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A Escravidão Contemporânea Como Resultado do Mercado Capitalista

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA DO SÉCULO XX AO SÉCULO

1.12 A Escravidão Contemporânea Como Resultado do Mercado Capitalista

Assim a nova escravidão e suas formas extremas de superexploração da força de trabalho no Brasil são fruto direto do grau de dependência de sua economia, que vem inclusive se agravando na medida que estamos vivendo um intenso processo de desindustrialização e ampliando a nossa condição de grande produtor de commodities e gêneros primários.

As formas de trabalho precário no Brasil estão bem inseridas no mercado capitalista, sendo resultado direto do aprofundamento da inserção da economia na atual globalização econômica, que visa aprofundar a acumulação burguesa internacional e faz crescer o desemprego estrutural, desarticula o já frágil mundo do trabalho do país e faz regredir muitas das conquistas organizacionais e políticas dos trabalhadores. Hoje muitas formas de superexploração19 da força de trabalho não são consideradas como escravidão.

Embora nem todas as formas de escravidão sejam iguais e existam maneiras mais sutis ou menos violentas de trabalho escravo, como a escravidão doméstica em alguns países, ele é usado em diversos ramos da indústria, do setor de serviços e da agricultura. A escravidão está em todo e em nenhum lugar, pois os neoescravistas fazem de tudo para que os escravizados não apareçam ou não sejam identificados como escravos.

A escravidão continuou a existir no mercado capitalista do Brasil sem nunca se intimidar com sua tipificação no Código Penal e na Constituição brasileira de 1988 como um crime. Isso ocorreu principalmente porque a grande propriedade rural monocultora e a produtora de gêneros primários continuou muito forte, assim como a mineração, pecuária e o extrativismo vegetal, inclusive tendo diversos de seus representante diretos como legisladores. Todos esses setores continuaram sendo elementos essenciais da economia capitalista brasileira, fazendo o país se especializar na produção e exportação de produtos ligados a eles.

Apesar do fenômeno da escravidão contemporânea não ser mais uma exclusividade da economia agrário exportadora, é nesse tipo de atividade que está concentrado o maior número de casos de trabalhadores submetidos à escravidão no Brasil, o que demonstra que por

19Superexploração da Força de Trabalho: Toda escravidão é uma superexploração da força de trabalho mas nem caso de

superexploração da força de trabalho é considerados escravidão pelos governos, como é o caso dos bolivianos explorados em confecções em São Paulo ou das trabalhadoras subcontratadas da Nike na Indonésia. Se trabalhadores como esses fossem considerados escravos contemporâneos, o número de cativos no mundo poderia chegar facilmente segundo Bales (2001) a 200 milhões, bem mais do que a população inteira do Império Romano ou de qualquer sociedade escravista do passado. Esses trabalhadores exercem empregos informais, com remuneração muito baixa, jornadas extremamente longas, ameaças de coação física, sem garantias trabalhistas e com moradia e alimentação controladas pelo empregador de forma totalmente abusiva, mas ainda assim há poucos casos de empresas que são autuadas como praticantes de trabalho escravo e punidas por esse crime. Geralmente essas empresas são flagradas apenas como praticantes de abusos trabalhistas.

100 mais que tenha se modernizado o setor agrário brasileiro, a partir da utilização de tecnologias destinadas ao aumento da produtividade da terra e do trabalho, continua havendo relações de trabalho arcaicas e altamente espoliativas no cultivo das grandes lavouras para se alcançar supersafras.

Dessa forma pode-se afirmar que o trabalho escravo continua inerente a uma economia primária, sendo um elemento imprescindível para a acumulação de capitais e expressão da dualidade estrutural entre os setores modernos e arcaicos, tornando-se então fundamental para própria compreensão dos rumos do Brasil no séculos XX e nesse início de século XXI.

Por mais que o modo de produção capitalista no Brasil tenha mudado ao longo do século XX e no século XXI, há uma nítida relação entre a estrutura econômica e a superestrutura ideológica que reproduz uma ideologia onde inúmeros proprietários urbanos e principalmente rurais continuam com uma mentalidade patronal que pensa que o empregador pode tudo nas relações de trabalho, inclusive transformar o trabalhador num mero instrumento produtivo, sem direitos e submetidos apenas às vontades do empresário.

A escravidão contemporânea continua existindo cento e vinte e nove anos depois da aprovação da Lei Áurea e pode ser definida principalmente por aquelas situações pelas quais há prestação de trabalho compulsório, sob coação física ou moral, pela qual, em regra não existem mais a compra e venda dos indivíduos como mercadorias, mas havendo a criação de dívidas artificiais usadas pelo empregador ou seus prepostos como fator justificador para manter o trabalhador preso às condições de trabalho escravo, seja ele no meio urbano ou rural. Nessa perspectiva o fator econômico continua tendo um papel central no processo da escravidão, todavia é preciso perceber que esse tipo de escravidão também é resultado de outros fatores fundamentais que vão desde a reestruturação de Estados a questões da vida doméstica, da falta de qualificação profissional ao imaginário dos trabalhadores desempregados, da prostituição à migração para outras regiões em busca de melhores condições de vida.

Portanto, ao analisar o trabalho escravo contemporâneo temos que necessariamente compreender o contexto histórico em que se busca produzir significância a essa expressão de trabalho, buscando sempre evitar aquelas visões históricas tradicionais que viam a escravidão apenas como fruto da maldade humana, do racismo, ou dos atributos e comportamentos das classes dirigentes e seus desvarios de poder.

O trabalho escravo atual, em geral não utiliza mais os mesmos instrumentos de castigo, humilhação ou tortura (tronco, chicotes, gargalheiras, porretes, palmatórias,

101 mordaças, algemas, ferros de marcar, máscaras de flandres etc), masmorras ou pelourinhos para supliciamentos ou açoites públicos. O escravo contemporâneo, apesar de ainda ter contra si os maus tratos, as ameças físicas, a vigilância armada, a perseguição, as torturas e até a morte quando realizam fugas, geralmente são explorados de forma mais eficiente e lucrativa.

O trabalho escravo contemporâneo continua sendo uma forma de trabalho totalmente degradante, que envolve restrições à liberdade do trabalhador e onde este é obrigado a prestar um serviço, sem receber um pagamento ou recebendo um valor insuficiente para suas necessidades. Esse tipo de trabalho também se caracteriza sempre pelo trabalho pesado, jornadas de trabalho fora do padrão legal, desrespeito à legislação trabalhista, alojamentos, alimentação, transporte e falta de equipamentos de segurança e muito frequentemente por dívidas contraídas de forma fraudulenta, para impedir a desvinculação do trabalho.

Como no passado colonial e imperial brasileiro, a escravidão contemporânea é sempre fruto de um cálculo econômico, de uma estrutura econômica voltada exclusivamente para o lucro a partir da completa dominação da força de trabalho. Mas essa escravidão também é resultado da reestruturação produtiva, das profundas modificações no cenário da economia global e da conjuntura de crise econômica que atinge os países, gerando uma grande massa de desempregados, mudanças nas legislações trabalhistas e um emaranhado de alterações no sistema capitalista atual, que tende a alterar negativamente o mundo do trabalho.

Dessa forma não é a história que deve se encaixar na teoria, mas a teoria é que deve ser capaz de compreender as novas faces da história não aceitando o emaranhado dos acontecimentos como uma sentença terrível como aquela que Dante Alighieri escreveu na porta do inferno: "Lasciate ogni speranza, voi che entrate", (Abandone toda esperança ao entrar). Ao contrário da sentença do portal do inferno de Dante, ao entrarmos no mundo do trabalho escravo atual devemos buscar mais que uma forma de entendimento do fenômeno, mas inclusive apontar ações concretas dos governos, dos trabalhadores e da sociedade civil.

As relações de classes na sociedade brasileira, que sempre tiveram a alta exploração e o uso da mão de obra escrava como referência, demonstram que a constituição do Estado Nacional brasileiro não se efetivou a partir da supressão do tradicionalismo associado à dominação patrimonialista e à degradação da ordem econômica, social e política do sistema colonial, que aqui foi apenas reciclado com um progressivo "aburguesamento dos senhores rurais", como disse Fernandes (2008), quando analisou nossa sociedade em seu Sociedade de classes e Subdesenvolvimento.

Por isso mesmo, tanto para Fernandes (2008) como para Novais (1979) compreender a formação social contemporânea, suas contradições socioeconômicas, deve-se apreender as

102 conexões estruturais de longa duração, estabelecendo uma conceituação do modo de produção colonial e suas configurações de sociedade como matriz indiscutível na sociedade contemporânea, que herdou inúmeras formas de funcionamento da vida econômica, política e cultural.

A configuração de uma sociedade dependente sob o contexto de uma industrialização monopolista e controlada pelos países desenvolvidos abriu o terreno para que no Brasil a passagem da sujeição da renda da terra produzida pelo camponês, para o capitalismo industrial no campo com a cartelização e predomínio de grandes grupos agroindustriais fosse retardada e tenha se arrastado por toda a segunda metade do século XX, chegando ao século XXI com forte indução de uma regressão neocolonial no país.

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