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212 213zação que marcasse o dispositivo como uma entrada ou saída da bienal, mas

O PROJETO PARA A BIENAL

212 213zação que marcasse o dispositivo como uma entrada ou saída da bienal, mas

quem o descobrisse poderia acessá-lo “extraoficialmente”.

A projeção da experiência do segundo atravessamento foi descrita pelo curador Agnaldo Farias no texto do catálogo:

Um dos módulos da caixilharia que perfaz a fachada menor do prédio da Bienal, aquela que é voltada para o interior do Parque Ibirapuera, projeta-se para fora. O transeunte, mesmo aquele desinteressado da exposição de arte contemporânea que estará acontecendo em seu in- terior, talvez estranhe aquela construção, talvez se aproxime dela, tal- vez a examine com cuidado, e quem sabe, note que o vidro que a fecha é móvel, que empurrando-o ele abrirá e terá acesso a um corredor que

o levará ao interior do prédio.240

De acordo com o projeto de Mano, as intervenções propostas se colocavam próximas de uma relação “fluida e discursiva” e procuravam “trazer uma re- flexão quanto às ‘impermanências’ da vida contemporânea, e um possível ‘amolecimento’ da superfície enrijecida de nossa realidade material”.241

O novo elemento construtivo, em vazadores, recupera um tipo de procedi- mento já comentado na prática de Mano: a subtração (tal como vimos em

casa verde, com o vazio central da demolição; em disponha, com a retirada de

parte da carroceria do veículo; ou ainda em bueiro, anulando o vazio com luz branca).242 Na proposição para a bienal, ambos os atravessamentos, mesmo

que em projeto, partiram da subtração de uma parcela da arquitetura – piso ou parede, para construir “negativamente” um segundo elemento no edifí-

240 Ibidem, p. 251.

241 Trecho do projeto original enviado à Fundação Bienal, datado de novembro de 2001. O projeto consta na documentação sobre a 25ª Bienal do Arquivo Wanda Svevo.

242 Podemos citar ainda outras obras não abordadas neste estudo, como espaço aberto/espaço fechado (fig. 32), uma fotografia do Pavilhão da Bienal, onde este se apresenta plenamente vazio, à espera de um evento, e as imagens da série puzzles, cujos espaços de anúncio comercial dos outdoors estão em branco, criando uma espécie de intervalo na paisagem urbana.

cio, quer estranho quer idêntico às qualidades materiais e estruturais destes. A operacionalidade subtrativa de Mano é interpretada pelo crítico Lay- mert dos Santos em termos de conectividade:

[…] todo espaço fechado, seja arquitetônico ou urbano, é um espaço aberto – basta perceber as suas conexões, não se ater ao corte de fluxo, mas restituir o corte ao próprio fluxo e descobrir ou redescobrir a sua fluência. Em todos esses casos, abrir o espaço significa abrir-se ao es-

paço da transformação, conectar-se nas conexões.243

Se em casa verde a construção negativa proporcionava uma espécie de miran- te – isto é, uma conexão visualmente construída, como se o atravessamento daquele lugar privado devolvesse a fluidez do espaço da cidade entre suas instâncias local (da rua) e metropolitana –, no vazador executado para a 25ª Bienal o artista promove um atravessamento físico e simbólico entre o mun- do da arte especializado e a vida prosaica de quem frequenta o parque (“va- zava-se” pessoas de um lado para o outro, ao mesmo tempo que “vazava-se” arte para o parque e vida urbana, para dentro da bienal).

Quatro anos após a sua participação na bienal, Mano publicou um texto na revista Urbania, em que analisa retrospectivamente as proposições para ambos os andares:

o projeto considerou a presença de dois “atravessamentos” nas estru- turas do edifício projetado por Oscar Niemeyer (Parque Ibirapuera). um físico, construído no andar térreo diretamente sobre uma das fachadas de vidro, e outro simbólico, projetado para o segundo andar do espaço expositivo – materializado somente através de uma maque- te eletrônica. […] enquanto o primeiro “atravessamento” (no térreo) oferecia-lhes uma experiência ligada ao movimento do próprio corpo,

questionadora da condição de agentes de uma determinada situação, o segundo trazia como horizonte uma reflexão quanto aos condicio-

nados processos de ocupação e construção espacial.244

Se pensarmos em termos conceituais de projeto, curiosamente, há uma in- versão na descrição inicial de Mano, posto que a proposta para o espaço expo- sitivo do segundo andar envolvia uma alteração concreta na arquitetura do edifício, ou seja, apesar do atravessamento ser apenas visual haveria uma intervenção física com elementos estranhos. Enquanto que, no andar tér- reo, o atravessamento era literalmente físico, da arquitetura como elemento construtivo e do próprio corpo que o percorreria; porém, foi projetado como mimese do edifício (espaço institucional da arte), anulando-se na aparência vitrificada do pavilhão, por meio do qual “simbolizava” a dissolução entre os dois mundos (o da arte e o da vida).

Assim como calçada, vazadores (ou pelo menos a segunda ação, a que foi realizada) anunciam operações cruciais desenvolvidas na prática artística de Rubens Mano, que implicavam simultaneamente: a arquitetura, neste caso, seus códigos construtivos; o observador, e o corpo deste; e a instituição, como delimitação do lugar oficial da arte. Na primeira instância, o elemento construído transversalmente à fronteira entre a bienal e o parque criava um espaço entre, de livre trânsito, franqueando a passagem entre espaço privado e espaço público. Na segunda, notar-se-á que, para esse fluxo se efetivar, se- ria preciso que o corpo do observador ativasse o dispositivo ao percorrê-lo de um lado para o outro, ou vice-versa. E no terceiro, transitar livremente entre um lugar e outro implicava subverter as regras institucionais da Fundação Bienal numa espécie de visibilidade paralela. No limite, essa passagem “la- teral” devolvia à instituição os pressupostos conceituais da curadoria sobre a problemática das cidades, ao mesmo tempo que os tensionava como utopia.

Ainda assim, essas operações só teriam êxito mediante uma negociação

244 Mano, op. cit., 2006b, p. 109.

precisa entre artista e instituição, na medida em que o trabalho dependia de uma discrição absoluta de todas as partes envolvidas para sua plena efe- tividade. Segundo o artista, era condição sine qua non manter a obra em sigilo afim de não causar alardes nem na imprensa nem no público visitante. Só assim a passagem se apresentaria de fato como uma alternativa extraoficial de livre trânsito entre bienal e parque, diluindo-se as fronteiras.

É a partir dessas três instâncias anunciadas – arquitetura, público e ins- tituição – que a proposição de Rubens para o Núcleo Cidades da 25ª Bienal será analisada adiante, para, por fim, se comentar a polêmica em torno da retirada da obra da exposição, marcando a saída do artista da bienal quinze dias antes do término desta.

A ARQUITETURA (E A OBRA-ARQUITETURA)

A escolha do lugar para o atravessamento da segunda parte da obra (realizada no térreo) implicou dois aspectos: de um lado, o artista optou pela fachada menos evidente do pavilhão e voltada mais diretamente ao espaço verde do parque, o que em parte resgatava os critérios estabelecidos pelo arquiteto Oscar Niemeyer para a designação da entrada principal do edifício na frente da grande marquise e franqueada ao espaço público de lazer; e, de outro, a passagem de Mano se colocava diametralmente oposta à entrada oficial da 25ª edição, instalada pela Fundação Bienal na fachada de frente para a ave- nida 23 de Maio.

A escolha de Rubens para o local de sua ação, em si, já implicava uma leitura do artista sobre aquele lugar e sobre os significados daquela edifica- ção modernista. No projeto original de Niemeyer, datado de 1953, o arqui- teto determinou o acesso principal do edifício na face voltada para o espaço verde do parque, próximo à marquise central, que, por sua vez, teria a fun- ção de conectar todos os volumes projetados para o complexo arquitetônico do parque. Portanto, originalmente, a conexão desejada do pavilhão não era com a via expressa da avenida 23 de Maio (determinada pela instituição,

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