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FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

“A complexidade dos problemas versados pelo Direito Internacional Privado conduz a uma variedade de fontes produtoras de regras que visam indicar soluções, umas mais, outras menos eficazes” (Jacob Dolinger).

4.1 Considerações iniciais

Lembremos, inicialmente, que as fontes do Direito podem ser materiais – fatores sociológicos, econômicos e culturais, entre outros, que conduzem à instituição da norma jurídica – e formais – as regras jurídicas elaboradas por processo legislativo, os costumes, a analogia e os princípios gerais do Direito. As primeiras são fontes de inspiração e as segundas, de vigência do Direito. Neste estudo, interessa referir as fontes formais do Direito Internacional Privado, que não se afastam substancialmente das dos demais ramos das ciências jurídicas.

Os estudiosos divergem quanto às fontes, mas em essência as classificam em fontes internas – as leis de cada país – e fontes externas – os tratados. Nos dois polos encontramos os costumes, a doutrina e a jurisprudência.

Cada tratadista dispõe as fontes da maneira que lhe parece adequada, enfatizando a maior importância desta ou daquela. No entanto, existe um consenso, verificado na leitura de autores brasileiros e estrangeiros: o de que é a lei a fonte principal do DIPr.

Haroldo Valladão, ao se referir aos sistemas de produção jurídica, em DIPr e nos demais ramos do Direito, observou que ela varia conforme a necessidade de emprego em cada espécie: em matérias

clássicas, codificadas, predomina a lei; nas modernas e contemporâneas, os tratados; nas menos legisladas cresce a influência da jurisprudência e da doutrina; enquanto nas que acatam a autonomia da

vontade os acordos e convenções são as fontes mais importantes.1

Após estudar diversas classificações de fontes, Strenger as hierarquiza desta forma: lei interna, tratados normativos, costume interno, jurisprudência e doutrina.2 De nossa parte, preferimos classificar as fontes do DIPr na seguinte ordem: lei, tratados, doutrina, jurisprudência e costumes.

4.2 Lei

Como referido, a lei é a principal fonte do Direito Internacional Privado na maioria dos países, encontrada em seus Códigos Civis ou em leis especiais. No Brasil, ela detém essa primazia como fonte de DIPr, contida em várias normas jurídicas.

Na Lei Magna de 1988, temos postulados referentes aos estrangeiros nos arts. 5º, 12, 14 e 22, bem como sobre extradição (art. 102, I, g) e sobre homologação de sentença estrangeira (art. 105, I, i). No Código Tributário Nacional (arts. 98 e 100), Código de Processo Civil (arts. 88 e 337), Código Civil de 1916 e Código Civil de 2002 existem dispositivos de Direito Internacional Privado. Contudo, a maioria das normas sobre o conflito de leis no espaço se encontra na Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, em seus arts. 7º a 19. Como é sabido, essa lei teve sua denominação alterada para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), pela Lei n. 12.376, de 31 de dezembro de 2010. O Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, atualizada pela Lei n. 6.964/81) segue-se à LINDB

em importância no ordenamento jurídico brasileiro, com amplo e rico conjunto de normas de DIPr.

4.3 Tratados

Na impossibilidade de uma lei supranacional com poder de coerção sobre os países, os tratados assumem excepcional importância, que tende a crescer com o aumento das relações internacionais.

Uma vez aprovado pelas partes signatárias e promulgado, passa o tratado a ter força de lei. A sua natureza jurídica, a partir de então, é dupla, pois obriga tanto internamente quanto no plano

internacional.

No Brasil, de modo geral, o tratado deve ser aprovado pelo Legislativo e promulgado pelo

Presidente da República, necessitando, ainda, para sua vigência, de troca de cartas de ratificação.

A forma escrita é obrigatória nos tratados, os quais ocorrem entre dois ou mais Estados soberanos e visam a um fim específico ou ao estabelecimento de normas para conduzir assuntos que implicam relações jurídicas entre seus respectivos cidadãos. Seu objeto deve ser lícito e possível e os agentes signatários são chamados de plenipotenciários.

Os tratados recebem denominações diversas, nem sempre com uma razão jurídica: Convenção (institui normas gerais), Declaração (cria princípios gerais), Pacto (ato solene), Acordo (fins econômico-financeiros ou culturais), Concordata (envolve a Santa Sé), Modus vivendi (acordo temporário), Protocolo (ata de conferência ou complemento de tratado já existente) e Acordo por Troca

de notas (quando encobre matéria administrativa).

O tratado tem várias fases: negociação, entendimentos, assinatura, ratificação, promulgação,

publicação e registro. A extinção ocorre por perda do objeto, denúncia unilateral, comum acordo, caducidade e guerra.

Todo tratado deve estar ajustado aos preceitos constitucionais do país, situando-se, hierarquicamente, no caso do Brasil, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as nossas leis internas ordinárias.3 Assim, o Supremo Tribunal Federal já consagrou a teoria da paridade entre o tratado e a lei nacional, de modo que o tratado prevalece sobre as leis internas anteriores à sua promulgação.

Com a promulgação da EC n. 45/2004, a qual inseriu o § 3º no artigo 5º, determinou-se que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos quando forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. No entanto, resta a dúvida sobre qual status teriam os tratados internacionais sobre direitos humanos anteriores à referida emenda e os que não foram aprovados pelo quórum especial. Nesse contexto, segundo Gilmar Mendes, há discussão doutrinária e jurisprudencial sobre o status normativo dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, em razão do disposto no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, havia quatro principais correntes:

a) Natureza supraconstitucional: defendida por Celso de Albuquerque Mello, prega que normas internacionais ratificadas pelo Brasil acerca de direitos humanos não podem ser revogadas nem mesmo por emenda constitucional. No entanto, é uma teoria difícil de ser aceita em um Estado cujo sistema é regido pelo princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento

jurídico;

b) Natureza constitucional: essa teoria entende que o § 2º do artigo 5º da Constituição seria uma cláusula aberta de recepção de outros direitos em tratados internacionais relativos a direitos humanos, os quais também teriam status constitucional ao serem incorporados pelo nosso ordenamento. Assim, eventuais conflitos deveriam ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável à vítima. O principal defensor dessa tese é Antonio Augusto Cançado Trindade. No entanto, poder-se-ia depreender do § 3º do artigo 5º que os tratados já ratificados pelo Brasil e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação, bem como os tratados anteriores à EC n. 45/2004 não podem ser comparados às normas constitucionais;

c) Status de lei ordinária: após a EC n. 45/2004, essa tese perdeu sua força, pois prega que os tratados sobre direitos humanos são equivalentes às leis ordinárias, como os demais tratados internacionais;

d) Natureza supralegal: tese defendida por Gilmar Mendes, a qual afirma que os instrumentos convencionais sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, mas, diante de sua natureza especial em relação aos demais atos normativos internacionais, seriam dotados de caráter de supralegalidade, ou seja, não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor.4

O chamado Código de Direito Internacional Privado, mais conhecido por Código Bustamante, está internalizado em nossa ordem jurídica, constituindo-se, portanto, em fonte formal do DIPr brasileiro. Trata-se de bem elaborado projeto do diplomata e mestre internacionalista cubano Antonio Sanchez de Bustamante y Sirvén, aprovado, em 28 de fevereiro de 1928, por quinze Estados americanos,5 na Conferência Pan-Americana de Havana, e promulgado no Brasil em 13 de agosto de 1929 pelo Decreto n. 18.871.

São também fontes de DIPr no Brasil, entre outros tratados, o Estatuto Orgânico do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), de 1940; a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956; e as Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs), da Organização dos Estados Americanos (OEA), como as que se ocupam das Cartas Rogatórias e da Arbitragem Internacional (ambas de 1975), das Normas Gerais de DIPr (1979) e da Obrigação Alimentar (1989).

4.4 Doutrina

Afora a discussão sobre serem doutrina e jurisprudência fontes de direito, deve-se reconhecer a

notável importância da doutrina na solução de conflitos de leis no espaço, quando há omissão da lei e inexiste tratado. Mesmo convenções assinadas, mas não ratificadas ou promulgadas, oferecem subsídios

para os doutrinadores, em cuja obra o magistrado poderá encontrar a solução do conflito em julgamento. As conclusões dos especialistas, por serem fruto de estudo e reflexões elaboradas, sinalizam muitas vezes o futuro em qualquer área do conhecimento humano. Nas ciências jurídicas como um todo, e na área do DIPr em particular, a doutrina indica caminhos que conduzem a soluções adequadas e justas.

Ademais, no caso do Direito Internacional Privado, a doutrina influenciou ao longo do tempo a evolução da disciplina em todas as partes do mundo. Dolinger chega a afirmar que “em nenhum campo do direito a Doutrina tem tanta desenvoltura como no DIPr, em razão da parcimônia do legislador”, complementando: “Daí o amplo campo de ação e a relevância da obra do jurisconsulto, que tem liberdade de criar onde o legislador silenciou.”6 Acentue-se que a doutrina brasileira de DIPr é rica e

erudita, oferecendo valiosa contribuição ao julgador.

4.5 Jurisprudência

Vem-se constituindo em verdadeira fonte de Direito Internacional Privado. Embora no sistema jurídico do Brasil caiba ao magistrado interpretar o Direito na lei existente, ele pode, por vezes, ante as lacunas dessa norma e ausência de outras fontes, socorrer-se de julgados reiterados das Cortes maiores do País. Com isso, a jurisprudência nacional de DIPr assume gradativamente importância, bastando observar as decisões de nossos tribunais, muitas delas inseridas em alguns capítulos desta obra.

O intenso intercâmbio entre pessoas de diferentes países, firmando negócios, unindo-se por meio de casamentos, contratando pacotes turísticos e interagindo com pessoas das mais diversas nacionalidades, tem ocasionado o surgimento de litígios entre pessoas regidas por legislações diversas. As decisões a respeito de tais litígios, até pela natural semelhança decisória em casos análogos, já que muitos conflitos se repetem, acabam ensejando valiosos precedentes para o julgador.

A jurisprudência da Corte de Cassação, mais alto tribunal recursal da França, constitui-se na fonte essencial de DIPr7 desse país, havendo também na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos primazia da jurisprudência sobre as demais fontes de DIPr.

4.6 Costumes

Embora com emprego reduzido se comparados com as fontes anteriormente estudadas, os costumes oferecem solução para lides de DIPr quando nelas persistem lacunas. Tanto costumes internos quanto internacionais podem ser usados. Recorde-se que uma regra de direito costumeiro se forma, em qualquer desses planos, pelo uso prolongado e geral de prática considerada conveniente, justa, útil e adequada ao contexto social. A reiteração desse comportamento culmina, muitas vezes, com a convicção jurídica de se tratar de uma norma de direito.

O valor como fonte atribuído aos costumes varia de um país para outro. No Brasil, o direito costumeiro só se aplica na falta ou na omissão da lei, segundo reza a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

RESUMO

4.1 Considerações iniciais

As fontes são internas (leis de cada Estado) e externas (tratados). Em ambas as esferas a doutrina, a jurisprudência e os costumes.

4.2 Lei

A lei é a principal fonte do Direito Internacional Privado na maioria dos países e também no Brasil. A Constituição Federal de 1988, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (a mais importante

fonte), vários Códigos (Tributário, Civil, Processo Civil, Penal, Processo Penal) e o Estatuto do Estrangeiro.

Os tratados têm grande importância ante a ausência de leis supranacionais, possuindo natureza jurídica dupla: obrigam nos planos interno e internacional. Hierarquicamente, no caso do Brasil, o tratado está no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as nossas leis internas ordinárias. O tratado é aprovado pelo Legislativo e promulgado pelo Presidente da República. A forma escrita é obrigatória. Recebem várias denominações: Convenção, Declaração, Pacto, Protocolo etc. O Código Bustamante, o UNIDROIT e as Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs) são fontes de DIPr no Brasil.

4.4 Doutrina

Apresenta notável importância, especialmente quando há omissão da lei e inexiste tratado. A doutrina brasileira de DIPr é rica e erudita, contribuindo para a solução de inúmeras contendas.

4.5 Jurisprudência

Vem-se constituindo em verdadeira fonte de Direito Internacional Privado, assumindo, no Brasil, crescente relevância e possibilitando frequentes decisões de nossos tribunais. Trata-se da fonte mais importante na Grã-Bretanha, Estados Unidos e França.

4.6 Costumes

Reconhecidos como fonte de DIPr, os costumes podem ser no plano interno ou internacional. No Brasil, são empregados na falta ou na omissão da lei, conforme estabelece a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

QUESTÕES PROPOSTAS

1. Fazer um paralelo entre as fontes do DIPr e as dos demais ramos do Direito interno. 2. Tecer considerações sobre a fonte principal de Direito Internacional Privado no Brasil. 3. Apresentar a sua classificação das fontes de DIPr, justificando-a. 4. Por que os tratados são tão importantes como fonte de DIPr? 5. Defender o emprego da doutrina e da jurisprudência como fontes de DIPr. 6. Comentar sobre os costumes como fonte de Direito Internacional Privado no Brasil.

______________ 1 VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. v. I, p. 91. 2 STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. p. 70. 3 STF. ADI n. 1.480-3DF – 04.09.1997 – rel. Min. Celso de Mello – site do STF. Ainda: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. p. 305. 4 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. p. 654-671. 5 Aprovaram o Código Bustamante: Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Salvador e Venezuela. 6 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado (parte geral). p. 221. 7 BATIFFOL, Henri e LAGARDE, Paul. Traité de droit international privé. p. 32.