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O Capitalismo Tardio no Brasil e o Fim do Trabalho Escravo Legal

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AGRONEGÓCIO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO A pedagogia dos aços golpeia no corpo

1.3 O Capitalismo Tardio no Brasil e o Fim do Trabalho Escravo Legal

No Brasil, o processo econômico em nada se pareceu com o europeu. Primeiro porque grande parte das terras estava nas mãos de grandes produtores; segundo porque os trabalhadores assalariados durante muito tempo foram uma minoria e terceiro, porque o processo de "acumulação primitiva" durante décadas foi reinvestido na própria escravidão, muito diferente do que de fato foi a acumulação primitiva capitalista na Europa, onde os capitais eram reinvestidos na produção industrial e no comércio.

O Brasil conforme observou Novais (2008) enquanto a Europa seguia o caminho da desarticulação do sistema escravista e procurava industriaizar-se procurava manter a escravidão e insistia num tipo de economia onde não foram criadas as condições necessárias para o nascimento de um capitalismo pleno, capaz de gerar a industrialização, ter autonomia, criar um vigoroso mercado consumidor interno e capaz de impulsionar um amplo processo de desenvolvimento, com disseminação do trabalho assalariado, dentro de regras jurídicas e uma legislação trabalhista que conseguissem de fato por fim ao trabalho escravo e outros abusos.

No Brasil, o que houve foi a instalação de uma economia em que o latifúndio foi sempre a marca principal da expropriação das terras e dos meios de produção dos camponeses, transformando-os frequentemente num proletariado mal remunerado, marginalizado, desorganizado e que dispõe apenas da sua força de trabalho e quase nunca condições de impor o respeito aos seus direitos trabalhistas e sociais.

45 A expansão econômica interna e o influxo econômico externo propiciaram ao poder burgues a criação de uma concentração de poder econômico e político que permitiu aos proprietários dos meios de produção o uso de relações de trabalho altamente espoliativas e formas de propriedade capitalistas e não capitalistas para seu enriquecimento, manutenção de

status quo e poder impensáveis para a burguesia européia. Dessa forma a manutenção no país

de uma agricultura monocultora e latifundista sempre estimulou um capitalismo atrasado, dependente, no qual a permanência das relações de produção escravistas nunca foram deixadas de lado completamente.

Analisando essa situação, a historiadora Canabrava (1985) afirma:

Aqui prevaleceu a grande propriedade sempre monocultora. Voltada para a produção em grande escala de mercadorias para exportar, nela se concentravam todos os recursos do colono. Aqui como nas ilhas antilhanas, verifica-se a diferença fundamental entre os pequenos agricultores dedicados à lavoura de subsistência com o recurso apenas dos braços da família, e a grande lavoura monocultora e escravocrata, inteiramente concentrada na produção de gênero para exportar. (CANABRAVA, 1985, p. 200)

O capitalismo que se implantou no Brasil de maneira tardia e completamente subordinado ao imperialismo e aos grandes monopólios internacionais foi fruto de uma longa história anterior de dominação colonial, de existência de um longo período escravocrata e latifundiário, que deixou marcas ainda hoje sentidas por essa sociedade, mesmo com a modernização produtiva no campo a partir da década de 1960.

As relações de produção baseadas no trabalho assalariado instalaram-se na economia brasileira no final do século XIX, no momento em que o mercado mundial já estava dominado pela burguesia comercial/industrial das grandes potências, na escalada que levaria à I Guerra Mundial e a uma época de crise permanente do sistema imperialista.

A burguesia brasileira chegou tarde demais para a divisão do mercado mundial mas como classe social isso nunca foi verdadeiramente um problema para ela, na qualidade de classe dominante no Brasil ela nunca teve problema em ser sócia minoritária ou dependente dos grandes cartéis internacionais presentes no Brasil. Nunca houve questionamentos profundos quanto ao fato da economia brasileira ser dependente dos produtos tecnológicos de ponta dos países centrais do capitalismo ou o Brasil ser um grande vendedor de produtos primários agrícolas e a economia do Brasil ser conduzida de forma semicolonial sem se preocupar efetivamente com a qualidade de vida das classes sociais despossuídas.

46 Após a abolição legal da escravidão no Brasil em 1888, o uso do trabalho escravo e das praticas coercitivas de controle da força de trabalho continuaram a compor a história do campo brasileiro, sob diferentes modalidades e em diferentes regiões – o colonato12 nas fazendas de café do Sudeste no século XIX e o sistema de aviamento13 na produção da borracha na região amazônica nas primeiras décadas do século XX, são dois exemplos dessa superexploração da força de trabalho.

Durante o século XX, em diversos ciclos econômicos, como o do café, da borracha, da castanha, do cacau, fazendeiros ainda continuaram utilizando do trabalho escravo e da superexploração do trabalho de uma mão de obra, que efetivamente de livre só tinha o direito de morrer de fome. O hábito do trabalho escravo no Brasil gerou sempre grandes lucratividades, em diversos casos maiores do que o trabalho assalariado e portanto a escravidão nunca desapareceu completamente do cenário histórico nacional, mesmo com sua proibição legal a partir de 13 de maio de 1888.

Assim, a escravidão continuou sendo fomentada por uma parcela da classe dominante que fazia das atividades produtivas agrícolas seu espaço privilegiado de atuação, sempre buscando não onerar o custo do produto e ainda ser diretamente a maior fonte do retorno financeiro dos proprietários. Embora essa lógica também esteja no trabalho assalariado, a diferença é que no trabalho escravo não há nenhum limite legal, moral, ético para a sua exploração.

O escravista contemporâneo sente-se no direito absoluto de implementar o trabalho escravo porque acredita que não será alcançado pelo rigor da lei e que o seu poder econômico e político pessoal poderá lhe safar de qualquer dificuldade, se for flagrado praticando aquilo que a legislação já define como um crime. A lucratividade e um ambiente marcado pela impunidade jurídica fazem com que os neoescravistas do tempo contemporâneo no Brasil se julguem no direito de fazer da vida do escravizado aquilo que melhor convier aos seus interesses econômicos.

12

Colonato: sistema de exploração da mão de obra utilizado pelos fazendeiros que a partir de meados do século XIX, principalmente em São Paulo, no plantio do café, ao enfrentar dificuldades para se expandir com o fim do tráfico negreiro, lançaram mão de uma política de migração de europeus e asiáticos apoiada pelo Estado e puseram em prática o modelo das chamadas “colônias de parceria” ou “colonato”. Esse sistema degenerou-se rapidamente em uma forma de escravidão por dívidas. O Estado brasileiro financiava a operação, o imigrante hipotecava o seu futuro e o de sua família e o fazendeiro ficava com todas as vantagens (FURTADO, 1997; p. 126-127; ESTERCI, 1999; p. 104).

13

Aviamento: sistema de exploração da mão de obra utilizado na exploração da borracha, na Amazônia, onde os seringalistas adotaram a prática de recrutar trabalhadores, sobretudo, dos estados do Nordeste. O sistema de aviamento foi o embrião do grande mecanismo de escravidão por dívida e submissão dos trabalhadores aos seus patrões. O migrante nordestino começava sempre a trabalhar endividado, pois era obrigado a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeira reduziam-no a um regime de servidão por dívidas (FURTADO, 1997; p. 134).

47 Hoje, como ontem, o trabalho escravo sempre foi um um poderoso instrumento de acumulação capitalista, mas no tempo presente ele continua sendo uma prática que torna possível um diferencial de concorrência e preço dos produtos produzidos, que continua atraíndo empresários à reprodução dessa prática. É isso que continua fazendo desse tipo de trabalho uma prática econômica historicamente presente nas relações sociais de produção brasileira.

Por isso mesmo a racionalidade da exploração capitalista no Brasil nunca prescindiu do trabalho escravo. Embora durante um certo tempo ele tenha desaparecido do meio urbano e praticamente na maioria das regiões rurais do país, sobreviveu principalmente nas regiões mais remotas e de difícil acesso. Continuou existindo sob formas variadas e mesmo com os trabalhadores tendo o status de "livres"; a superexploração da força de trabalho sempre foi frequente e até mesmo aceita como normal pelos próprios trabalhadores.

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