -la, por ques- tões metodológicas ou terapêuticas, deve basear -se na pergunta direta para aqueles com quem os psicólogos querem trabalhar: quem é a sua família? Pergunta difícil de responder em alguns casos. Porém, a partir da resposta dada, planejamentos podem ser estabelecidos. Não cabe aos pesquisadores ou terapeutas prescrever uma receita do que é uma família aos seus participantes ou pacientes. Se houver necessidade de ter um padrão para a manu- tenção do necessário e desejado rigor meto- dológico, por exemplo, em uma pesquisa, essa configuração poderá ser colocada a priori, mas não se pode exigir que os participantes sejam enquadrados ou enquadrem suas defi- nições de família nesse padrão. Certamente a definição a posteriori precisa ser levada em conta.

É evidente que todas essas mudanças impactam a forma de vida das pessoas. É ine-

gável a importância de ambos os pais ou de representantes dessas figuras no desenvolvi- mento de crianças e adolescentes. A participa- ção da família na vida dos filhos cumpre uma função básica de cuidado e referência que ainda perdura. Uma boa vinculação com pes- soas próximas, relações estáveis, face a face, comunicação e manutenção do respeito à hie- rarquia de poder têm sido apontados como protagonistas na construção de uma estrutura emocional segura. Apoio e proteção, indepen- dentemente da configuração e do funciona- mento do agrupamento estabelecido, revelam o seu funcionamento e a partir dele se cons- troem valores, crenças e projetos de vida para todos os seus membros.

A família vai além do que está lá, porque é mais do que um agrupamento de pessoas; ela é um contexto ecológico dinâmico, com o qual as pessoas compartilham seu desenvolvi- mento, que elas percebem como sua e que as percebe como membros. Há reciprocidade e estabilidade nessa interação (Bronfenbrenner, 1996). Historicamen-

te, as funções da fa- mília têm atendido a dois diferentes obje- tivos: um interno, de proteção psicossocial de seus membros; e outro externo, de acomodação e trans- missão da cultura.

Observa -se a presença de um viés paradoxal da família como formadora, dando à pessoa a noção de pertencimento, ao mesmo tempo em que a situa em um mundo independente, concedendo -lhe autonomia (Minuchin, 1988).

Mesmo com tantas mudanças, há aspec- tos tradicionais que ainda vigoram e têm sido considerados na história da família. Como re- sultado dos desafios que se apresentam, a principal tarefa psicossocial da família, que é proteger seus membros, tem -se tornado ainda mais importante, apesar das diversas configu- rações e funcionamentos que essa família apresente. Atualmente, o nível de interação face a face em atividades compartilhadas pa-

Historicamente, as fun‑ ções da família têm atendido a dois dife‑ rentes objetivos: um interno, de proteção psicossocial de seus membros; e outro ex‑ terno, de acomodação e transmissão da cul‑ tura.

rece diminuir a cada dia. No entanto, a intera- ção e a comunicação presentes e ativas têm marcado seu papel de interesse na saúde emo- cional dos membros da família.

Zamberlan (2002) sugeriu que o proces- so para cumprir o compromisso de acompa- nhar o desenvolvimento dos filhos requer compreensão e flexibilidade dos adultos, assim como respeito à individualidade das crianças. A família é um grupo dinâmico que precisa reformular -se internamente para se adequar à passagem de seus membros pelo ciclo vital e às inúmeras mudanças da própria vida e da sociedade. Portanto, a família, iden- tificável como a menor unidade da sociedade, precisa manter suficiente continuidade (Mi- nuchin, 1988). Crianças adequadamente cria- das são menos vulneráveis ao estresse e dele se recuperam com maior facilidade, pois seu poder de adaptação e seus recursos internos são de grande valia nas horas críticas (Rutter, 1987).

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