• Nenhum resultado encontrado

Da Frente de Expansão à Frente Pioneira

No documento Download/Open (páginas 173-177)

O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL E OS DRAMAS DA FRONTEIRA

2.1 Da Frente de Expansão à Frente Pioneira

Para Martins (1997) a Amazônia Legal é a última fronteira da expansão capitalista no Brasil e esse avanço sobre o território nacional, conforme o sociólogo, vem manifestando-se em momentos históricos distintos e combinados de diferentes modalidades da expansão territorial e do capital.

No entendimento de Martins (1997), podemos entender a frente de expansão como o movimento no qual a vida econômica é caracterizada por uma economia de excedente e que não está estruturada a partir de relações com o mercado, embora possa fornecer produtos para a comercialização, não podendo, pois, ser classificada de economia natural, sendo mais uma economia na qual se tem como primeiro objetivo a produção para subsistência e só secundariamente a troca dos produtos se agrega à economia de mercado.

Assim Martins (1997, p. 27) afirma que "as frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas podem ser chamadas de “frente de expansão”, mas é um conceito que deve ser ampliado para além do econômico", compreendendo a questão cultura e até mesmo a questão psicológica desses grupos sociais.

Entretanto percebe que para Martins a frente de expansão faz parte da forma capitalista de produção, sem ter ainda uma clara mediação do capital, contribuindo mais para a existência em termos de um exército de mão-de-obra de reserva e na abertura do espaço para uma futura ocupação pela fronteira econômica.

Dessa maneira deduz-se que a frente expansão foi a forma característica de ocupação do território amazônico durante um longo período, sendo considerada principalmente como

174 uma frente de deslocamento da população e que de algum modo abriu espaço para a regulamentação pelo mercado.

Para Martins (1997) então a ocupação da fronteira ocorre de duas maneiras: primeiro através da chamada frente de expansão que se caracteriza por uma ocupação esparsa, onde a terra não possui valor de mercado, embora sua ocupação possa ser mediada pelo Estado, que busca a entrada de excedentes demográficos que não podem ser contidos na fronteira econômica.

Já o segundo momento é o da frente pioneira, aquele que para Martins (1997) é marcado pelas relações tipicamente de mercado, em que as relações capitalistas de produção estendem seus domínios sobre as áreas anteriormente marcadas por relações não capitalistas, onde a propriedade privada da terra, o dinheiro, as relações econômicas produtivas, o assalariamento e todas as características típicas do capitalismo tendem a substituir as relações não mercantis a economia que não estava estruturada totalmente a partir de relações com o mercado.

Para Martins (1997):

A concepção de frente pioneira compreende implicitamente a idéia de que na fronteira se cria o novo, nova sociabilidade, fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais. No fundo, portanto, a frente pioneira é mais do que o deslocamento da população sobre territórios novos mais do que supunham os que empregaram essa concepção no Brasil. A frente pioneira é também a situação espacial e social que convida ou induz a modernização, a formulação de novas concepções de vida, à mudança social. Ela constitui o ambiente oposto ao das regiões antigas, esvaziadas de população, rotineiras, tradicionalistas e mortas. (MARTINS, 1997, p. 153)

Constata-se em Martins (1997) que no seu conceito de frente pioneira há mais do que a caracterização do econômico, justamente porque ele percebe que por trás do econômico há formação de novas concepções de vida, novos espaços de sociabilidade, vivências humanas e acontecimentos, que rompem o tradicionalismo de sociedades já consolidadas e marcadas pela falta de inovação e maneiras do ser social.

Na fronteira há um caldeirão cultural que mistura as mais variadas tradições de povos da floresta, nortistas, sulistas, negros, brancos, índios, homens, mulheres e crianças. Assim para Martins (1997) toda região de fronteira é uma fronteira do humano, de experiências trágicas e inovadoras, de uma aprendizagem social profundamente marcante para os diversos grupos humanos envolvidos nessa experiência.

175 Todavia essa conceituação de Martins (1997) é contrastante com o conceito de frente pioneira elaborado por alguns estudiosos que viam nelas um fenômeno puramente econômico, que pressupunha que as relações capitalistas eram determinantes e a conversão da terra em mercadoria passaria a ser uma variável fundamental e resultante inevitavelmente apenas de uma relação de conflito social entre os detentores do capital e os descapitalizados, entre os que dominavam as relações de mercado e os que estavam fora dele.

O problema maior dessa concepção é que ela não percebia o aspecto cultural, as novas relações sociais que se constroem no mundo da fronteira. Assim se tomarmos como referência a emblemática concepção de frente pioneira elaborada pelos geógrafos a partir dos anos de 1940, a exemplo de Pierre Monbeig, um geógrafo francês, que trabalhou e estudou o Brasil entre 1935 e 1946, data em que ocupou cadeira de professor na Universidade de São Paulo, e que o seu conceito “frente pioneira”, mal viam os índios no cenário construído por seu olhar dirigido.

Monbeig, que influenciou gerações de geógrafos brasileiros, definia os índios alcançados (e massacrados) pela frente pioneira no oeste de São Paulo, como precursores dessa mesma frente, como se estivessem ali transitoriamente, à espera da civilização que acabaria com eles.

Então a ênfase original de suas análises estava no reconhecimento das mudanças radicais na paisagem capitalista pela construção das ferrovias, das cidades, pela difusão da agricultura comercial em grande escala, como o café e o algodão e a estruturação de uma economia voltada para o atendimento dos interesses burgueses.

Um tipo de análise que nas décadas de 1950 e 1960 muitos outros geógrafos acabaram de certa forma repetindo, quando também analisaram a questão da frente de expansão e da frente pioneira na Amazônia Legal sem uma percepção social e cultural mais ampla, inclusive sobre a questão indígena e a transformação da terra mais do que em fator econômico, como um fator de identidade, cidadania, desenvolvimento e civilização.

Isso acabou por construir uma análise bastante limitada à questão da conjuntura e aos ciclos econômicos, deixando certa lacuna antropológica e um entendimento que não conseguia realizar uma integração das abordagens antropológica, sociológica, econômica, histórica e política.

Um dos primeiros autores que conseguiu romper com a falta de uma análise mais ampla na conceituação das frentes de expansão e das frentes pioneiras foi Darci Ribeiro, que, sobretudo a partir dos anos sessenta, passou a definir essas frentes como fronteiras da

176 civilização, marcadas constantemente por situações de conflitos e profundas mudanças de ordem social e cultural.

Ribeiro conseguiu êxito em seu esforço em definir melhor os conceitos das frentes principalmente porque buscou compreender a realidade cultural do mundo branco e do mundo indígena, fazendo uma análise teórica que efetivamente permitiu uma integração dos diversos problemas culturais, sociais e econômicos.

Uma análise que soube, por exemplo, perceber a questão das frentes de expansão da região da Amazônia Legal dentro de um quadro de conflitos mesclado por diversos fatores, cuja grande característica são as forças sociais que se chocam num quadro de completa desigualdade e vivência histórico-culturais muito distintas.

Dessa forma os entrechoques dos contingentes índios, brancos e mestiços estão dentro de um quadro de conflitos não puramente econômicos, mas que envolve relações de parentesco, de identidade étnica, um imaginário coletivo de relação com o universo da floresta, seus bichos, rios, estórias, lendas e tradições.

Assim Ribeiro (1995) comenta:

De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas, mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente irresponsáveis. A primeira das quais é a ocupação do território. Onde quer que um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse território, manter seu próprio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um gênero autônomo de existência, estala o conflito cruento. (RIBEIRO, 1995, p.169)

Então, para Ribeiro a grande questão que estava presente na frente de expansão era a questão da terra, vista de forma muito diferente pelos grupos humanos envolvidos nos conflitos sociais decorrentes de sua ocupação, enquanto para alguns a terra era sinônimo de tradição, espaço e modo de vida coletivo, para outros ela passa a ser crescentemente um elemento de alcançar metas econômicas e forma de propriedade fundiária particular.

Dessa maneira, a designação de frentes de expansão como fronteiras da civilização, que Ribeiro formulou, tornou-se de uso corrente, até mesmo entre os sociólogos e historiadores que não estavam trabalhando propriamente com situações de fronteira da civilização. Isso porque é um conceito que expressa a concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência inclusive as populações indígenas.

177 A frente de expansão começou a declinar com a chamada Marcha para o Oeste, a partir de 1943, que foi criada pelo governo de Getúlio Vargas para incentivar o progresso e a ocupação do Centro-Oeste e posteriormente a ocupação da Amazônia. Assim o governo de Vargas organizou um plano para que as pessoas migrassem para o centro do Brasil, onde havia muitas terras desocupadas.

A ideia do governo Vargas era essencialmente o de fomentar a transferência dos excedentes populacionais que faziam pressão no Centro-Sul do país, encaminhando-os para áreas onde pudessem produzir matérias-primas e gêneros alimentícios a baixo custo para subsidiar a implantação da industrialização no sudeste.

Foi esse movimento que segundo Ribeiro (1995) deu origem à chamada frente pioneira amazônica, que se intensificou depois da segunda grande guerra mundial, envolvendo contingentes populacionais consideráveis, que abriram novos espaços e territórios deslocando as correntes migratórias para a nova fronteira da Amazônia Legal.

Então dessa maneira podemos perceber que o conceito de “frente pioneira” em Ribeiro (1995) também se define economicamente pela presença do capital na produção e na exploração capitalista das terras, e dessa forma, a frente pioneira seria um momento do processo do capital e seu alargamento no território nacional, tendo na Amazônia Legal uma região onde paulatinamente foi e ainda hoje está se alargando.

No documento Download/Open (páginas 173-177)

Outline

Documentos relacionados