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A Escravidão Contemporânea: o Truck System, o Sistema de Barracão e o Regime de Aviamento

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

1.5 A Escravidão Contemporânea: o Truck System, o Sistema de Barracão e o Regime de Aviamento

Segundo Silva (2009) no direito do trabalho brasileiro a escravidão por dívida baseada na política de cobrança e descontos irregulares dos salários, o chamado truck system ou sistema de barração, é totalmente vedada pelo Código Penal, pela Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho. O sistema de barracão, é a prática pela qual o empregador mantém o empregado sob violência traduzida pela coerção física ou moral, limitando a liberdade, o direito de ir e vir do trabalhador e sua vontade.

O chamado truck system ou sistema de barração, além de submetêr os trabalhadores a condições degradantes de trabalho também submete o trabalhador a outrem em razão de supostas dívidas contraídas junto a um barracão de venda de mantimentos, ou seja, o empregador obriga seu empregado a gastar seu salário dentro da empresa comprando mantimentos e utensilhos de subsistência em armazéns do patrão a preços acima do mercado e com frequência com descontos não autorizados nos salários.

Na Amazônia o uso do barracão também chamado de "sistema de aviamento" ou "regime de aviamento", sistema de adiantamento de mercadorias e crédito, se consolidou como um sistema de comercialização e se constituiu em senha de identidade da sociedade amazônica, onde alguns comerciantes ou aviadores se enriquecerem e tiveram imenso poder, inclusive de vida e morte dos trabalhadores.

Conforme Magalhães (2006) esse sistema constituía-se numa forma de crédito mais eficiente que o sistema financeiro formal, incapaz de chegar onde o produtor estava. Mas esses

56 dois sistemas de crédito, o formal e o informal, não eram excludentes. Ao contrário, o sistema bancário alimentava as firmas aviadoras com créditos, de modo que o sistema informal não poderia subsistir sem a injeção creditícia do capital financeiro.

Vejamos como Magalhães (2006) analisa essa questão:

Cabe aqui asseverar que o aviamento foi a instituição que se consolidou a partir do contato da sociedade amazônica com um sistema altamente monetarizado, o capitalismo industrial europeu. A instituição tenderá a repetir-se em toda área econômica na qual as seguintes características estejam presentes: (a) base de recursos naturais espacialmente ampla e de difícil acesso; (b) atraso das técnicas de produção; (c) índice de participação do dinheiro nas trocas nulo ou muito baixo; (d) presença de lideranças mercantis locais – autóctones ou estrangeiras – ou de agentes capazes de virem a exercê-las; (e) ligação dessas lideranças com um mercado monetizado em pleno funcionamento e que, de fora, subministra crédito; (f) demanda externa ativa sobre um ou mais produtos dessa área. Na ocorrência dessas condições, parecia impor-se uma verdadeira imperatividade técnica do aviamento, levando as lideranças mercantis locais a se aliarem aos interesses do mercado externo, gratificando-se duplamente – com os preços que cobravam fora e com o peculiar sistema de exploração de mão-de-obra. Aumentava o índice de monetização das trocas na área, mas o escambo continuou a dominar, porque ainda era a melhor modalidade de disfarçar a usura. (MAGALHÃES, 2006, pp.59-60)

Então para Magalhães (2006) nesse sistema há uma extração de valor do produtor para os comerciantes, produzindo-se uma espiral que extrai renda do trabalho rural e acumula na fonte da cadeia aviadora, nas empresas financiadoras de Belém e no sistema bancário, demonstrando que desde muito cedo o capitalismo financeiro se estabeleceu na Amazônia, sendo o responsável pela estruturação de um sistema desumano de produção, que difundiu a imagem da floresta como um inferno de exploração e maus tratos para os pobres e descapitalizados e um paraíso verde para os que possuíam propriedades privadas e capitais.

Essa patronagem comercial e financeira predominou século XX a dentro e chegou ao século XXI fazendo da "Amazônia tradicional", onde predominam as populações caboclas e indígenas, um espaço de acumulação de capitais, um espaço de escravidão e relações sociais de submissão, que foi muito bem definida pelo economista Furtado (1997) quando estudando a formação econômica do Brasil disse:

O sistema de aviamento foi o embrião de um grande mecanismo de endividamento e submissão dos trabalhadores aos seus patrões. O migrante nordestino começava sempre a trabalhar endividado, pois era obrigado a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os

57 instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão por dívidas (FURTADO, 1997; p. 134).

Assim para Furtado (1997) a prática da escravização por dívida ganhou nos seringais sua referência e modelo de acionar comportamental da escravidão contemporânea, que espalhou por toda Amazônia como uma Escola de Horrores e garantia do lucro fácil. No seio da floresta e em meio ao surto da borracha, milhares de nordestinos que tinham a esperança de encontrar uma vida melhor foram escravizados e acabaram sendo as vítimas de um sistema de dominação que se enraizou profundamente na sociedade brasileira, tendo como combustível principal a miséria, a falta de opção de sobrevivência, de um lado e a ganancia, a certeza de lucratividade e da impunidade de outro. Combustivel esse que fez com que a escravidão ainda hoje esteja em nosso meio social.

Magalhães (2006) na mesma linha do raciocínio de Furtado (1997) também demonstra que esse sistema de dominação ou tinha fortes ligações com o capitalismo internacional e com a burguesia. Vejamos o que o autor afirma:

Por fim, as casas aviadoras atuavam como representantes de ricos clientes no exterior. Na realidade, o mais comum era a casa aviadora servir como representante de grandes companhias compradoras de borracha de Liverpool ou de Nova Iorque. Algumas, no entanto, não trabalhavam com nenhuma representação, atuando independentemente. Toda a despesa necessária à instalação do seringal e a sua manutenção posterior era financiada também pela casa aviadora que, pela transação, cobrava juros e comissões. No inverno, recebia a borracha em seus armazéns onde era pesada e classificada. Nesse período, os seringalistas vinham às capitais saldar as suas contas, fazer novos pedidos e receber o saldo que possuíam; este, em geral, permanecia na casa aviadora para a realização de negócios futuros. A elas, muitas vezes, associavam-se os donos dos seringais cujos negócios iam bem. Os aviamentos, que consistiam em utensílios para a extração, vestuários, alimentação, remédios etc., eram vendidos a crédito ao seringalista e transportados ao seringal pelas gaiolas que as próprias casas aviadoras possuíam. (MAGALHÃES, 2006, pp.59-60)

Essa prática de exploração foi também muito bem descrita pelo historiador Prado Júnior (1988) que ao comentar a exploração da borracha na Amazônia, demonstrou que ela era: “uma indústria tipicamente de selva tropical, tanto nos seus aspectos técnicos, como nos econômicos e sociais, uma indústria assentada na imobilização por dívida e no impedimento que o trabalhador pudesse acumular algum tipo de reserva financeira". (PRADO JR, 1988, p.238)

58 O regime de barracão ou "truck system", ao vender gêneros alimentícios, utensílios, equipamentos de trabalho e outros objetos indispensáveis ao trabalhador pelo comerciante- patrão, aviador, a preços exorbitantes, gerava um ciclo de endividamento que aprisionava o trabalhador.

Dessa forma descreve esse sistema Prado Junior (1988):

Este pronto desembolso do salário faz parte do sistema de exploração da borracha; é preciso impedir que o trabalhador acumule reservas e faça economias que o tornem independente. Nessa região semideserta de escassa mão-de-obra, a estabilidade do trabalhador tem sua maior garantia no endividamento do empregado. As dívidas começam logo ao ser contratado: ele adquire a crédito os instrumentos que utilizará, e que embora muito rudimentares (o machado, a faca, as tigelas onde recolhe a goma), estão acima de suas posses, em regra nulas. Frequentemente estará ainda devendo as despesas de passagem desde sua terra nativa até o seringal. Estas dívidas iniciais nunca se saldarão porque sempre haverá meios de fazer as despesas do trabalhador ultrapassarem seus magros salários. Gêneros caros (somente o proprietário pode fornecê-los porque os centros urbanos estão longe), a aguardente... E quando isto ainda não basta, um hábil jogo de contas que a ignorância do seringueiro analfabeto não pode perceber, completará a manobra. (PRADO JUNIOR, 1988, p. 238)

Considerando as práticas escravistas do Ciclo da Borracha do século XIX e XX, percebemos o quanto elas são parecidas com relatos do século XXI, modificando-se apenas o tipo de produção e os indivíduos, mas a situação da prática da escravidão encontra uma similitude muito grande.

Vejamos o relato histórico de Prado e Capelato (1985):

O nordestino que se dirigia à Amazonia para trabalhar como seringueiro já saia de sua terra endividado. Começava por dever a passagem até Manaus ou Belém e o dinheiro recebido para manter-se até sua instalação definitiva. Depois passava a dever a importância do transporte que o levaria da capital para o barracão, o adiantamento da compra dos objetos que deveria usar no trabalho – botão, bacia, tigelas, machadinhas, machado, terçado, rifle, etc. – e os genêros alimentícios necessários para viver durante os três primeiros meses. Durante o primeiro ano de trabalho, mesmo conseguindo boa produção o que era difícil por ser ainda um brabo, esta não seria suficiente para pagar as dívidas anteriores. [...] O trabalhador era obrigado a comprar a mercadoria no armazém do barracão sob pena de ser multado em 50% sobre a importância comprada. [...] Ao fim de alguns anos, estava irremediavelmente perdido, pois sua dívida se avolumava cada vez mais. (PRADO e CAPELATO, 1985, pp..297-298)

59 Este relato de Prado e Capelato (1985) parece uma história padrão que se repetiu milhares de vezes no decorrer do século XX e entrou pelo século XXI afetando nordestinos e cidadãos da própria região Norte que tangidos pela seca, pela fome e sonho de uma vida melhor acabaram irremediavelmente sendo escravizados pelo mesmo modus operandi, que envolve o endividamento com o transporte, a compra de ferramentas e gêneros alimentícios em barracões, a vigilância por capangas, a violência como arma de submissão e o endividamento como “dívida moral” do trabalhador.

O Brasil ao não ter superado a herança escravista cento e vinte nove anos depois da abolição da escravidão continua reproduzindo este sistema de exploração e acumulação de capitais fazendo com que os pobres, brancos, mestiços, negros e indígenas continuem a amargar os piores indicadores sociais do país e demonstrando que a escravidão continuou sendo um mecanismo de exploração profundamente arraigado na cultura nacional e no mundo do trabalho, algo que as classes mais favorecidas econômicamente nunca renunciaram de fato como um instrumento de lucratividade e expressão de poder.

A esse respeito Maior (2000) comenta:

Em quatro séculos e meio de história do Brasil, três séculos e meio foram marcados pela existência da escravidão, cuja influência se faz sentir até hoje na cultura nacional, por gerar a concepção de trabalho como algo que se possa obrigar o outro a fazer e que possibilita tratar as pessoas como mercadorias. Essa situação nos legou uma insensibilidade, uma espécie de descompromisso com a sorte das pessoas que se situam fora das classes mais favorecidas, está, ainda, atualmente esse espírito escravista arraigado na cultura brasileira, seja na discriminação da mulher, seja na discriminação do negro e seus tratamentos desfavorecidos. (MAIOR, Jorge Luiz Souto, 2000, pp. 61-63)

Então para Maior (2000) independentemente da denominação que se dá ao trabalho escravo contemporâneo (“escravidão por dívidas”, “trabalho forçado”, “trabalho obrigatório”, “redução à condição análoga à de escravo”) podemos constatar a sempre presença de vícios e desrespeitos a questão trabalhista e a vontade do trabalhador, seja no início da arregimentação da força de trabalho, no começo da prestação de serviços, no curso da relação de trabalho e até mesmo por ocasião do seu término. Os mais diversos métodos de coação, simulação, fraude, dolo, indução a erro, são empregados para cercear a vontade do empregado e obrigá-lo à prestação de serviços contra a sua vontade.

60 Assim ao estudarmos o crescimento da escravidão no campo brasileiro a partir de meados do século XX e nas primeiras décadas do século XXI fica claro que a existência de uma estabilidade em determinadas formas de exploração e uso da violência contra o trabalhador está inserida dentro de uma lógica do funcionamento capitalista que visa o lucro e impõe um dinâmica econômica de funcionamento do Estado brasileiro voltada para antender os interesses das classes que detém o poder econômico e político. Dentro da lógica capitalista há uma grande impossibilidade de criar um Estado do bem estar social, geralmente isso não passa de um engodo ideológico sem correspondência na realidade sócio-econômica.

Por mais que mude o modo de produção e os elementos da superestrutura ideológica da sociedade, ainda existe uma mentalidade patronal que pensa que o proprietário pode tudo nas relações de trabalho, inclusive tratar o trabalhador como um mero instrumento de trabalho, que não pode ter autonomia, protagonismo social e as vezes até mesmo o sagrado direito de ir e vir, sendo escravizado ou sofrendo maus tratos de toda ordem. Para todos os patrões do universo capitalista o pilar básico da ordem social vigente é a propriedade privada sendo evidentemente dificil identificá-la como a raiz dos males sociais e da própria violência que assola a sociedade.

Embora haja patrões que respeitam as normas jurídicas e política explícita entre as classes sociais e se comportam nas relações de produção da sociedade capitalista dentro de padrões legais da compra e venda da força de trabalho, no limite da divisão entre o público e o privado e no que é concebido como democracia formal, há também inúmeros proprietários que veêm as Normas Regulamentadoras do Trabalho e outras obrigações trabalhistas como algo excessivo e impeditivo do desenvolvimento da livre iniciativa privada. Nesse sentido, é muito comum ver fazendeiros argumentando que as exigências do Ministério do Trabalho e Emprego para o cumprimento das Normas Regulamentadoras Rurais (NRR), relativas à Segurança e Higiene do Trabalho Rural, "são abusivas", "querem impor uma realidade impossível de se cumprir na Amazônia e no campo brasileiro".

A norma inserida na Consolidação das Leis do Trabalho repele o sistema "truck system", estabelecendo, no artigo 468 da CLT repudia descontos não autorizados nos salários, e o artigo 462, e parágrafos, também da CLT, veda o fornecimento de mantimentos por armazéns do patrão a preços acima do praticado pelo mercado. Assim os princípios da irredutibilidade e intangibilidade salarial são uma obrigação legal e que devem ser observados em qualquer forma de trabalho legal.

Todavia a prática do trabalho escravo contemporâneo sempre se constituiu numa prática ilegal e clandestina, que encontrou na economia da borracha na Amazônia sua gênse e exemplo mais acabado, mas que continua ainda hoje largamente usada na Amazônia gerando a

61 escravidão de milhares de homens, mulheres e crianças disseminada em vários ciclos da produção econômica da região.

A cultura de alta exploração da mão-de-obra perdurou, principalmente com o trabalho escravo contemporâneo, porque a produção de baixo custo, baseada na mão-de-obra braçal e de pouca tecnologia, ainda era rentável e compensava para os grandes produtores rurais. A lógica capitalista de acumular riqueza a partir do “esfolamento do couro do trabalhador”, para manter a taxa de lucratividade do capital, ainda não enfrentava uma ação decisiva do Estado, nem uma postura combativa da sociedade.

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Figura 4 - Trabalhadores Escravos da borracha, Estado do Pará, 1934. Foto:http://militanciaviva.blogspot.com.br/2011

O trabalho escravo, depois de sobreviver com o ciclo da borracha e do caucho14, também se espalhou pela Amazônia com a expansão da exploração da castanha, da agropecuária, das atividades domésticas (em que era comum ter uma ou várias crianças "adotadas" como meninos de recado"), na extração de minérios (principalmente ouro, diamante, cristal) e até algumas atividades comerciais em que grandes comerciantes

14 Caucho (Castilloa ulei), árvore amazônica, da qual se extraí um látex também utilizado para fabricar borracha, mas seu

látex não apresenta as mesmas qualidades do produzido pelo gênero Hevea (seringueira) e precisa ser misturado ao desta. Tem propriedades diferentes do látex da Hevea brasiliensis, é mais denso e não coagula tão rapidamente. Por estas características era utilizado pelos índios e seringueiros para fabricar os encauchados.

62 exploravam tropeiros e carreteiros que saíam a vender pela região sal, querosene, tecidos, ferramentas e outros gêneros de primeira necessidade.

A esse respeito, Silva faz o seguinte comentário:

O comércio cada vez mais se ampliando, com os lucros do caucho, a borracha da mangabeira. Esta matéria-prima alcançava preço astronômico na praça de Belém. Havia grande intercâmbio comercial com essa praça em Goiás, Maranhão e Piauí, que constantemente abarrotavam o mercado com suas mercadorias. O comércio local levava para as praças do Pará e Maranhão os seus produtos: couro de boi, peles silvestres, gado em pé (para a Bahia e Piauí), látex da mangabeira (para Belém), retornando principalmente com ferramentas, sal, querosene, tecidos em geral [...] Também eram frequentes as tropas de burro carregadas de mercadorias da Bahia que por aqui passavam com destino a Porto Franco do Araguaia (hoje município de Couto Magalhães [em Tocantins] e vale do Xingu, no Pará. A febre do caucho (borracha) impulsionava todo o comércio, arrastando gente de todos os lados, principalmente do Piauí...(SILVA, 1996, p. 88)

Nas crescentes atividades econômicas da região Norte, com muita frequência a superexploração da força de trabalho e o trabalho escravo caracterizados pelo aumento da jornada de trabalho, o aumento da intensidade de trabalho, pagamento da baixos salários ou permuta e submissão do trabalhador eram frequentes e praticados por inúmeros comerciantes, atacadistas e fazendeiros mais ricos.

Silva (1996) evidencia isso, quando fala do poder econômico de alguns comerciantes da região tocantina nas primeiras décadas do século XX, que possuíam embarcações e inúmeras tropas de animais para transportar suas mercadorias. A esse respeito ele afirma:

O "Batuta" foi o primeiro barco de motor a explosão que veio a Carolina. O "motor" - designação adotada para toda embarcação - veio provar o novo intercâmbio com Belém. Depois, vieram outras embarcações a motor, que nas grandes cheias se aventuravam até Belém e Porto Nacional. Na vazante, o percurso era até Piabanhas (Tocantínia) e Porto Nacional e, de lá, as mercadorias seguiam em tropas de burro para o Sul do Tocantins. [...] Alguns comerciantes passaram a se abastecer também em Caxias (Maranhão) mandando algodão em troca de mercadorias. De Caxias, as mercadorias vinham em lombo de burros tocados por tropeiros. Para cada tropeiro, cinco animais. A viagem era longa: 150 léguas de volta, demorando-se 35 a 40 dias na viagem. Os muares, com seus arreios, eram propriedade do comerciante que tinha mais este empate de capital, somado ao que tinha que pagar aos tropeiros. (SILVA, 1996, pp. 89-90)

63 Silva (1996) ao fazer suas observações sobre a ampliação das relações capitalistas na região hoje chamada de Amazônia Legal, demonstra o grau de dificuldades para se realizar o comércio e alguns elementos da intensa exploração da força de trabalho. Como no caso dos tropeiros que caminhavam e conduziam tropas por centenas de quilômetros, em viagens de muitos dias, sacrifícios e cansaço, para receber baixa remuneração e pouco reconhecimento pelo seu papel de desbravadores dos sertões do Brasil.

A partir da Amazônia o crescimento e a difusão do trabalho escravo contemporâneo vem se alastrando como um câncer em metástase pelo território nacional. Na Amazônia esse câncer social faz desaparecer desde o século passado a floresta, destruindo vidas e gerando condições subumanas que pode ser sintetizada em três palavras: devastação, sofrimento e morte.

Como a Amazônia é uma região de difícil acesso, as instituições estatais nunca tiveram controle efetivo nas localidades mais isoladas. O resultado tem sido desde sempre a prevalência da lei do mais forte e infindáveis histórias de padecimento, dor, rebaixamento moral, desumanidade e escravidão.

Algumas histórias de violência da Amazônia seriam puro infrarrealismo ou realismo mágico se não constituíssem uma tragédia humana de larga incidência e impactos, que nem mesmo um Roberto Bolaño Ávalos ou de um Gabriel Garcia Marquez como escritores conseguiram colocar em suas magistrais obras literárias. Apesar da força da vida na Amazônia a banalização da morte, o terror e a violência faz parte do cotidiano.

A partir do processo de abolição e da Lei Aurea a escravidão no Brasil deixou de contar com um regime jurídico e oficialmente um regime econômico baseado no trabalho escravo, mas a escravidão como expressão da superexploração da força de trabalho, como objeto de lucratividade de poucos sobreviveu na Amazônia embora não mais como forma de propriedade e produção dominante, mas como mecanismo econômico de exploração da força de trabalho nos rincões do país e de discriminação social.

1.6 A Escravidão Moderna e a Escravidão Contemporânea: O Aperfeiçoamento da

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