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TEORIA DAS QUALIFICAÇÕES

5.4 Casos clássicos

o testamento hológrafo do holandês e o casamento do grego ortodoxo.

A sucessão do maltês refere-se a casamento ocorrido na ilha de Malta, sem pacto antenupcial, onde os noivos se estabeleceram. O casal emigrou para a Argélia, então sob legislação francesa, onde o marido faleceu, em 1889, sem descendentes, mas deixando muitos bens imóveis e outros herdeiros.

A viúva maltesa nada herdaria pela lei francesa, mas seria contemplada com a quarta parte dos bens se fosse aplicada a legislação vigente em Malta. Bartin, seu advogado, defendeu perante o Tribunal de Argel a tese de que a solução se encontrava no direito de família, devendo ser buscada no regime matrimonial de bens (para o qual ao casamento de estrangeiros, celebrado no estrangeiro, se aplicava a lei do primeiro domicílio conjugal). Portanto, a lei maltesa.

Se o tribunal colocasse a lide no direito sucessório, a legislação aplicável seria a francesa, pois a sucessão de bens imóveis era regulada pela lei da situação dos mesmos e estes se encontravam na Argélia. Tratava-se, pois, de um caso de qualificação: direito de família ou direito sucessório. Venceu a tese de Bartin, recebendo a viúva a sua parte.9

O testamento hológrafo do holandês, que protagonizou interessante lide envolvendo a qualificação, diz respeito a cidadão dos Países Baixos que faleceu na França, onde viveu a maior parte de sua vida, deixando testamento hológrafo (testamento particular, proibido no ordenamento jurídico holandês, mas admitido pela legislação francesa).

A validade do testamento pelo tribunal francês dependia da qualificação: estatuto pessoal ou forma

dos atos jurídicos. No primeiro caso, o testamento seria nulo, pois o holandês não teria capacidade para

assiná-lo, mesmo fora de seu país. Na última hipótese, o documento teria plena validade, já que em matéria de forma a lei aplicável é a do local da realização do ato jurídico. A Justiça francesa entendeu que prevalecia a forma do ato, tendo o testamento produzido seus efeitos quanto ao patrimônio situado na França. Ressalte-se que eventuais bens situados na Holanda não seriam contemplados pelo testamento.10

O casamento de grego ortodoxo, realizado civilmente na França, com mulher francesa, sem a cerimônia religiosa obrigatória pela legislação grega (revogada somente em 1982), ensejou um problema de qualificação: condição de fundo ou condição de forma. Se a exigência da celebração religiosa se enquadrasse no primeiro caso, o casamento seria nulo, pois a lei francesa submete a validade das núpcias à lei nacional dos cônjuges. No último caso, condição de forma, a lei francesa seria aplicável e o casamento seria válido. Prevaleceu a forma, tendo a Justiça francesa reconhecido a validade do matrimônio, lembrando-se de que o casal tinha seu domicílio nesse país.

Quanto aos tratados internacionais, ultimamente procura-se definir com precisão o objeto de conexão de suas normas, evitando-se assim a necessidade de qualificação.

5.5 Questões prévias

As questões prévias ou incidentais são situações que surgem após a qualificação – embora possam aparecer anteriormente ou mesmo durante o processo de qualificação –, mas que precisam ser resolvidas antes da solução concreta do caso. Assim, ações em que o cônjuge invoca a nulidade do casamento em defesa na ação de alimentos ou que alguém postula parte de herança sem ter qualquer laço familiar com o falecido implicam a análise da questão prévia para a solução da lide principal.11

Um exemplo formulado pelo professor Silvio Battello12 elucida o tema: imagine-se um casal homoafetivo, legalmente casado na Holanda (possível na legislação desse país, mas ainda não incorporado na lei brasileira, embora já aceito pelos nossos tribunais maiores), que se estabelece na Bahia, comprando um luxuoso hotel à beira-mar. Meses depois, efetivados seus domicílios no Brasil, um

deles falece, configurando-se um caso de DIPr.

Pela qualificação legal, o direito aplicável é o brasileiro, último domicílio do de cujus. O foro competente também é o brasileiro, uma vez que os imóveis estão localizados no território brasileiro. O cônjuge supérstite inicia ação de inventário e surge então a questão prévia: o casamento realizado na Holanda é válido no Brasil? Deve o magistrado brasileiro reconhecer ao cônjuge sobrevivente os direitos hereditários? Quais seriam esses direitos? Os do cônjuge em sentido estrito ou os direitos do companheiro na união estável?

No âmbito doutrinário, existem três alternativas possíveis: a) a solução pelo DIPr do foro; b) a solução pela aplicação da lei que rege a questão principal; c) a solução conforme os interesses do DIPr no caso concreto.

No direito positivo brasileiro, não há previsão para as questões prévias, que costumam surgir após a qualificação. Contudo, o artigo 8º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado (CIDIP II), assinada em Montevidéu, em 08 de maio de 1979, em vigor no Brasil desde 27 de dezembro de 1995 determina claramente: “As questões prévias, preliminares ou incidentes que surjam em decorrência de uma questão principal não devem necessariamente ser resolvidas de acordo com a lei que regula esta última.” Dessa forma, o juiz brasileiro deverá ponderar qual é a melhor solução e optar entre a aplicação do direito brasileiro (que ainda desconhece o matrimônio homoafetivo) ou a aplicação do direito holandês (que admite essa união). Ignorar o casamento, nesse caso, seria afastar da sucessão a pessoa diretamente envolvida na formação do acervo de bens.

RESUMO

5.1 Considerações iniciais

Qualificação: operação pela qual o juiz, antes de decidir, verifica a que instituição jurídica correspondem os fatos realmente provados. Diferenças de entendimento entre legislações de países distintos impõem a necessidade de qualificar. Exemplos de institutos controversos: Início da personalidade: a partir da concepção ou do nascimento? Vítima de trapaceiro: ilícito civil ou penal? Prazo de prescrição ou decadência? Conceituar + Classificar = Qualificar (equação proposta por Jacob Dolinger).

5.2 Teorias existentes

Existem dois critérios para a qualificação: Lex fori: proposta por Kahn (1891) e defendida por Bartin (1897) – a solução está em se aplicar a lei do foro, devendo o julgador qualificar o instituto com base em sua própria lei.

Lex causae: proposta por Despagnet (1898) e defendida por Wolff – opção pela lei estrangeira

aventada, lei material, lei da causa.

5.3 Qualificações no Brasil

Na doutrina brasileira predomina a qualificação pela lex fori. A legislação também optou pela lei

do foro, com exceção dos bens e das obrigações, que são qualificados pela lex causae (arts. 8º e 9º da

5.4 Casos clássicos

São considerados clássicos no estudo da Teoria das Qualificações: a sucessão do maltês, o testamento hológrafo do holandês e o casamento do grego ortodoxo.