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216 217em 2002), mas sim com o espaço público de cultura, lazer e recreação do

O PROJETO PARA A BIENAL

216 217em 2002), mas sim com o espaço público de cultura, lazer e recreação do

Ibirapuera.

De par com as considerações sobre a escolha da fachada do pavilhão para a realização da obra, é preciso resgatar os significados daquele edifício no contex- to em que foi projetado. Tanto o parque quanto o pavilhão simbolizam os ves- tígios da celebração da cidade nos anos 1950, durante os quais São Paulo selava sua modernidade, metropolização e desenvolvimento. O parque foi inaugura- do em 21de agosto de 1954 como parte das comemorações do 4º Centenário da capital paulista, que vivia seu momento de efervescência cultural e econômica. “Os olhos do mundo estarão voltados para São Paulo”, dizia a frase estampada

na capa do boletim informativo n. 2 da Comissão do 4º Centenário, sinalizando que a São Paulo moderna e industrial queria se mostrar para o mundo.

Essa ambição internacional da cidade se confunde com a história da criação da Bienal de São Paulo, em 1951. Ao implementar uma bienal na cidade aos moldes da Bienal de Veneza, seu mentor, Francisco Matarazzo Sobrinho (mais conhecido como Ciccillo Matarazzo), vislumbrou um passo estratégico para a internacionalização tanto da arte brasileira como da ca- pital paulista. O mesmo Ciccillo foi convidado pelo então governador Lucas Nogueira Garcez para presidir a comissão das comemorações dos 400 anos da cidade, sendo responsável por planejar os eventos.245 O início dos festejos

em 12 de dezembro de 1953 coincidiu com a inauguração da 2ª Bienal, que já ocorreria no pavilhão, e que pré-inaugurou o parque (naquele instante, apenas dois dos pavilhões estavam concluídos).

O período da construção do pavilhão da bienal coincide, portanto, com a sedimentação do projeto moderno na arquitetura brasileira, impulsionado pelo poder público. Em entrevista à Fernanda Curi para o blog da Fundação Bienal, o arquiteto Carlos Lemos, colaborador da equipe de Niemeyer, confir- mou essa visão: “a partir daquele momento houve a aceitação definitiva da

245 Curi, Fernanda. 60 anos do Parque Ibirapuera, Blog da Bienal, 20 ago. 2014. Disponível em: <http:// www.bienal.org.br/post.php?i=1089>. Acesso em 31 out. 2017.

arquitetura moderna no país. As pessoas se referiam a ela como ‘Estilo Bienal’. Depois da criação do Ibirapuera, nenhuma outra obra pública ignorou o mo- derno na arquitetura”.246

Tudo isso só reforça o quão pertinente e significativo seria uma edição de- dicada a pensar a cidade, e a própria bienal, a partir de sua herança moder- nista, à luz da problemática urbana contemporânea. Nem São Paulo se fez tão moderna assim, nem a Bienal se identifica a priori como uma entidade local. Desde pelo menos a década de 1970, e mais intensamente a partir dos anos 1990, a capital paulista deixou para trás sua vocação industrial e passou a se reconfigurar como um híbrido, sobrepondo uma cidade de serviços à sua herança burguesa. Somado a esse processo, sob o impacto da economia global – qual seja, a do capitalismo transnacional e das novas tecnologias da informação e da comunicação –, o território urbano sofreu uma tal frag- mentação que os espaços de lugares foram aos poucos substituídos pelos espaços

de fluxos (conforme assim apontado por Manuel Castells no livro A sociedade em rede, já apresentado nesta tese).

De modo análogo, a Fundação Bienal – e, mais especificamente, o projeto modernista do Parque Ibirapuera e do Pavilhão das Indústrias –, que já nas- cera como plataforma internacional, parecia perder progressivamente seus vínculos com a cidade e o território, buscando se alinhar cada vez mais a uma rede transnacional virtual, no movimento da internacionalização da arte guiado pelo capitalismo global. Findada a década de 1990, aquela que consolidou a globalização da arte e da cidade, era preciso pensar suas conse- quências, incluindo aí a crítica ao projeto modernista no país como uma de suas decorrências.

Ao recuperar a memória do projeto arquitetônico do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Mano desvia o olhar sobre a arte – comumente praticado dentro do espaço expositivo legitimado como o da bienal – para um olhar sobre as questões arquiteturais impressas no projeto modernista e esquecidas tanto

pela instituição quanto pela curadoria daquela edição da bienal. vazadores representou, assim, uma desconstrução de códigos espaciais, reagindo aos conteúdos simbólicos presentes naquele exemplar da arquitetura moderna local. O deslocamento propiciado pela obra, ademais, abria um fosso entre as implicações vivenciais decorrentes do projeto modernista dos anos 1950 para aquela cidade e o projeto curatorial da 25ª Bienal, centrado na questão metropolitana. (O que será abordado mais à frente, nas análises que con- frontarão a concepção curatorial e a concepção do artista.)

No artigo publicado na revista Urbania, em 2006, Rubens coloca os termos da relação da sua obra com a arquitetura local:

A dimensão da arquitetura foi referência importante para o trabalho, uma vez que o edifício reitera a utopia modernista de sugerir uma in- tegração com seu entorno – visível na forma como está suspenso (sobre pilotis) e no uso da fachada de vidro, intensificando a relação interior/

exterior.247

Rubens parecia indicar que, mesmo apesar das intenções modernistas de Niemeyer, o uso que se fazia do espaço negaria a sua própria vocação integra- dora moderna (contrariada, inclusive, pela cobrança de ingresso, que limi- tava o alcance público de uma exposição daquela envergadura).248 Sabemos

que de fato a utopia desejada pela arquitetura moderna não se realizou, não só no complexo edificado do Ibirapuera, mas em muitos outros projetos, cul- minando com Brasília em 1960.249 A intervenção arquitetônica promovida

com vazadores escancara a contradição entre o edifício e seus usos, a distância entre o lugar e o lugar praticado, entre o programa arquitetônico moderno e o tipo de vida urbana que isso produziu na cidade.

247 Mano, op. cit., 2006b, p. 109.

248 O fim da cobrança de ingresso para as bienais de arte veio na edição seguinte, em 2004, a partir da qual a mostra tornou-se definitivamente gratuita.

249 O tema será objeto de investigação no Capítulo 4, a partir da obra futuro do pretérito.

De par com as implicações da obra quanto à historicidade moderna do edifí- cio, vazadores também pode ser entendido como uma obra-arquitetura. Ainda no ar- tigo de 2006, Rubens deixa claro sua consciência sobre o novo estatuto do traba- lho: “por pretender uma correspondência com o espaço construído e promover um diálogo com o ambiente urbano dentro do campo da arquitetura, considero que parte das ações realizadas também pode ser entendida como arquitetura”.250

De acordo com os pressupostos projetuais modernos, a modulação dos pilotis e a planta livre possibilitam uma liberdade para posicionar as aber- turas de um edifício; daí os desdobramentos da ampla utilização do pano de vidro, conhecido como um dos cinco pontos da arquitetura corbusiana. Num ideal de integração com a natureza e de permeabilidade entre os es- paços abertos e fechados, Niemeyer também empregou os fechamentos em vidro no Pavilhão das Indústrias. Rubens soube se apropriar desses elementos construtivos modernos para propor silenciosamente no lugar um atravessamento físico e simbólico daquele edifício. Utilizando-se de vidro e ferro para armar a estrutura do atravessamento do térreo, materiais idênticos aos da fachada original do prédio, o artista mimetizou a arquite- tura (fundindo obra e arquitetura) e anulou a fronteira que ela estabelecia entre a arte e a cidade (sendo a cidade figurada pelo espaço público do par- que municipal).

Na mimese com a arquitetura, o novo elemento construtivo proposto por Rubens na fachada do pavilhão levanta uma reflexão sobre as possi- bilidades e os limites da ação artística no tecido da cidade: de um lado, o próprio trabalho se colocava no limite entre arte e “não-arte”; de outro, a experiência do atravessamento no térreo pressupunha que o público já ti- vesse vivenciado a experiência dos fluxos na cidade. Trazer esse repertório significante do viver urbano na cidade era parte das intenções do artista.

A passagem de Mano apontava, assim, para o alargamento das reflexões propostas pela curadoria da 25ª Bienal, ao criar uma situação de enfrenta-

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