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O Grupo Cosan/ Shell e a Escravidão

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RAIO X DO SETOR CANAVIEIRO DO BRASIL EM

1.25 O Grupo Cosan/ Shell e a Escravidão

Dentre os poderosos grupos sucroalcooleiros envolvidos com o trabalho escravo está o grupo Cosan, que é proprietário de 23 usinas (21 em São Paulo, 1 em Goiás e 1 no Mato Grosso do Sul) e tem projeto para instalar outras usinas, inclusive na região da Amazônia- Legal, onde as terras ainda estão relativamente baratas e há possibilidade de contratar inúmeros trabalhadores com salários mais baixos que em São Paulo, onde há inclusive maior tradição e experiência de luta do movimento sindical rural.

O grupo Cosan/ Shell conforme Hashizume (2010) é um grupo muito poderoso, pois além de controlar diversas usinas controlam as marcas de açúcar União e Da Barra além de ser acionista dos 1,5 mil postos de combustível da Esso e parcela da venda de lubrificantes Mobil, mas nem por isso deixou de se envolver com a prática do trabalho escravo, inclusive integrando a lista suja do Ministério do Trabalho.

164 Hashizume (2010) afirma que o grupo Cosan/ Shell já foi flagrado mais de uma vez praticando o trabalho escravo em suas usinas de açúcar e etanol e condições degradantes e irregulares nas frentes de trabalho, caracterizadas por alojamentos, alimentação e transporte fora dos padrões minimamente aceitáveis. Além de obrigar trabalhadores a pagar a estadia no local de trabalho, não oferecer condições de segurança de trabalho e impedir o direito de livre circulação dos trabalhadores por dívida.

Hashizume (2010) aponta que, em junho de 2007, uma operação do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho libertou 42 trabalhadores da Usina Junqueira, de propriedade da Cosan/Shell, localizada em Igarapava (SP), onde foram emitidos treze autos de infração pelos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego com as mais variadas formas de infração.

Entre os treze autos de infração lavrados pelos fiscais, destacam-se: limitar a liberdade do empregado de dispor de seu próprio salário, manter empregado sem registro em livro, ficha ou sistema eletrônico; deixar de disponibilizar água potável e fresca para os trabalhadores, manter empregado com idade inferior a 18 anos em atividade e serviços insalubres e perigosos, submissão a sistema de endividamento (também conhecido como barracão ou truck system) e a manter outras condições degradantes e irregulares de trabalho.

Esse caso demonstra que a prática do trabalho escravo não está restrita apenas à região da Amazônia Legal e que o setor sucroalcooleiro vem despontando como uma atividade econômica que provoca grande número de casos de trabalho escravo e outros tipos de conflito como por exemplo a grilagem de terras, como as terras dos índios guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Para conseguir mais terras, produzir cana-de-açúcar para a indústria sucroalcooleira que está se expandindo no Mato Grosso do Sul através da Cosan/ Shell que explora plantações e usina na região, os fazendeiros vêm cultivando em áreas pertencentes às comunidades indígenas ou simplesmente tirando-lhes a terra num processo de grilagem extremamente violento e destruidor da cultura milenar dos kaiowá-guarani.

Em maio de 2010, o Ministério Público Federal (MPF) do Mato Grosso do Sul acusou a Cosan/Shell de adquirir cana de açúcar cultivada ilegalmente na reserva indígena Guyraroká, que havia sido delimitada um ano antes pelo Ministério da Justiça por meio de uma proposta reivindicada pela Funai. Na ocasião, a Cosan/Shell negou que era proprietária de lavouras localizadas na comunidade, mas admitiu que comprava a matéria-prima de um fornecedor da região, a Nova América S.A. Agrícola.

165 A Nova América S.A. é uma pequena Usina instalada no município de Caarapó, na microregião de Dourados, que, por sua vez, arrendava as terras de fazendeiros locais, onde cultiva a cana de açúcar. Essas terras são de propriedade legal da União e por mais de uma década, vem sendo objeto de ferrenha disputa entre os empresários e os índios guarani- kaiowá, que acusam os fazendeiros de grilagem para criarem gado, soja e cana-de-açúcar.

Há mais de vinte anos os kaiowá-guarani de MS enfrentam o avanço do agronegócio sobre suas terras. Nesse embate em defesa daquilo que é o mais fundamental para a vida dos indígenas, a terra, várias lideranças já foram assassinadas ou tiveram suas casas incendiadas para que fosse efetivado o processo de grilagem das terras. Nesse quadro de perda das terras para os latifundiários e para o avanço do agronegócio, em 2008, conforme denúncias da

Survival International, 42 índios morreram abatidos a tiros por pistoleiros de aluguel.

Além disso, a subnutrição de recém-nascidos e os suicídios também disseminam a morte, fazendo com que os kaiowá-guarani sejam inclusive o grupo populacional com a maior taxa de suicídio na América do Sul, principalmente entre os jovens. Estes por ficarem sem trabalho e sem condições de acesso ao mundo do consumo capitalista, constantemente estimulado pelas propagandas, são estimulados a trabalhar em regime de escravidão em fazendas da região ou até fora dela. Os que se recusam a essa imposição, vivenciam nos acampamentos à beira da estrada a destruição de sua cultura, a fome e a penúria social. .35

Os kaiowá-guarani de Mato Grosso do Sul antigamente viviam ligados à terra e trabalhavam nela, produzindo de forma sustentável seus alimentos e cultura. Mas depois das expulsões forçadas, como aconteceu com Damiana, uma guarani-kaiowá, líder religiosa e espiritual da comunidade de Apyka'y, que antes já havia perdido o marido e três filhos em acidentes suspeitos na estrada, na qual a comunidade está acampada há muitos anos, o quadro é de indigência e pobreza absoluta, faltando comida e possibilidade de reprodução de sua cultura de maneira pacífica.

35Cf. Matéria Os Guarani em território brasileiro sofrem com a presença violenta de fazendeiros. Divulgado em em 25/07/2012 por

166 Figura 8 - Damiana, guarani-kaiowá e líder religiosa dos apyka'y, em frente de sua cabana incendiada pelos pistoleiros /Fonte: Survival International/2009

Segundo denúncias veiculadas pela Survival International, uma ONG inglesa que auxilia povos indígenas a defender suas vidas e suas terras e a determinar seu próprio futuro, os kaiowá-guarani de Mato Grosso do Sul vêm tendo suas terras ameaçadas pelo avanço da agropecuária, que tem feito o gado e as plantações de soja e agora a cana-de-açúcar avançar sobre suas terras.

Para os guarani, a terra é chamada de tekohá (De 'teko'= costume, modo de ser e 'ha' = lugar em, onde), sendo o centro de sua identidade cultural. Dessa forma a "Tekohá" significa para os índios a sua terra, seu espaço vital de sobrevivência, o lugar necessário para viver, plantar e se desenvolver, sendo na perspectiva dos Guarani mais do que só o território físico no qual uma comunidade indígena vive, mas também as relações sociais (do mesmo modo, não só as relações econômicas e de subsistência, mas também as interpessoais) e espirituais que ocorrem neste lugar. 36.

A cana-de-açúcar, ao se expandir pelo Brasil tende a gerar graves consequências, como essas que estão atingindo o povo kaiowá-guarani de Mato Grosso do Sul e milhares de trabalhadores escravizados. Mas as consequências não são somente sociais, estudos de vários

36 Cf. Matéria Homens Armados e Mascarados Atacam Líder Indígena Brasileira. Divulgado em 19/07/2012 por http://www.survivalinternational.org/ultimas-noticias/8501. Consultado em 25/07/2012.

167 institutos de investigação renomados do Brasil, a exemplo da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) apontam que o plantio da cana-de-açúcar na região da Amazônia ameaça a floresta tropical e o bioma do cerrado.

Para os pesquisadores da EMBRAPA a cana-de-açúcar para a produção de etanol vem substituindo outras formas de utilização que exigem grandes áreas, sobretudo a pecuária. Por isso, produtores de gado ao venderem suas terras para os grupos econômicos que vão plantar cana-de-açúcar para produzir etanol acabam explorando novas áreas como as das regiões mais profundas na Amazônia-Legal e seus estados fronteiriços.

Hoje existem 440 usinas e destilarias distribuídas pelo país e uma clara intenção das multinacionais de controlar esse setor de energia renovável, principalmente do etanol, porque esse é um produto estratégico na nova matriz energética mundial e pode, segundo estudos científicos, evitar uma situação de insegurança energética dos países desenvolvidos, que já vivem os sinais do declínio irreversível da produção petrolífera e que nos próximos chegará a um declínio muito acentuado.37

Conforme dados da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), são produzidos no planeta 86 milhões de barris de petróleo diariamente. já em 2020, a previsão é de que essa produção caia para 60 milhões e em 2030 chegue a menos de 30 milhões de barris diários. É esse fim do reinado do hidrocarboneto, que está levando grandes oligopólios internacionais a buscar o etanol brasileiro como alternativa energética é uma forma de evitar a derrocada da alta lucratividade.38

Conforme Hashizume (2010) em 2008, dos 5.266 trabalhadores resgatados da escravidão, 1.679 estavam na Amazônia Legal e mais da metade dos libertos foram encontrados em fazendas de cana-de-açúcar, demonstrando que o número de escravo desse setor tem crescido na mesma velocidade que a ganância por lucro e o aumento da produção dos biocombustíveis ou combustíveis verdes, como preferem chamar os grandes investidores estrangeiros.

Para Plassat (2011):

A cana-de-açúcar tem feito crescer o número de trabalhadores escravizados porque é um empreendimento econômico sempre realizado em escala de imensas plantações com um contingente de trabalhadores não raro dez vezes mais elevado que nas demais atividades. Na Amazônia Legal somente em 2008, 1.679 trabalhadores foram resgatados da escravidão e desse 867 foram resgatados da escravidão no setor

37Cf. RODRIGUES, Lúcia, Desnacionalização do Etanol Põe em Risco Soberania Energética, Revista Caros Amigos, Ano XV, nº 172,

2011, p. 11.

168 sucroalcooleiro. Além disso, das ações de fiscalização realizadas naquele ano, 59,3% foram somente nessa região, que além do boom do etanol também sofre com o desmatamento em grande escala na onda da lavoura de soja que conquista os cerrados centrais e as fronteiras da Amazônia. (PLASSAT, entrevista ao autor, 2011, p.5)

Dessa forma, Plassat (2011) evidencia que o crescimento da escravidão atualmente é o resultado direto do crescimento do agronegócio na Amazônia-Legal. Esse crescimento por sua vez tem sido defendido com grande energia e vigor por políticos ruralistas, alguns inclusive envolvidos diretamente com o trabalho escravo.

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