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“O fato interjurisdicional não tem direito próprio que lhe seja automática e previamente aplicável” (Osíris Rocha).

6.1 Considerações iniciais

Conexão significa ligação, união, ponte, encontro, vínculo, entroncamento, nexo, ponto comum.

Podemos entender elemento de conexão como a parte da norma de Direito Internacional Privado que determina o direito aplicável, seja o nacional (do julgador), seja o estrangeiro.

De vital importância na solução dos conflitos de leis no espaço, os elementos de conexão são estudados nos manuais de Direito Internacional Privado, sob esse título ou como circunstâncias de conexão, pontos de contato, pontos de conexão, regras de conexão ou simplesmente conexões. As obras em espanhol empregam puntos de conexión; em francês, points de rattachement; em italiano, momenti di

collegamento; e em inglês usa-se points of contact ou connecting factor.

Preliminarmente, cabe distinguir que a norma de DIPr contém três partes: objeto, elemento e

consequência jurídica. O objeto de conexão é a matéria a que se refere uma norma indicativa ou indireta

de Direito Internacional Privado, ocupando-se de questões jurídicas vinculadas a fatos ou elementos de fatores sociais com conexão internacional – como capacidade jurídica, nome de uma pessoa ou pretensões jurídicas decorrentes, por exemplo, de acidente de carro. O elemento de conexão é a parte que torna possível a determinação do direito aplicável – nacionalidade, domicílio e lex fori.1 Por fim, a consequência jurídica, que nem sempre é escrita, podendo ser subentendida, é a aplicação de um direito material. Nesse contexto, o objeto de conexão pode ser comparado ao tipo da norma penal (matar alguém), o elemento com o resultado imediato desse ato ilícito (levar seu agente a julgamento) e a consequência à aplicação de uma regra (pena: reclusão de seis a vinte anos).

A busca de composição de uma lide com conexão internacional se inicia com o julgador enquadrando os fatos controversos, alegados e provados, no objeto de conexão da norma adequada ao caso concreto, ou seja, qualificando-os, conforme estudado no capítulo anterior. Conhecida essa norma, o elemento de conexão indicará o direito aplicável: o jus fori ou o direito estrangeiro. A consequência será a aplicação dessa legislação. Exemplo: “A sucessão por morte ou por ausência [objeto de conexão – requer qualificação] obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido

[elemento de conexão – domicílio], qualquer que seja a natureza e a situação dos bens” (art. 10, caput, da LINDB). Ainda: “Para qualificar e reger as obrigações [objeto de conexão – qualificação], aplicar- se-á a lei do país em que se constituírem [elemento de conexão – lex loci celebrationis]” (art. 9º, caput, da LINDB). Em ambos os casos, a consequência jurídica será a aplicação do direito assim indicado.

6.2 Classes de elementos de conexão

A rigor, a escolha do elemento de conexão está condicionada ao interesse do legislador, razão pela qual não há um número preciso desses fatores indicativos nem de sua natureza. De qualquer forma, analisando-se as conexões presentes nas ordens jurídicas e na doutrina dos vários países, é possível

apresentar uma classificação. Optamos por agrupá-los por características comuns, entendendo ser essa a forma mais adequada ao aprendizado: a) Pessoais: nacionalidade, domicílio, residência (habitual e simples), origem e religião; b) Reais: lei da situação da coisa (lex rei sitae ou lex situs, obrigatória para os bens imóveis), lugar da aquisição e domicílio ou nacionalidade do proprietário (mobilia sequuntur personam); c) Reais de natureza especial: lei do pavilhão (navios ou aeronaves), lugar em que se encontra, lei do destino, lugar da partida, local do registro e domicílio ou nacionalidade do proprietário; d) Delituais ou penais: lugar do ilícito (lex delicti commissi), domicílio ou nacionalidade do infrator ou da vítima, natureza da infração e lei do dano (lex damni); e) Voluntários: lei do lugar da celebração (lex loci celebrationis), do lugar da execução (lex loci executionis) e autonomia da vontade (lex voluntatis); f) Normativos: lex fori, lex causae (que abarca todas as normas de conexão que não são lex fori) e lei mais favorável. Essa última compreende pelo menos cinco tipos: favor infans (lei mais favorável ao menor), favor negotii (valida ato ou contrato), favor matrimonii (manutenção do vínculo conjugal), favor laesi (pessoa que sofreu dano) e lei favorável ao consumidor; g) Processuais: forum rei sitae, forum conexitatis (juiz do principal se estende ao acessório), forum reciprocitatis, forum efectitatis e forum voluntatis (autonomia da vontade).

Poder-se-ia acrescentar, ainda, outras formas de conexão, presentes em alguns sistemas jurídicos, como no Common Law, que utiliza, por exemplo, the proper law of contract – sistema jurídico com o qual o contrato tem conexão mais próxima.

Também se verifica a presença de conexões alternativas, subsidiárias, cumulativas ou múltiplas, propiciando a aplicação de mais de uma ordem jurídica à determinada questão, principalmente em benefício das partes.2

– Subsidiária: é a conexão empregada quando a anterior é impraticável (aplica-se no contrato a lei do lugar em que ele deve ser cumprido, mas se esse lugar não pode ser determinado usa-se o da celebração).

– Alternativa: ocorre quando os pontos possíveis são da mesma hierarquia e podem ser usados indistintamente (estrangeiro fora de sua pátria pode testar pela lei do lugar onde outorga o testamento ou pela lei da sua nacionalidade).

– Cumulativa: requer coincidência entre ambas as leis indicadas (a hipoteca legal permitida aos incapazes só terá efeito quando a lei do Estado no qual se exerce o cargo de tutor ou curador coincida com a do lugar em que estão situados os bens afetados por essa hipoteca).

– Múltipla: caso de um contrato que pode comportar vários pontos de ligação em uma mesma relação jurídica (autonomia da vontade, lugar da celebração, lugar da execução etc.).

6.3 Conexões pessoais

As conexões centradas na pessoa geram a primazia de dois fatores, o domicílio e a nacionalidade, os quais solucionam a ampla maioria dos problemas de Direito Internacional Privado. Os ordenamentos jurídicos costumam adotar um ou outro desses elementos de conexão, substituindo o domicílio, quando não identificado, pela residência.

Entre os elementos de conexão de caráter pessoal encontramos, ainda, a religião, a origem e os costumes tribais, especialmente em matéria de estatuto pessoal e direitos de casamento e de sucessões. A

religião é elemento de conexão aplicável em diversos países, de modo especial nos Estados islâmicos, como o Irã; a origem é usada em determinados cantões suíços; e o costume tribal, em alguns países da África. 6.3.1 Domicílio Trata-se do elemento de conexão adotado pelo Brasil, com a vigente Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Defendido por Teixeira de Freitas, seguindo o pensamento de Savigny, é a conexão predominante na maioria dos ordenamentos jurídicos, inclusive na América Latina. Concordamos com essa opção por ser o domicílio adequado ao encontro da melhor justiça, objetivo norteador do Direito Internacional Privado.

O conceito de domicílio é variável. No Brasil, considera-se domicílio o local em que a pessoa se estabelece com ânimo definitivo (elementos objetivo e subjetivo), podendo ser domicílio voluntário ou necessário (CC/2002, arts. 70 a 78).

Outros ordenamentos jurídicos definem o domicílio como simples residência, como residência habitual, sede principal dos negócios e interesses, lugar do principal estabelecimento (comércio), domicílio de origem (o dos pais quando a pessoa nasceu) e home (onde se localiza o lar), no direito inglês.

Quanto à pluralidade de domicílios, situação hoje bastante comum, deve-se dar preferência sucessivamente ao domicílio: a) nacional; b) legal (em detrimento do voluntário); c) que coincida com a residência. O art. 26 do Código Bustamante estabelece que o domicílio da pessoa que não o tem é o lugar de sua residência ou aquele em que ela se encontra. A esse adômide aplica-se a lex fori.

6.3.2 Nacionalidade

Recordemos, preambularmente, que nacionalidade é o vínculo jurídico que une a pessoa ao Estado,

cidadania, o vínculo político (gozo desse direito pelo nacional) e naturalidade é o simples vínculo

territorial pelo nascimento. Não poderá, por óbvio, existir cidadania sem nacionalidade, já que esta, mais abrangente, engloba aquela. Por outro lado, a perda da cidadania não retira a nacionalidade.

Neste momento do nosso estudo, interessa considerar a nacionalidade como elemento de conexão, não sendo tão relevantes os postulados do direito constitucional (direitos e obrigações), e sim tomá-la como referência, a exemplo do domicílio, da situação da coisa ou do lugar do delito.

Como circunstância de conexão, a nacionalidade é definida pela lex fori, que se pode basear no direito constitucional do estrangeiro, no do foro, no do lugar do nascimento da parte interessada ou de seu pai, ou, ainda, o critério que parecer lógico, contanto que se proceda à qualificação. Daí por que mesmo o anacional ou apátrida poderá utilizar-se desse elemento de conexão, por sua última nacionalidade, seu domicílio, residência habitual ou lex fori.

Já quanto ao plurinacional, cada vez mais frequente nestes tempos de intercâmbio, dá-se preferência momentânea a uma das nacionalidades: a local, a do nascimento, a última nacionalidade que ele adquiriu ou aquela em que o interessado tem relações mais estreitas.

A nacionalidade é elemento de conexão de grande evidência em virtude de ser adotado pelos países da Europa e de outros continentes. Historicamente, também era imposta pelas grandes potências imperialistas às nações periféricas, por meio dos chamados “tratados desiguais”.

No Brasil, a nacionalidade foi a conexão usada na Introdução ao Código Civil de 1916, sendo substituída pelo domicílio com o advento da Lei de Introdução ao Código Civil, no ano de 1942, em

plena Segunda Guerra Mundial. Os defensores da nacionalidade, como conexão, acentuam a maior dificuldade de sua mudança do que a do domicílio, prestando-se, portanto, esse último elemento muitas vezes para alterações fraudulentas.

6.4 Conexões reais

6.4.1 Lex rei sitae

O local da situação da coisa é o elemento de conexão aplicado aos imóveis, sendo aceito quase universalmente, inclusive no direito positivo interno. Assim, no artigo 8º da LINDB temos: “Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.” Seu objeto de conexão é o regime jurídico geral dos bens (aquisição, posse, disposição, direitos reais).

6.5 Conexões voluntárias

O lugar da execução do contrato é um elemento de conexão adotado em quase todas as legislações. Seu emprego é muito antigo, retroagindo a Bartolo, principalmente para os casos de negligência e mora. O lugar da constituição das obrigações está inserido em nosso direito positivo (art. 9º da LINDB). Também foi empregado desde os pós-glosadores, encontrando-se, no século XIV, nos postulados do pai do DIPr. Ademais, sua aplicação é ampla no direito das obrigações. 6.5.1 Autonomia da vontade

Embora os ordenamentos jurídicos anteponham limites à vontade humana, na esfera do Direito Internacional Privado vem se acentuando o reconhecimento da autonomia da vontade, formulada por Charles Dumoulin no século XVI, como elemento de conexão. Adotada já nos primórdios da disciplina e presente em convenções internacionais e normas internas, a faculdade de opção pela lei competente é uma realidade, de modo especial no conteúdo e efeitos de obrigações contratuais e no regime de bens no casamento.3

A doutrina e a jurisprudência admitem que contratos realizados no estrangeiro, com indicação da lei brasileira a ser observada, são plenamente válidos. A Introdução ao Código Civil de 1916 permitia entender-se aceita a autonomia da vontade, pois prescrevia, no caput do artigo 13, a regulação das obrigações, quanto à substância e aos seus efeitos, pela lei do lugar em que fossem contraídas, salvo

estipulação em contrário. A supressão dessa expressão pela LICC, em 1942, significa para alguns

autores que os contratantes não podem dispor de sua vontade, enquanto outros afirmam que o silêncio da nova norma mantém o princípio jurídico até então admitido.

Nadia de Araújo, defensora da autonomia da vontade, reconhece que a não menção do princípio pela Lei de 1942 torna-o proibido. Recomenda, então, cautela na redação dessa cláusula em contrato internacional, porque os tribunais brasileiros não tratam diretamente da questão nem aceitam o entendimento doutrinário favorável à autonomia da vontade.4

Agenor Andrade lembra as vantagens do instituto no DIPr: existência de uma lei competente para reger o ato jurídico (a escolhida pelas partes) e aplicação ao contrato todo (disposições imperativas e supletivas) do direito escolhido pelos contratantes.5 Sentimos a tendência de aceitação da autonomia da vontade nos ordenamentos jurídicos, inclusive brasileiro, com reais proveitos para os contratos e como

elemento de conexão. Reconhecemos, contudo, que persistirão limites à liberdade absoluta, especialmente em relação às normas coativas.

RESUMO