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A Ampliação da Escravidão Contemporânea nas Nas Regiões de Fronteira Agrícola

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O AVANÇO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL E OS DRAMAS DA FRONTEIRA

2.2 A Ampliação da Escravidão Contemporânea nas Nas Regiões de Fronteira Agrícola

Conceitualmente para o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), no que caracteriza o trabalho escravo contemporâneo está a existência de pelo menos quatro fatores básicos: 1) apreensão de documentos, 2) presença de guardas armados e “gatos” de comportamento ameaçador, 3) dívidas ilegalmente impostas, 4) manutenção do trabalhador em isolamento e sem poder desligar-se do trabalho por vontade própria.

Esse conceito do TEM, voltado especificamente para o trabalho rural, está explícito no uso da violência, do cativeiro, da precariedade de comunicação, a dificuldade de acesso às propriedades rurais e a situação comum de desrespeito à legislação trabalhista no meio rural.

Porém é preciso lembrar sempre que o trabalho escravo contemporâneo não é uma manifestação estritamente rural. Há focos lamentáveis de escravidão também no meio urbano que se caracterizam igualmente pela clandestinidade, total desrespeito à legislação trabalhista, dificuldades de combate ao ato escravizador e limitações de fiscalização. Sendo caracterizado

178 também pelo uso estratégico das falsas promessas feitas pelo empregador como: bons salários; boa estrutura de trabalho e alojamento; entre outras.

O trabalho escravo contemporâneo geralmente é mais especializado do que seus predecessores pois possui modernos e avançados recursos de produção, como uso de motosserras, máquinas de borrifar pesticidas, tratores de esteira e veículos para auxiliarem nos processos de desmatamentos etc.

Todavia as condições de escravidão atuais chegam a ser piores do a escravidão do passado, pois se caracterizam por uma série de novos fatores, como a construção de falsas dívidas que impedem o trabalhador de desvincular-se de seu "contrato", o pagamento e a retenção de salários e longas jornadas de trabalho.

Em alguns empreendimentos onde há o registro de vários flagrantes de escravidão de crianças, jovens e adultos, como nas carvoarias, muitas vezes há jornadas de trabalho superiores a 12 horas de trabalho e o funcionamento de apenas dois turnos nas 24 horas do dia, onde o trabalhador tem que manter os fornos de queima da madeira funcionando sem interrupção.

Em um flagrante realizado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho em 31 propriedades rurais fiscalizadas no Tocantins, em abril de 2012, foi constatada a presença de 96 trabalhadores submetidos a um regime de escravidão, sendo que dois eram menores e três mulheres, todos com jornadas de trabalho desumanas de até 15 horas diárias.

Segundo o Coordenador do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, Humberto Célio Pereira: "as irregularidades constatadas pela fiscalização de abril [2012] só demonstram a gravidade da problemática relativa às condições de trabalho na atividade de carvoejamento no Tocantins", onde têm sido flagradas diversas situações de superexploração da força-de- trabalho, crimes ambientais, trabalho infantil e uso incorreto de agrotóxicos. 43

Ao contrário do escravizado do passado, o escravos contemporâneos muitas vezes são marcados pela inexistência de alojamentos ou alojamentos extremamente precários, o não fornecimento de equipamentos de proteção, a inexistência de medicamentos ou atendimento médico às situações de adoecimento, o fornecimento de água e alimentação inadequadas para consumo humano.

Esse tipo de trabalho escravo no Brasil está diretamente ligado e atrelado aos fenômenos políticos, econômicos e jurídicos das relações sociais desiguais que imperam no

43 Cf. FERNANDA, Luana, in: Reportagem 96 pessoas são resgatadas de trabalho análogo à escravidão, Jornal do Tocantins

179 país, da contraditória relação do Direito brasileiro com a propriedade privada e o poder de quem a controla, inclusive usando a lei para adequar os conflitos causados por condutas em tese criminosas e da violação dos direitos legais dos trabalhadores.

Além da comum morosidade da Justiça em decidir os processos que tramitam em seus tribunais, principalmente aqueles em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes e/ou escravo, obrigando-o a trabalhar sob pressão, sob coação de armas e/ou dívidas ilegais, criadas com dispositivos que contrariam até os mais liberais comportamentos capitalistas.

Em todas as épocas históricas os escravos têm um imaginário coletivo composto por um conjunto de símbolos, conceitos, memórias e imaginação coletiva que torna possível sua existência, sua resistência e sua própria sobrevivência enquanto indivíduo que pertence a um grupo social específico. Dessa maneira a maior ou menor sensibilização dessas pessoas em relação a esses símbolos compartilhados reforça o sentido de comunidade, de sua resistência cultural ou ao contrário facilita o processo de dominação e escravidão.

O homem que vive em pequenas comunidades rurais ou em cidadezinhas do interior do Brasil, nos Estados mais pobres da região Nordeste e Norte, a exemplo do Piauí, do Maranhão e do Tocantins, tem sobre si o estabelecimento de um imaginário coletivo marcado progressivamente pela destruição da cultura de raiz, das verdadeiras manifestações populares.

Desse imaginário faz parte a ordem do supérfluo, da frivolidade e da cultura de massas que chega cotidianamente impulsionada principalmente pela televisão e pelo rádio, que fomenta forte difusão do desejo de consumir determinados produtos que no ambiente em que vivem dão visibilidade e reconhecimento social (celulares, motos, automóveis usados, eletrodomésticos, roupas, antenas parabólicas, perfumes, bebidas, cigarros, etc).

Esse desejo de consumo se fixa no inconsciente coletivo através de símbolos produzidos e construídos socialmente os quais por sua vez denotam uma ideia representativa de uma realidade geralmente marcada pela baixa autoestima em que as mercadorias capitalistas passam a ser um mecanismo de compensação da condição social.

Poder consumir satisfaz a subjetividade e causa o contentamento, aflorando sentimentalidades que na verdade são meros reflexos de experiências com os objetos simbólicos. Assim, possuir por exemplo uma moto, uma bicicleta ou um carro proporciona

status e reconhecimentos diferentes na vida social local.

O fato de não poder comprar determinados produtos de alimentação, bebidas, higiene pessoal, roupas, calçados, meios de transporte (principamente motos e bicicletas), móveis,

180 equipamentos eletrônicos, enfim os produtos oferecidos pelo capitalismo em sedutoras propagandas midiáticas, gera fortes constrangimentos nos trabalhadores.

Evidentemente a constituição do imaginário local não passa apenas pela introspecção da cultura de massa com interesses de consumo, ainda recebe a influência das instituições da sociedade civil, religião e da organização da sociedade política, que ocupam papel fundamental na organização da vida cotidiana e, mais especificamente, na articulação e na reprodução das relações de poder. Elas por si já constituem um todo simbólico, no qual possuem uma grande rede de significados.

Mas é notório o fato de que o sistema de significações que constitui o imaginário social em pequenas localidades interioranas do Brasil é composto cada vez mais por um conjunto de relações imagéticas ligadas ao mundo das mercadorias capitalistas, que atuam na memória afetivo-social da cultura local, sendo um substrato ideológico que produz coletivamente sentimentos e atitudes depositária na memória que as famílias e os grupos recolhem de seus contatos com o cotidiano.

Os desejos das pessoas, que se processam cotidianamente não são apenas o de saciar a fome, a sede e ter um teto para viver, geralmente as pessoas querem receber afeto, reconhecimento, querem satisfazer suas aspirações, os seus medos e suas esperanças individuais, que passam também por ter um emprego, uma renda, uma condição econômica que lhes possibilite estarem inseridas no mundo do consumo capitalista.

Assim as pessoas expressam em seu cotidiano aquilo que sua consciência apreendeu como sendo um modo de vida único, possível e que traz satisfações, que geralmente ainda não encontraram e pensam encontrá-la se puderem consumir, se puderem comprar. Esse tipo de alienação abre as portas para a escravização contemporânea em muitas localidades do Brasil.

Isso porque grande parte dos pequenos municípios interioranos do Brasil, principalmente os do Nordeste e Norte, não tem geração de renda, emprego, condições dignas de vida para a maioria de seus habitantes, gerando uma situação de ampla fragilidade econômica para as famílias e as pessoas individualmente. Dessa forma muitas pessoas são obrigadas a se deslocarem para outras regiões e aceitar qualquer tipo de trabalho que apareça.

É assim que os Estados do Tocantins, Maranhão e Piauí se transformaram em grandes fornecedores de mão-de-obra escrava com trabalhadores indo espontaneamente para outros estados, principalmente Pará, Mato Grosso, e Bahia, ou aliciados por contradores de mão-de-obra a serviço dos fazendeiros, que muitas vezes, vão buscar os trabalhadores de "ônibus de turismo", de caminhão (o velho pau-de-arara) ou, para fugir da fiscalização da PRF, pagam as passagens dos trabalhadores em ônibus de linhas convencionais.

181 Conforme dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) o Pará, Mato Grosso e o Tocantins também foram os estados que nos primeiros cinco anos do século XXI mais escravizaram trabalhadores, demonstrando que esse crescimento está intimamente ligado à ampliação do agronegócio nesses estados, que desde meados dos anos de 1990 vem crescendo seus investimentos, principalmente na produção de grãos, gado e cana de açúcar.

O agronegócio, ao avançar nesses estados fez com que as fazendas e grandes projetos agrícolas realizassem grandes contratações de trabalhadores manuais para realizarem derrubadas, plantar pastos, construir cercas, realizar plantações o manejo do gado e realizar todo um conjunto de atividades típicas de uma fazenda. Em inúmeras fazendas, isso tudo foi realizado com o trabalho escravo e com a superexploração da força de trabalho.

Esse mesmo movimento também pode ser observado em relação ao Maranhão e Bahia, onde o número de libertos também cresceu entre 2000 e 2005, principalmente nas carvoarias, plantações de algodão e soja, também evidenciando um grande número de trabalhadores escravizados nesses Estados e confirmando que na nova fronteira agrícola do Brasil, a escravidão é um dos combustíveis fundamentais.

Para confirmar como o número de trabalhadores libertos da escravidão em Mato Grosso, Pará, Tocantins, Maranhão e Bahia se distanciaram dos outros estados da federação, verifiquemos a Tabela Trabalhadores Libertados Entre 2000 à 2005, com dados da OIT: Tabela 6: Trabalhadores Libertados entre 2000-2005

LIBERTADOS 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total AC - - - - 2 12 14 RN - - - - 29 29 RS - - - 35 35 MS - - - 29 - 18 47 PR - - - 82 82 AL - 49 - - - - 49 PI - - - - 38 - 38 MG - - 24 - 19 - 43 SP - - 76 - 142 - 218 ES - - - - 244 80 324 GO 79 - - - 245 404 728 RO - - 42 355 18 42 457 RJ - - - 446 183 629 TO - 27 - 462 541 328 1.358 BA - - - 1.089 150 314 1.553 MA - 457 184 276 347 383 1.647 MT 157 245 567 683 326 1.454 3.432 PA 280 527 1.392 1.888 928 1.219 6.234 TOTAL 516 1.305 2.285 5.228 3.212 4.371 16.917

182 Pelos dados da tabela percebe que Tocantins, Pará e Mato Grosso, no período entabulado, possuiam mais de 53% do total de trabalhadores libertados, pelos grupos móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, fato também verificável no Maranhão e Bahia.

Esses trabalhadores majoritariamente viraram escravos devido à pobreza extrema, à falta de terra para plantar, a falta de incentivos governamentais suficientes para a fixação do homem no campo, devido, ainda, ao desemprego nas pequenas cidades do interior, a falta de rendimentos, ao desejo de consumir ou a tudo isso junto.

Todo esse quadro social, político e econômico faz com que os trabalhadores acabem não vendo outra saída senão deixar sua casa, em busca de alguma remuneração que possa ser usada para seu próprio sustento e para a sua família. É aí que entra a figura dos gatos como agenciadores e contratantes de mão de obra.

Os trabalhadores extremamente pobres e havidos por um emprego ao ouvirem os rumores de que existe serviço farto em fazendas, principalmente do Tocantins, Maranhão, Bahia, Mato Grosso e Pará, se deslocam em busca desses locais espontaneamente ou são aliciado por gatos, para executarem empreitas nas fazendas, usinas, carvoarias e outros empreendimentos agrícolas.

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