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Adoção internacional e nacionalidade

ADOÇÃO INTERNACIONAL “A adoção estatutária, ao exigir o registro novo, cortando os vínculos

13.12 Adoção internacional e nacionalidade

O artigo 23 da Convenção sobre Adoção Internacional dispõe que os países signatários atribuem plena eficácia à sentença de adoção prolatada por juiz do Estado de origem do adotando. Assim, consideramos razoável afirmar que, ao ter eficácia e produzir efeitos jurídicos, essa sentença terá o condão de conceder a nacionalidade do país de acolhida caso este adote o critério de atribuição de nacionalidade pelo jus sanguinis. Nesse sentido, se um casal francês adota uma criança no Brasil, a sentença do magistrado brasileiro concessiva da adoção atribui ao adotado, por si mesma, a nacionalidade francesa. Esse menor adquire, automaticamente, dupla nacionalidade: brasileira, por ter nascido no Brasil (jus soli), e francesa, por ser filho de franceses (jus sanguinis – critério de atribuição de nacionalidade que se estende aos filhos adotados).31

Nesse contexto, recordemos que no apogeu do jus sanguinis, em Roma e na Grécia, o adotado estava plenamente integrado na família, base da nacionalidade, pois adquiria a nacionalidade de seus genitores. Contudo, muitos autores entendem que a adoção não é fonte de nacionalidade. Para Wilba Bernardes, seria impossível o adotado adquirir a nacionalidade originária, inclusive pelas consequências e efeitos da adoção no seu país (dele, adotado), ante os termos do texto constitucional brasileiro vigente.32 Por seu turno, afirma Miguel Ferrante que filho adotivo de brasileiro, nascido em outro país, não pode optar pela nossa nacionalidade, permanecendo estrangeiro e só podendo adquirir a nacionalidade brasileira por meio de naturalização.33

Pontes de Miranda também entendia que a adoção não tinha consequência sobre a nacionalidade, o que evitava influências das relações de direito privado nos laços de direito público: “Se a regra de um Estado que confere a nacionalidade em virtude da adoção pelo nacional é criticável, mais ainda o é a que dá à adoção pelo estrangeiro a consequência da perda da nacionalidade do adotado.”34 Acentue-se que esse texto, publicado antes das obras mencionadas, é anterior à atual legislação brasileira e ao posicionamento do instituto da adoção no contexto internacional. Salientemos, outrossim, que o pensamento exposto por esse autor ocorreu sob a égide de outra Constituição e de outra época. O direito de família é um dos ramos do Direito que mais sofre modificações diante dos desdobramentos dos institutos e das próprias relações na sociedade que se desenvolvem com o tempo.

Não obstante esses respeitáveis posicionamentos, entendemos convictamente que a filiação por adoção deve ser fonte de nacionalidade primária, especialmente no Brasil, à luz do § 6º35 do art. 227 da Constituição Federal de 1988, que proíbe distinção entre filhos biológicos e adotivos. Convém lembrar, contudo, que o art. 52-C do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990),

acrescentado pela Lei n. 12.010, de 03 de agosto de 2009, preceitua: “Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório” (grifo acrescido). Trata-se, em nossa opinião, de dispositivo inconstitucional.

Embora a atribuição da nacionalidade originária brasileira ocorra, em princípio, pelo jus soli, ela é também recepcionada pelo jus sanguinis, como analisado em segmento próprio desta obra. Nosso ordenamento jurídico, por força da Emenda Constitucional n. 54, de 20 de setembro de 2007, reintegrou na legislação do País o registro consular como suficiente para atribuir a condição de brasileiro nato. A Emenda deu nova redação à alínea c do inciso I do artigo 12 da Constituição Federal, com o que são brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira”. Assim, uma vez registrado em consulado ou embaixada brasileira no exterior, o filho, nascido no exterior, adotado por cidadão(s) brasileiro(s), teria assegurada a nacionalidade brasileira nata.

O não reconhecimento da nacionalidade brasileira originária a estrangeiro adotado por brasileiro – possibilitando-lhe acesso apenas à condição de brasileiro naturalizado – colocaria essa criança em situação de inferioridade em relação aos irmãos consanguíneos: ela não poderá ser reconhecida como brasileira nata, direito fundamental acessível aos irmãos, ainda que todos eles (adotado e filhos naturais) tenham nascido no mesmo país estrangeiro. Isso configuraria, em nosso entendimento, flagrante

inconstitucionalidade, por contrariar o § 6º do artigo 227 da Carta Magna vigente, discriminando filhos

de brasileiros.

Em consonância com nosso entendimento, já exposto em edições anteriores deste livro, desde março de 2013, as Embaixadas e Consulados brasileiros no exterior foram autorizados a lavrar o registro de nascimento de filho adotado, nascido no exterior, de cidadão brasileiro, uma vez preenchidos os requisitos legais. Assim, nos termos do Manual do Serviço Consular e Jurídico, que consiste no Regulamento Consular brasileiro (Portaria n. 457, de 02.08.2010), a autoridade consular deverá lavrar o registro consular de nascimento de filhos adotados no exterior por cidadão(s) brasileiro(s), desde que seja apresentada a carta de sentença de homologação, pelo STJ, da sentença estrangeira de adoção, bem como os demais documentos necessários para a lavratura de registro consular de nascimento.

Das reflexões aportadas, infere-se que adoção e nacionalidade têm forte ponto de convergência, podendo-se afirmar que a primeira conduz irreversivelmente à segunda: a adoção torna a criança ou adolescente nacional do Estado dos seus adotantes. Ademais, ambas têm seus fundamentos em uma solidariedade de interesses e de sentimentos. Nesse contexto, o Brasil, ao acolher o menor adotado como filho sem qualquer distinção dos nascidos da relação de casamento ou análoga, reconhece a aquisição da nacionalidade brasileira aos adotados por brasileiro, incluindo-se menores estrangeiros. Por fim, cabe enfatizar que, segundo a legislação brasileira, a criança posta em adoção internacional jamais perde, por esse ato, a nacionalidade decorrente do fato de haver nascido no Brasil. Embora seja cancelado o assento original, no novo registro que se lavra em nome dos adotantes, os dados objetivos do antigo registro são mantidos, tais como local, data e horário de nascimento. Trata-se de prerrogativa benéfica para o adotando, pois no futuro poderá, se lhe aprouver, retornar ao Brasil e aqui gozar plenamente dos direitos assegurados aos nacionais do País. Assim, os pais adotivos deverão ser orientados quanto à conveniência, para o interesse do menor adotado, de que seja efetuada sua matrícula

consular. A autoridade consular deverá, ainda, orientá-los no sentido de pleitear para o menor adotado a aquisição da nacionalidade dos pais.

13.13 Caso João Herbert

Fato ocorrido nos Estados Unidos em 2000 contradiz, em parte, o reconhecimento da nacionalidade pela adoção. O menino João Herbert, nascido no Brasil, foi adotado por família norte-americana aos sete anos de idade. Já com vinte anos completos, foi condenado pela justiça do estado de Ohio, acusado de venda de pequena quantidade de maconha a informante da polícia. Por tal motivo, seu processo de naturalização nos EUA foi suspenso em virtude dessa detenção.

Deportado pelos Estados Unidos, sem falar português e sem vínculos familiares ou afetivos no Brasil, enfrentou resistência inicial na concessão de passaporte brasileiro, por ser a adoção irrevogável em nossa legislação, documento posteriormente fornecido. Recorde-se que a atribuição da nacionalidade é prerrogativa de cada país e os EUA não a estendiam, na ocasião, à pessoa adotada por seus nacionais, procedimento inserido na ordem jurídica desse país em 2001.

Quanto à condição de brasileiro, João Herbert a mantinha. Ele retornou ao Brasil e trabalhou em cidade do interior paulista, onde também lecionou inglês. Sua história teve desfecho lamentável: foi assassinado em 2004, fato não totalmente esclarecido.