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O Imaginário Coletivo Nas Regiões de Fronteira da Amazônia Legal

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA DO SÉCULO XX AO SÉCULO

1.17 O Imaginário Coletivo Nas Regiões de Fronteira da Amazônia Legal

Em todas as épocas históricas os que são escravizados têm um imaginário coletivo composto por um conjunto de símbolos, conceitos, memórias e imaginação coletiva que torna possível sua existência, sua resistência e sua própria sobrevivência enquanto indivíduo que pertence a um grupo social específico. Mas no mundo da globalização contemporânea isso não é diferente, embora apresente maiores complexidades do que noutras épocas.

A maior ou menor sensibilização das pessoas em relação ao imaginário coletivo e seus símbolos compartilhados reforça o sentido de comunidade, de sua resistência cultural ou ao contrário facilita o processo que abre a possibilidade de aceitação das condições que levam às situações de dominação e escravidão.

O homem que vive em pequenas comunidades rurais ou em cidadezinhas do interior do Brasil, nos Estados mais pobres da região Nordeste e Norte, a exemplo do Piauí, do Maranhão e do Tocantins, tem sobre si o estabelecimento de um imaginário coletivo marcado progressivamente pela destruição da cultura de raiz, das verdadeiras manifestações populares.

Desse imaginário faz parte a ordem supérflua da frivolidade e da cultura de massas que chega cotidianamente impulsionada principalmente pela televisão e pelo rádio, fomentando forte difusão do desejo de consumir determinados produtos que no ambiente em que vivem dão visibilidade e reconhecimento social (celulares, motos, automóveis usados, eletrodomésticos, roupas, antenas parabólicas, perfumes, bebidas, cigarros etc).

Esse desejo de consumo se fixa no inconsciente coletivo através de símbolos produzidos e construídos socialmente os quais, por sua vez, denotam uma ideia representativa de uma realidade geralmente marcada pela baixa autoestima e onde as mercadorias capitalistas passam a ser um mecanismo de compensação da condição social.

Poder consumir satisfaz a subjetividade e causa o contentamento, aflorando sentimentalidades que na verdade são meros reflexos de experiências com os objetos simbólicos. Assim, possuir por exemplo uma moto, uma bicicleta ou um carro proporciona

status e reconhecimentos diferentes na vida social local.

O fato de não poder comprar determinados produtos de alimentação, bebidas, higiene pessoal, roupas, calçados, meios de transporte (principamente motos e bicicletas), móveis,

131 equipamentos eletrônicos, enfim os produtos oferecidos pelo capitalismo em sedutoras propagandas midiáticas, gera fortes constrangimentos nos trabalhadores e influencia de forma negativa seus comportamentos.

Evidentemente a constituição do imaginário local não passa apenas pela introspecção da cultura de massa com interesses de consumo, ainda recebe a influência das instituições da sociedade civil, religião e da organização da sociedade política, que ocupam papel fundamental na organização da vida cotidiana e, mais especificamente, na articulação e na reprodução das relações de poder. Elas, por si já constituem um todo simbólico, onde possuem uma grande rede de significados.

Mas é notório o fato de que o sistema de significações que constitui o imaginário social em pequenas localidades interioranas do Brasil é composto cada vez mais por um conjunto de relações imagéticas ligadas ao mundo das mercadorias capitalistas, que atuam na memória afetivo-social da cultura local, sendo um substrato ideológico que produz coletivamente sentimentos e atitudes depositárias na memória que as famílias e os grupos recolhem de seus contatos com o cotidiano.

Os desejos das pessoas que se processam cotidianamente não são apenas o de saciar a fome, a sede e ter um teto para viver, geralmente as pessoas querem receber afeto, reconhecimento, querem satisfazer suas aspirações, os seus medos e suas esperanças individuais, que passam também por ter um emprego, uma renda, uma condição econômica que lhes possibilite estar inseridas no mundo do consumo capitalista.

Assim as pessoas expressam em seu cotidiano aquilo que sua consciência apreendeu como sendo um modo de vida único, possível e que traz satisfações, que geralmente ainda não encontraram e pensam encontrá-la se puderem consumir, se puderem comprar. Esse tipo de alienação abre as portas para a escravização contemporânea em muitas localidades do Brasil interiorano.

Isso porque grande parte dos pequenos municípios interioranos do Brasil, principalmente os do Nordeste e Norte, não tem geração de renda, emprego, condições dignas de vida para a maioria de seus habitantes, gerando uma situação de ampla fragilidade econômica para as famílias e as pessoas individualmente. Dessa forma muitas pessoas são obrigadas a se deslocarem para outros municípios, outras regiões ou aceitar qualquer tipo de trabalho que lhes apareça pela frente.

É assim que os Estados do Tocantins, Maranhão e Piauí se transformaram em grandes fornecedores de mão-de-obra escrava com trabalhadores indo espontaneamente para outros estados, principalmente Pará, Mato Grosso, e Bahia, ou aliciados por contradores de

132 mão-de-obra a serviço dos fazendeiros, que muitas vezes, vão buscar os trabalhadores de "ônibus de turismo", de caminhão (o velho pau-de-arara) ou, para fugir da fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, pagam as passagens dos trabalhadores em ônibus de linhas convencionais.

A escravidão, desde os seus primórdios, gerou a prática e o estabelecimento do direito de propriedade de um ser humano ou de um grupo sobre outros, impondo-se assim o roubo da sua força de trabalho, de suas energias vitais e acima de tudo sua condição de ser humano e até de sua cultura. No capitalismo atual, o processo de difusão da cultura de massa e do consumismo alienado tem também um papel decisivo no reforço dessa situação, dificultando ainda mais a reação contrária a essa situação.

As carências materiais do trabalhador que vive no mundo da fronteira somadas a um ambiente alienado e quase sempre despolitizado e sem tradição de lutas populares fazem com que o amplo poder dos monopólios da comunicação, da agroindústria e dos setores financeiros que controlam a produção imagética ligada ao mundo das mercadorias capitalistas e do seu consumo tenham um impacto devastador na vida dos que vivem na pequenas cidades interioranas da Amazônia-Legal. Isso também abre suas portas à escravidão.

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