• Nenhum resultado encontrado

A normalização democrática na uniformização centralizada do serviço público de

Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

2.6. A normalização democrática na uniformização centralizada do serviço público de

Naturalmente que foi muito pouco o tempo em que as escolas puderam decidir por si próprias, no exercício pleno da autonomia, sem que ninguém lha tivesse conferido ou devolvido, mas antes porque cada escola, por si, a tinha conquistado e assumido.

Ao que parece, os fatores que poderiam ter contribuído para a diferenciação das escolas acabaram por ser suplantados por outros de carácter mais centralista e uniformizador. Assim, ainda talvez com o caos instalado em muitas escolas, na verdade, existiram fatores que acabaram por produzir efeitos de uniformização como,

o crescimento constante da escola de massas, resultante da explosão escolar da década de 1970, a superlotação de muitas escolas que passaram a funcionar ao nível da mera sobrevivência, a própria complexificação da administração das escolas (por incorporação de novos serviços como os englobados na acção social escolar) (Formosinho, 2005, p. 101).

Convirá relembrar que, se houve entrada de alunos e aumento do número de escolas, também, naturalmente, se verificou um acréscimo muito acentuado da entrada de novos professores sem habilitação profissional e, em muitos casos, com habilitação académica por concluir. Estes novos elementos do sistema, agora na qualidade de professores, sentiram-se coagidos a uma adaptação às suas novas funções mesmo que, por vezes, fosse rápida e precipitada pelos acontecimentos.

Perante tal ambiente, torna-se quase impossível que a maioria das escolas, a braços com sobrelotação, com um corpo docente impreparado em larga escala e um aumento exponencial da complexidade dos problemas de administração e organização, tenha quaisquer veleidades ou mesmo capacidade para erguer o seu próprio projeto pedagógico.

A avolumar a infinidade de problemas que se deparam à escola, constata-se que os grupos e organizações políticas transpuseram também para esta o sectarismo ideológico que caracterizava muitos grupos progressistas (Lima, 2002, p. 19). De tal forma esta situação ocorreu que, por vezes, se confundiam alunos com operários e professores com patrões e, objetivos, se os havia, representavam uma ideologia que se começava a revelar incompreendida por alguns professores e também por alguns pais e encarregados de educação.

Nesta dinâmica de envolvimento e de dispêndio de energias, a maioria das escolas já tinha conselhos directivos eleitos ao abrigo de novas regras, mas constata-se igualmente que, na maioria, não havia condições para que os conselhos pedagógicos exercessem as suas funções ou fossem ao menos constituídos conforme o Decreto-Lei 735-A/74 exigia.

É neste contexto que surge então o Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro, que revela que o Ministério, pelo menos teoricamente, teve possibilidade de recentralizar, de contrariar a deslocação do poder do centro para a periferia, a recentralização ocorre. Ocorre uma reconstrução do paradigma da centralização (Idem, p. 20).

Assim, logo no seu preâmbulo, este Normativo retoma a necessidade de reaver a disciplina indispensável para garantir o funcionamento de qualquer sistema educativo, para depois fazer apelo a uma necessária lucidez em separar a demagogia da democracia e lançar as bases de uma gestão que, para ser verdadeiramente democrática, exige atribuição de responsabilidades aos docentes, discentes e pessoal não docente na comunidade escolar.

Contudo, no imediato não houve muitas alterações relativamente ao que se passava com o anterior Normativo (Decreto-Lei 735-A/74, de 21 de dezembro), uma vez que o Governo através deste, assumido com carácter experimental, para vigorar apenas durante o ano lectivo 1974-1975 (Idem, 2011b, p. 60), já tinha lançado as bases morfológicas dos três principais órgãos (conselho diretivo, conselho pedagógico e conselho administrativo).

Em termos práticos, a situação de alguma paralisia e eventual caos que se continuava a viver implicou que, em muitas escolas, até 1976/1977, os plenários de professores continuem a reinar (…) não se formam Conselhos Pedagógicos (Lima, 2002, p. 20).

Naturalmente que, perante esta situação e com o objetivo de conseguir uma efetiva implementação do Decreto-Lei n.º 769-A/76, o Governo promoveu e desenvolveu de forma rápida uma proliferação legislativa muito acentuada, justificada com a necessidade de acompanhar e enquadrar os novos problemas a partir do topo (Formosinho, 2005, p. 101).

O próprio preâmbulo do Decreto-Lei indiciava já a necessidade sentida pelo Ministério de justificar a tal proliferação legislativa que se avizinhava, ao referir-se ao vazio legal criado pelo não cumprimento do Decreto-Lei n.º 735-A/74, de 21 de Dezembro que impunha a sua própria revisão até 31 de Agosto de 1975,o que provocou prejuízos incalculáveis. Justificava-se ainda este despoletar de produção legislativa que se avizinhava com o que anteriormente não foi regulamento e agora se considera fundamental.

Assim, ainda no ano de 1976, surgem a Portaria n.º 691/76, de 19 de novembro, que regulamenta os números 1 e 2 do Artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 769-A/76, que diz respeito à redução da componente letiva dos membros docentes do conselho diretivo, o Despacho n.º 337/76 de 25 de novembro que determina iguais condições de aplicação para equipar Secções dentro e fora das localidades das respetivas sedes. É publicado ainda o Despacho n.º 379/76, de 29 de dezembro, onde se define a redução a atribuir aos membros da comissão instaladora de novas escolas.

No que respeita ao ano de 1977, a proliferação legislativa continua e surgem quatro normativos. Nos dois primeiros, Despacho n.º 95/77, de 30 de julho e Portaria n.º 561/77, de 8 de setembro, definem-se os procedimentos necessários no caso de movimentação de membros docentes que integrem o conselho diretivo e a constituição

das comissões instaladoras que seja necessário designar para novas escolas, respetivamente.

Já quase no fim de 1977 (novembro), foram publicados mais dois normativos que completam o elenco, a Portaria n.º 677/77, de 4 de novembro que, regulamenta o funcionamento do conselho directivo, e a Portaria n.º 679/77, de 8 de novembro, que, por sua vez, regulamenta o funcionamento do Conselho Pedagógico.

Ambas as portarias são de exaustividade e minúcia bastante elevadas, onde não se esqueceu que é atribuição do conselho diretivo, nos termos do n.º 3.1.1 da Portaria regulamentadora, Cumprir os diplomas legais e regulamentações em vigor (…), talvez numa tentativa de reforçar a autoridade central. Determina-se ainda que é também atribuição do conselho directivo, nos termos do n.º 3.1.13 da mesma Portaria: Manter assídua convivência com docentes, discentes e pessoal não docente da escola. Não se entendendo exatamente o significado de tal recomendação, se receio de “novos reitores” ou se receios de mais revoltas contra o poder reconhecido pelo Ministério.

A portaria que regulamenta o funcionamento dos conselhos pedagógicos é de minúcia ainda mais acentuada, tudo se procurando determinar e regulamentar de forma rigorosa, desde a forma como deve ser elaborado o dossier de grupo disciplinar até à periodicidade de diferentes reuniões, entre outros aspetos.

Concluída que foi esta avalanche legislativa, parece que o Governo começa a ter a situação normalizada e os conselhos pedagógicos começam finalmente a constituir-se na maioria das escolas. Estavam lançados os alicerces da reorganização centralizada da escola e tinha começado a funcionar um modelo de organização que, durante anos, foi apelidado de “gestão democrática”. A partir desta, altura as escolas começam, ainda que, de forma lenta, aa constituir todos os órgãos de gestão, nomeadamente o conselho pedagógico.

Num contexto onde os professores estão preocupados em entrar nas rotinas duma profissão com cada vez mais aderentes e “gestores escolares” em fase de aprendizagem, que sistematicamente eram chamados a resolver problemas inerentes à sobrelotação, a existência de um qualquer normativo, mesmo que uma simples “circular” que viesse do topo e dissesse como fazer, funcionava muitas vezes como escape ou como solução “milagreira” para os problemas que se acumulavam diariamente.

Grácio (1985) refere-se ao panorama massificado e de sobrelotação do sistema educativo português que se vinha a viver da seguinte forma: É a ruptura política e

pedagógica, para a qual grande parte dos professores, dos alunos e das autoridades administrativas escolares estão compreensivelmente impreparados (p. 84).

Portanto, poderá afirmar-se que o incremento legislativo acentuado que se verificou nesta altura, a que fizemos referência, se associa a fatores como a evidente continuação do aumento acentuado da procura da escola, que acelerou a massificação, naturalmente contextualizada nas novas dinâmicas sociais que, entretanto, se criaram com a revolução de “25 de Abril”. Acresce ainda, como justificação para este incremento legislativo, a representação social que então se fazia de que a escola era o caos total. O primeiro governo constitucional fez questão de o evidenciar, através do ministro Sottomayor Cardia, que não esconde que os seus principais objectivos são: pôr ordem nas escolas, normalizar, acabar com o caos total (Lima, 2002, p. 20).

Contudo, o próprio modelo de gestão democrática poderá ter dado, aqui também, um forte contributo para essa proliferação legislativa, uma vez que, tendo a administração central perdido a capacidade de nomear diretores ou reitores, naturalmente perdeu a confiança técnica nesses gestores locais que, embora com legitimidade democrática para exercer o cargo, nem sempre se revelavam tecnicamente à altura para o seu exercício.

Parece ter sido também esta perda de confiança da administração central nos gestores locais que mais vezes funcionou como justificação para que se acentuasse não o controle direto baseado na nomeação que se perdeu, mas o outro tipo de controlo inerente ao centralismo burocrático – o controlo normativo (Formosinho, 2005, p. 103).

O jogo político continua e, ao que parece, as contradições dentro dos primeiros governos constitucionais acabam por se acentuar, embora o caminho já estivesse traçado, conforme defende Lima (2002), quando refere que,

o ministro Sottomayor Cardia, que também antes se afirmara adepto da autogestão e da participação, fará institucionalizar um modelo de gestão das escolas preparatórias e secundárias que não concede autonomia às escolas, mas antes reforça a subordinação da gestão á administração central (…) (p. 22).

Ao que parece tinha-se completado o edifício legislativo que, por sinal, punha fim a uma gestão democrática, aquela gestão democrática que se identifica com os atores no terreno, ou seja, a tal autogestão que agora se renega para se apostar na tal gestão democrática que centraliza e vai impedir que a direcção das escolas se localize no interior das escolas (Ibidem).

Percebe-se que se voltou ao antigamente e de acordo com a tradição, a direção das escolas passa em definitivo para o seu exterior, o ME.

2.7. A retórica discursiva da autonomia no contexto da Lei de Bases do

Outline

Documentos relacionados