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A Globalização e a Questão da Hibridação Cultural Na Escravidão Contemporânea

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA DO SÉCULO XX AO SÉCULO

1.18 A Globalização e a Questão da Hibridação Cultural Na Escravidão Contemporânea

A escravidão também é um espaço híbrido de configuração de novas identidades múltiplas e complexas, lugar de encontro de diferentes atores sociais, tanto nacionais como estrangeiros (imigrantes) que no processo de intercâmbio cultural pode acabar também reforçando a condição de trabalhador que precisa sempre construir novas formas de resistência, de luta e sobrevivência.

Nesse sentido, a escravidão contemporânea assim como a escravidão antiga ou a escravidão moderna dos tempos coloniais do Brasil e de outros países representa um espaço de encontros e desencontros que obriga as pessoas a reagirem com as mais variadas estratégias de sobrevivência. Nesse sentido a escravidão contemporânea é um espaço de reelaboração da vida social, que obriga os indivíduos a estabelecerem estratégias e reações para sair da escravidão.

O trabalho contemporâneo dentro do Estado-Nacional faz com que nas confecções e fábricas, nos guetos urbanos, nas fazendas, nas carvoarias, nas grandes plantações do agronegócio os traballhadores acabem fabricando mais do que mercadorias ou produzindo gêneros agrícolas, eles também fabricam e produzem uma hibridação cultural fundamental

133 para renovar costumes de resistência, agregando um misto de diferenças que podem colocar em xeque a própria forma arcaica de dominação e exploração.

Quem trabalha muito bem o conceito de hibridismo cultural é o crítico pós-colonial indiano contemporâneo Homi Bhabha, que ao discutir a questão da identidade no contexto da experiência pós-colonial, marcada por histórias de deslocamentos, de espaços e origens, tanto no sentido da experiência da escravidão, quanto da experiência das diásporas migratórias das metrópoles para as colônias e vice e versa, trazem a aproximação, a justaposição e a conformação de um hibridismo cultural relevante.

Essa experiência de deslocamento, para Bhabha (1998) deve ampliar o próprio conceito de cultura que deve ir muito além de uma estrutura pensada como estável, homogênea ou algo imposto de fora para dentro, enquanto aspecto ideológico decorrente da superestrutura do modo de produção. A cultura de uma sociedade, de uma classe social, de um grupo de indivíduos não pode ser ideologizada ou ser vista apenas como um reflexo sem liberdade.

Para o autor, a questão do hibridismo cultural permite que se vejam as diferenças culturais em outro nível, num patamar onde haja uma releitura e uma ressignificação do próprio conceito de cultura. Numa perspectiva de apropriação positiva das novas experiências vivenciais, que possam reforçar além das ideologias o valor primordial da vida humana como condição de todos os valores, como condição para se entender o que é justo e o injusto.

Bhabha (1998) afirma que no processo da diáspora humana o migrante ou imigrante acabam sempre tirando lições da ambivalência cultural a que estão submetidos, alterando sua própria cultura e criando mecanismos de resistência que focalizam o problema da ambivalência da autoridade cultural e geram sempre estratégias úteis de sobrevivência e busca de novos caminhos para suas vidas.

Nesse processo o hibridismo cultural em Bhabha (1998) parece implicar numa condição e em um processo. É uma condição do discurso cultural que se impõe em toda sociedade, dentro da qual a autoridade cultural (colonial no caso da análise do autor) impõe determinadas visões de mundo entre posições de poderes desiguais. Mas é também um processo de negociação cultural, "um modo de apropriação e de resistência, do pré- determinado ao desejado" (BHABHA, 1998, p.120).

Dessa maneira, para Bhabha (1998), o hibridismo é uma ameaça à autoridade cultural, subvertendo o conceito de origem ou identidade pura da autoridade dominante, através da ambivalência criada pela negação, variação, repetição e deslocamento. É também

134 uma ameaça porque é imprevisível, porque acaba criando algo que foge ao controle das classes sociais dominantes.

Bhabha (1998) quando analisa a diáspora humana busca compreender como ela acaba construindo novas territorialidades, criando um processo de “DissemiNação”, um processo de pertencimento identitário simultâneo a “dois mundos”, o deixado e o encontrado, criando nesse hibridismo cultural uma experiência capaz de renovar as capacidades de lidar com o mundo e sua vida urbana e/ou rural.

Neste contexto, a questão do território é fundamental. Este território oscila entre um espaço material e simbólico, entre lugar concreto e imaginado. Assim por exemplo os indianos que migram para a Inglaterra, já não vivem em sua terra natal, mas também não vivem inteiramente na Inglaterra, constroem um mundo e uma cultura mesclados pelos dois mundos onde já viveram e vivem.

Isso nos remete de forma explícita ao processo de conformação das identidades em uma nação, causado pelo fato que o migrante ter em si a materialização de um novo território reúne duas seminações. No Brasil, por exemplo a vinda dos migrantes europeus e asiáticos no final do século XIX fomentou no país uma grande diversidade cultural, fundamental para o estabelecimento de uma nova identidade nacional.

Bhabha (1998) explica que na composição das nações modernas, em grande parte, o processo da migração foi responsável por situações de "différance", um termo francês cunhado por Jacques Derrida que pode significar tanto "diferir" ("postergar" / "adiar") quanto diferenciar, demonstrando que onde a pátria e a diáspora se encontraram o resultado foi sempre a conformação de novas identidades culturais.

Nesse sentido, segundo o autor é preciso saber perceber até onde vai a exclusão e a exploração de um movimento de criação de novas identidades, formas de vida e territorialidades. Assim provavelmente a característica mais marcante e problemática do hibridismo termine sendo a sua ambivalência, ao solucionar tensões entre culturas, não sendo possível nunca prever a que resultados se chegará quando está em jogo processos de vivência social.

Conforme Bhabha (1998) em seus estudos parece estar mais interessado na questão da diferença cultural, e não na questão da diversidade e do antagonismo social. Dessa maneira ele sugere que os estudiosos da questão do hibridismo cultural se focalizem mais no problema da ambivalência da autoridade cultural do que propriamente da manutenção do poder ou da disputa por ele. (BHABHA, 1998, p.34).

135 De qualquer maneira ao comentar sobre a questão da hibridização cultural, Bhabha (1998) demonstra que ela é um conceito fundamental para se entender as transições ambíguas dos processos sociais e o próprio entendimento das traduções culturais quando ele afirma:

A hibridização não é algo que apenas existe por aí, não é algo a ser encontrado num objeto ou em alguma identidade mítica "híbrida" - trata-se de um modo de conhecimento, um processo para entender ou perceber o movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que necessariamente acompanha qualquer tipo de transformação social sem a promessa de clausura celebfratória, sem a transcendência das condições complexax, conflitantes, que acompanham o ato de tradução cultural [...] que é tornado viável somente através da estratégia de contradição... a qual requer uma teoria da 'hibridação' de discurso e de poder que é ignorada por teóricos que se ocupam da luta por 'poder', mas o fazem simplesmente como os puristas da diferença” (BHABHA, 1998, p.111).

É valido ressaltar também que o conceito de ambivalência permeia os escritos teóricos de Bhabha, e sua análise é baseada numa, nem sempre clara, distinção entre a diversidade cultural - definida como uma categoria - e a diferença cultural - definida como um processo.

Nessa distinção o próprio Bhabha (1998) parece ser ambivalente ou ambíguo quando afirma:

Se a diversidade cultural é uma categoria da ética, da estética ou da etnologia comparativas, a diferença cultural é um processo de significação através do qual enunciados sobre ou em uma cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade” (BHABHA, 1998, p.34).

Mas independente dessa perpectiva Homitiana gerar dúvidas quanto ao processo da diferença cultural e da significação cultural, a questão da hibridação ao que nos parece tornou- se um ponto de resistência, de reação à realidade coercitiva que muitos migrantes vivem em outros territórios distantes de sua cultura padrão.

Acredito que essa ideia de ver os processos culturais de Bhabha (1998) pode ser aplicada também às situações internas do Brasil, porque num país formado por culturas muito diversas, que reúne experiências individuais muito ricas, onde o agronegócio começa a escravizar nordestinos no sudeste, escravos nortistas no sul, no centro oeste e em outras regiões também não está gerando apenas um processo de exploração da força de trabalho, mas também criando experiências existenciais.

136 Nesse sentido as análises de Bhabha (1998) devem ser associadas às ideias do antropólogo Figueira (2004), que no Brasil ao estudar as questões do trabalho escravo contemporâneo afirma que os trabalhadores, quando viajam em busca de trabalho com amigos, pessoas com padrão cultural, memória geográfica, alimentar, religiosa, musical, simbólica e social compartilham isso com o grupo reforçando ou recriando sua cultura.

Para Figueira (2004) o patrimônio cultural transportado pelos trabalhadores de uma região a outra do Brasil, compostos os valores diversos é compartilhado sem ser uniformizado, afetando as predisposições subjetivas e objetivas, alterando comportamentos e gerando comportamentos novos. (FIGUEIRA, 2004, p.117)

Dessa maneira Figueira (2004) também afirma:

Subjetivamente a pesssoa recusa ou adota determinado comportamento e forma de compreender o mundo; objetivamente, sofre pressões que confirmam os valores e reavivam a memória. As pressões buscam eliminar tendências a rupturas e adequar as pessoas ao lugar social [...] mas deslocado do grupo que compartilha uma história parecida as pessoas transportam seus valores [...] e intercabiam em algumas ou em todas as situações esse patrimônio de valores, lembranças e vivências. (FIGUEIRA, 2004, p.118)

Em adição à análise de Figueira (2004) essas experiências vivenciais ao se encontrarem, ao serem intercambiadas, misturam identidades diversas e podem trazer à tona novas identidades e/ou reforçar as identidades já próprias, num processo de encontro de algo comum no ambiente de trabalho espoliativo e na busca de maneiras de reagir a ele.

Então a partir das formulações teóricas de Bhabha (1998) e de Figueira, (2004) pode- -se deduzir que a vida do escravo contemporâneo só se torna viável quando ele é capaz de estabelecer através da estratégia da contradição, a luta necessária contra o escravizador, a capacidade de usar os elementos culturais de sua vivência anterior e do processo de escravização. Mas essa postura é cada vez mais dura e difícil num mundo comandado pelos grandes monopólios da comunicação, do agronegócio, da indústria e das finanças na "nova" era da globalização capitalista

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1.19 O Predomínio dos Grandes Monopólios Econômicos e a Flexibilização do Mundo

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