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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO “Os mais importantes autores brasileiros de Direito Internacional

15.4 Novos elementos de conexão

Percebe-se principalmente na legislação internacional que as normas conflituais passam a ser orientadas na busca de determinados objetivos materiais. A proteção do consumidor ou do trabalhador, por exemplo – ambos partes hipossuficientes na relação obrigacional – baseia-se nessa linha.

Em geral, as denominadas normas de conexão aberta têm sido usadas como corretivo das normas de conexão clássica.35 Embora indiretas, exigem um caráter material e tópico para sua concretização. Assim, refletem a disposição de tentar encontrar uma ligação entre um critério rígido e a solução flexível, isto é, aquela que toma em consideração as particularidades do caso e que, segundo Pocar,36 representa uma novidade nos sistemas continentais. Cita-se como exemplo de norma de conexão aberta o inciso 1º do artigo 4º da Convenção de Roma de 1980, o qual determina a aplicação da lei do país com o qual apresente conexão mais estreita, quando a lei não houver sido escolhida nos termos do artigo anterior, admitindo-se excepcionalmente o dépeçage do contrato, nos casos em que as partes desse contrato possam dispor de conexões mais próximas com leis de Estados diferentes. Assim, a Convenção visivelmente adere ao princípio da proximidade, mediante o qual uma relação jurídica deve ser regida pela lei do país com o qual ela mantém os vínculos mais estreitos.

O conceito de conexão mais estreita é, por si só, muito amplo e passível de diversas concretizações, o que dificilmente se adapta às necessidades de certeza, previsibilidade e uniformidade das decisões judiciais. Assim, procurando estabelecer um critério orientador, sem restringir a flexibilidade da norma, o legislador da Convenção de Roma estabeleceu, nos incisos 2º, 3º e 4º do artigo 4º, presunções sobre a conexão mais estreita, sendo aquela prevista no inciso 2º a regra geral e as previstas nos incisos 3º e 4º as presunções aplicáveis a contratos específicos, referentes a imóveis e transportes de mercadorias. Apesar de o legislador comunitário se socorrer com uma frequência cada vez maior da noção de relação estreita ou de outras noções sinônimas, ainda não existe consenso, nem nos ordenamentos jurídicos nacionais quando procedem à transposição das diretivas para o direito interno nem na doutrina, de qual seja a verdadeira concretização que deva ser dada a esse conceito, por enquanto ainda muito vago.37

Outra regra de conexão de caráter aberto é a da prestação característica. Afirma-se que essa prestação característica foi a solução que se impôs, por sua simplicidade ou por motivos socioeconômicos, uma vez que, na economia monetária, uma das prestações contratuais consiste no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, que em nada se distingue de outras prestações

monetárias similares cumpridas em outros contratos, ainda que sejam de tipo diferente. Batiffol refere outra decisão da Corte suíça, de 1952, que estabelece como lei aplicável ao contrato a do local de execução da prestação característica da obrigação, a fim de solucionar a diversidade de leis passíveis de aplicação, em virtude da lex loci executionis.38 Ora, sendo a outra prestação não monetária a que permite distinguir os contratos entre si e a que exprime a sua função econômica, entende-se que será essa prestação – a que caracteriza o contrato – que determinará qual a lei que lhe será aplicável. Contudo, esse critério de conexão não deixa de sofrer críticas, como de ausência de segurança jurídica, pois em alguns casos torna-se extremamente difícil determinar a prestação característica de um contrato.39

Refere-se que tais conexões abertas são também denominadas de cláusulas escapatórias ou de

exceção, no sentido de que funcionam para corrigir eventuais falhas dos resultados práticos. Assim, deve

ser salientado o caráter excepcional de tal solução, revelando a existência de conexões muito fracas com o ordenamento jurídico designado pela norma de conflito clássica. Dessa forma, a atuação da cláusula de

exceção somente ocorre ao verificar-se, em concreto, as circunstâncias da causa, o que implica ao

intérprete levar em consideração todas as particularidades de cada caso.40

Com relação ao desenvolvimento das cláusulas de conexão aberta nos países do common law, deve- se referir que, a partir do século XIX e em decorrência do desenvolvimento do comércio internacional, os tribunais ingleses passaram a permitir a utilização do princípio da autonomia da vontade na escolha da lei aplicável. Assim, desenvolveram um princípio que ficou conhecido como proper law, no sentido de que, na ausência de definição da vontade das partes para indicar a lei aplicável, deveria o juiz presumi-la. Para a doutrina inglesa, as partes contratavam sempre com uma lei em mente, cabendo aos tribunais descobri-la, diante do caso concreto.41

Portanto, acentue-se essa tendência recente de admitir como último remédio, em caso de iniquidade flagrante, que provocaria a aplicação da regra de conflito ordinária, a intervenção de uma cláusula de exceção permitindo ao juiz retificar a falha (art. 4º, inc. 5º, da Convenção de Roma). Essa rigidez do método bilateral demonstra que se tem partido de uma concepção classificada como automática e mecânica das leis a uma concepção regulatória das relações jurídicas internacionais.42

Quanto à aplicação da lei mais favorável, Haroldo Valladão afirma tratar-se de regra muito antiga e restrita no âmbito do DIPr, mas que tem tomado vulto e amplitude na atualidade. Constitui um elemento de conexão bastante original, pois parte de uma comparação substancial entre a lei do país onde se levanta a questão, habitualmente a lei do foro, a lei nacional e a lei ou leis estrangeiras que a impregnaram. Conclui-se pela aplicação da lei que for mais favorável, seja à validade do ato, ao menor, ao incapaz, ao filho, ao pupilo, ao alimentado, ao devedor ou ao herdeiro legítimo. Refere, ainda, ter tido o princípio ampla aceitação no Direito Internacional Privado de Família.43

No entanto, a busca da conexão que se evidencie mais favorável ao consumidor em uma pluralidade de opções é, por vezes, difícil tarefa ao magistrado. Com efeito, não se consegue, in abstracto, definir qual deve ser essa lei, sendo possível fazê-lo apenas perante o caso concreto.44

Elsa Dias de Oliveira reforça o argumento sobre a complexidade da escolha da lei mais favorável, em virtude do método de comparação a ser seguido. A autora questiona se a escolha deve ser feita a partir de uma comparação entre normas isoladas, mas relacionadas com a situação em análise, ou se a comparação deve assumir um aspecto mais amplo ou global. Pondera que o método global apresenta o risco de ser compreendido como uma desnecessária comparação entre a totalidade dos dois ordenamentos jurídicos envolvidos. Além disso, o método de comparação global pode significar a renúncia a uma ponderação abstrata das normas envolvidas, o que também é importante. Porém, a comparação regra a regra pode levar o intérprete a perder o enquadramento da estrutura ampla na qual

essas normas se inserem, podendo levar a conclusões distintas da realidade jurídica em discussão.45 Nesse contexto, Alfred Overbeck refere que as soluções inspiradas em preocupações materiais são de três ordens: a) as regras de conflito podem ser formuladas de maneira a aplicar a lei mais familiar à pessoa que querem proteger; b) pode ser aplicada a lei que determine o resultado almejado, como a manutenção de um contrato, o estabelecimento de uma filiação ou a validade de um testamento; ou c) pode-se deixar maior amplitude para as próprias partes envolvidas determinarem, elas mesmas, a lei aplicável.46

Ancel e Lequette, por outro lado, analisando a validade do reconhecimento de paternidade ou maternidade, apresentam outra classificação tripartite sobre normas conflituais de caráter material, tendo como ponto de partida, respectivamente, a opção do legislador, a atuação do magistrado ante uma pluralidade de legislações, ou uma regra que leve em consideração outras normas.47

Portanto, a regra é diretamente substancial quando visa à proteção de uma categoria de pessoas reputadas em situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, a dicção do Código Civil francês sobre alimentos, em que a lei que rege a obrigação de prestá-los pode ser tanto a da residência do alimentando como a da residência do devedor, à escolha do primeiro. Os trabalhadores e os consumidores são igualmente beneficiados por essa técnica subsidiária. Na Convenção de Roma, por exemplo, isso é feito pela combinação de uma conexão imperativa – residência habitual do consumidor – e de uma possibilidade de derrogação, pela autonomia da vontade, em favor da pessoa a ser protegida.48

Dessa forma, uma possibilidade evidencia-se por intermédio de um elenco de critérios objetivos de conexão, alternativamente dispostos. Segundo Overbeck, a conexão alternativa mais difundida apresenta- se com relação à forma dos atos jurídicos.49 O princípio locus regit actum50 encontra-se geralmente admitido de forma facultativa, isto é, pode-se observar a lei local ou a lei que rege a substância do ato. Assim, pode ser aplicável, por exemplo, a lei do lugar de conclusão do ato, ou, ainda, em matéria contratual, a lei escolhida pelas partes. Outro exemplo trazido pela doutrina refere-se à Convenção de Haia, de 1961, sobre o conflito de lei em matéria da forma das disposições testamentárias, prevendo numerosas alternativas no espaço e no tempo.

Por fim, refere-se à técnica das conexões alternativas, nas quais é indicada mais de uma lei na norma de conflito, sendo dada preferência àquela que assegura determinado resultado material que se pretende obter, sem dúvida de especial interesse na defesa da parte mais fraca na relação obrigacional. Nesse sentido, defendendo as conexões alternativas para a defesa do consumidor na relação contratual, Javier Toniollo posiciona-se no sentido de que é preciso partir sempre da residência habitual do consumidor. Deve ainda ser oferecida ao consumidor a possibilidade de optar pela lei do estabelecimento principal ou residência do provedor.51