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Globalização e Avanço da Ideologia Neoliberal

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA DO SÉCULO XX AO SÉCULO

1.14 Globalização e Avanço da Ideologia Neoliberal

Os países do Ocidente, notadamente os Estados Unidos e a Inglaterra, lideraram após a segunda Grande Guerra, um processo de reordenamento capitalista que lhes garantiu uma nova fase de acumulação capitalista e um percentual maior de benefícios econômicos, à custa dos países pobres e em desenvolvimento.

118 A esse movimento liderado inicialmente pelos Estados Unidos e posteriormente pela Inglaterra, que convencionamos chamar de neoliberalismo globalizante, do ponto de vista da sua fundamentação doutrinária, ele não difere muito do liberalismo clássico, formulado basicamente nos séculos XVIII e XIX.

Mas se o liberalismo clássico, de algum modo significou um certo avanço e perspectiva de mudanças em relação ao Antigo Regime, introduzindo mudanças políticas e jurídicas que também resultaram em alguns benefícios aos trabalhadores, o atual quadro do neoliberalismo é totalmente regressista, produzindo resultados políticos, econômicos e sociais totalmente desiguais entre os países e dentro deles.

Dessa maneira, a globalização ou a mundialização do capital, segundo Jameson (2001) é, na realidade, uma forma de neocolonialismo. Para ilustrar, Jameson afirma que “vários países tornaram-se independentes de seus antigos senhores coloniais apenas para entrar de imediato no campo de forças da globalização capitalista, sujeitos ao domínio dos mercados financeiros e aos investimentos estrangeiros” (JAMESON, 2001, p.31)

Para Jameson (2001) vive-se com a globalização um processo de fundamentalismo do econômico em que a retórica do mercado tem sido nas últimas décadas o componente central de uma luta ideológica que impõe a ideia que nenhuma sociedade pode funcionar eficientemente sem o mercado, que o mercado está na natureza humana e que o planejamento estatal é obviamente impossível.

Nesse sentido, Jameson (2001) afirma:

[...] a ideologia de mercado não é, infelizmente, um luxo suplementar de idéias ou de representação, um enfeite que pode ser removido do problema econômico e depois levado a um necrotério cultural ou superestrutural para ser dissecado por seus especialistas. Ela é gerada pela coisa em sí, como sua imagem final objetivamente necessária. [...] Os problemas do mercado e do planejamento no capitalismo tardio e também nos países socialistas afeta a vida real. [...] A dimensão ideológica do sistema de troca funciona ao mesmo tempo verdadeira e falsa, objetiva e ilusória, o que costumávamos exprimir com a expressão hegeliana "aparência objetiva". (JAMESON (2001, p. 269)

Dessa maneira, Jameson (2001) tem uma percepção do fundamentalismo de mercado neoliberal globalizante como um instrumento muito poderoso, principalmente porque enquanto ideologia, ele adquiriu um grau de difusão tão profundamente arraigado que faz com que as pessoas vejam a globalização como algo necessário e inevitável.

119 As ideias fundamentais do neoliberalismo começaram a ser formuladas ainda no pós segunda guerra mundial com o livro O caminho da servidão, de Friedrich August von Hayek, notório economista integrante da Escola Austríaca, radicado em Londres, que defendia que o chamado capitalismo avançado deveria impedir quaisquer situações que implicassem em limites ao livre funcionamento de mercado.

Para Hayek, qualquer intervenção estatal na economia significava uma terrível ameaça às liberdades econômicas dos indivíduos e também por consequência, às suas próprias liberdades políticas. Nesse sentido, era preciso resistir à influência crescente das teorias pró- intervenção estatal tipo o keynesianismo defendido pela social democracia europeia, em particular pelo trabalhismo inglês, mas também as ideias marxistas que pregavam o socialismo e o Estado Proletário.

Então o neoliberalismo, assim como o liberalismo original, prega o individualismo exacerbado; o apego desmedido às "liberdades" de mercado, com destaque para o princípio da inviolabilidade da propriedade privada, aversão a qualquer perspectiva de socialização dos meios de produção, defesa ampla de uma ordem de intensa competição social, "livre concorrência de mercado" e a visão de um Estado mínimo.

O neoliberalismo, enquanto uma nova rearticulação sistêmica das antigas políticas liberais, significou uma reação ideológica contra os mecanismos de intervenção estatal na economia, como agente de planejamento e garantidor de políticas públicas de desenvolvimento que pudessem evitar as crises sistêmicas do capitalismo.

O neoliberalismo também significou um reforço na disputa ideológica contra o "socialismo real" (em crise no final da década de 1970 e 1980), considerando possuir uma racionalidade econômica superior e capaz de "corrigir os equívocos" teóricos que estariam desvirtuando o sentido do capitalismo e das políticas de mercado.

As políticas neoliberais ganharam o mundo principalmente a partir do final dos anos de 1980 e conforme Santos (2001) gerou a ideologia da aldeia global, da velocidade da informação, do progresso contínuo como releituras da realidade feitas pelos países hegemônicos do capitalismo, que procurando manter a dominação por eles exercida trataram de impor sua ideologia através de mecanismos de funcionamento da economia internacional, tipo Banco Mundial, FMI (Fundo Monetário Internacional).

O Banco Mundial é uma instituição financeira internacional que fornece empréstimos para países em desenvolvimento em programas de capital, sendo composto por outras duas instituições auxiliares: o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Associação Internacional de Desenvolvimento (AID).

120 Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização internacional que em tese foi constituída para assegurar o bom funcionamento do sistema financeiro mundial pelo monitoramento das taxas de câmbio e da balança de pagamentos, através de assistência técnica e financeira.

Foram essas instituições que asseguraram a implementação prática das ideias neoliberais globalizantes e consagraram um discurso único, estimulado pelos grandes aparelhos de reprodução ideológica, que encontram alicerce na produção de imagens e do imaginário, e se põem a serviço do império do dinheiro, fundado na economia e na monetarização total da vida social e da vida pessoal.

Então conforme o geógrafo Santos (2001):

A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças que se alimentam mutuamente e põem em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. [...] Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das distâncias [...] é como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. Fala-se, igualmente, com insistência, na morte do Estado, mas o que estamos vendo é seu fortalecimento para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil. (SANTOS, 2001, pp. 18 - 19)

Nesse processo de financeirização da vida social e pessoal a o mundo capitalista globalizado vem fazendo do consumo sua expressão máxima, que virou muito mais um consumismo do que um meio para resolver necessidades e problemas humanos. Em suma, no capitalismo globalizado, consumir virou a fonte suprema da felicidade e difusão ilusória de realização pessoal.

Dessa forma grandes empresas internacionais dão continuidade ao sistema da mais- valia e a outros tipos de exploração em uma escala sem precedentes na humanidade, mas assentadas em um processo ideológico global que impede grandes contingentes dos trabalhadores de ver suas contradições e construir reações sólidas e amplas de contestação e luta por outros paradigmas de vida e organização social.

Falando desse mundo perturbado e alienado pela ideologia da aldeia global, Santos (2001) esclarece:

121 Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido. [...] De um lado, é abusivamente mencionado o extraordinário progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e a intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. [...] (Mas) a maneira como, sobre essa base material, se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada (SANTOS, 2001, p. 17)

O mundo capitalista globalizado tal como ele é, cada vez mais é escondido pela ideologia que mascara de todas as maneiras o aumento da submissão dos países da periferia do sistema, a pobreza, a tendência de diminuição do salário médio, o aparecimento de novas doenças, o trabalho escravo.

Segundo Santos (2000) o mundo globalizado atual está gerando o fim da produção original do conhecimento, gerando um processo de massificação e padronização cultural que concentra a riqueza nas mãos de poucos, mas cria a ilusão de estar democratizando tudo a partir da criação de possibilidades de consumo.

A globalização é o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista e o que explica sua arquitetura atual são a unicidade da técnica, o avanço do conhecimento sobre o planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globalizada.

Na história da humanidade é a primeira vez que tal conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua presença. Isso, aliás, contamina a forma de existência das outras técnicas, mais atrasadas que passam a ser utilizadas de forma combinadas com as mais avançadas e controladas pelos atores sociais hegemônicos.

Anderson (1995) também afirma que o neoliberalismo foi a ideologia que permitiu a globalização econômica do mundo. Nesse sentido o neoliberalismo é:

[...] um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo muito mais parecido ao movimento comunista de ontem do que ao liberalismo eclético e distendido do século passado. (ANDERSON, 1995, p. 22-23).

Anderson desenvolve a ideia que esse movimento ideológico teve início ainda na década de 1970 quando ocorreu uma grande crise no padrão de acumulação capitalista, com o

122 aumento dos preços do petróleo e das taxas de juros internacionais. Além de uma evidente percepção do mundo capitalista das dificuldades do bloco comunista liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Para o autor, a esta crise somaram-se ainda os efeitos de uma forte recessão econômica em diversos países desenvolvidos. Como alternativa de superação dessa crise, os países que já vinham liderando, após a Segunda Grande Guerra Mundial, a corrida armamentista, tecnológica, financeira e comercial, apresentaram as idéias neoliberais como solução para a crise capitalista.

Mas o reforço das ideias liberais, com o sufixo "neo"liberais, para caracterizar supostamente a denominação de algo novo e transformador, mas que nunca passou da velha ideia liberal acrescida de algumas novas definições teóricas, tratou-se de uma estratégia eficiente dos capitalistas para "esconder" a defesa da velha ideologia liberal.

Embora as origens do neoliberalismo possam ser identificadas desde antes, sua afirmação concreta ocorreu na virada da década de 1970 para a década de 1980, com a eleição dos governos conservadores de Margaret Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan, em 1981, que passaram a ser os grandes timoneiros das mudanças capitalistas que marcariam o restante das décadas de 1980, 1990 e 2000.

Durante todas essas décadas, assistiu-se a uma enorme expansão desse tipo de perspectiva político-econômica por causa da revitalização do liberalismo como reação político-ideológica à crise dos anos de 1970, da ineficácia do Estado em controlar essa crise, da funcionalidade e adequação do neoliberalismo para as classes dominantes e, naturalmente, da derrocada do socialismo real.

A partir dos anos de 1980, além dos Estados Unidos e da Inglaterra, os pressupostos neoliberais, foram também profundamente marcantes para as transformações político- econômicas em muitos países periféricos, a exemplo do Chile, da Argentina, do México e diversos outros país que buscaram adaptarem-se às "novas" necessidades de acumulação de capital.

Alguns a partir de ferozes ditaduras, outros a partir da dominação política tradicional e completamente burguesa, sem nenhum traço popular, mas todos com alteração profunda na ordem social interna, com forte abalo na autonomia estatal ante o exterior e grandes processos de privatização e ampliação do comando de mercado para fixação e manejo socioeconômico. Além disso, houve no campo da dominação política uma substituição do "nacionalismo"

123 enquanto discursos e às vezes algumas práticas por um cosmopolitismo globalizado, com fortes tendências de dissolver as soberanias dos Estados e entidades nacionais.

Nos países latino-americanos que iam substituindo as ditaduras militares, apresenta- se um presidencialismo autoritário, marcado por regimes civis geralmente corruptos e com divisão de poderes entre partidos burgueses que se apoiam-se em sistemas eleitorais pouco transparentes e democráticos, onde não há muito espaço para partidos de esquerda autênticos.

Particularmente nos anos de 1980, em função de uma forte crise econômica em praticamente toda América Latina, marcada por forte crescimento da dívida pública e da dívida externa, problemas fiscais e dificuldades de manter o padrão de financiamento das décadas anteriores, houve o estabelecimento de um “consenso” sobre as reformas estruturais necessárias para estabilizar as economias e reconduzi-las a um campo de novas possibilidades, trazidas pelo fenômeno da globalização.

1.15 A Globalização e as Transformações do Mundo do Trabalho: Precarização e

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