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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

2.5. O retorno da organização centralizada

Neste contexto de autonomia resultante da ingerência da escola na sua própria organização e por acção criativa e voluntarista, por vezes aparentemente demiúrgica, de colectivos locais e de grupos de activistas, (Lima, 2011b, p. 60), o III Governo Provisório não perde tempo e aprova legislação com vista a afastar este governo autocrático das escolas

Assim, antes de terminar o ano da Revolução, o ME procura reforçar a sua orientação e legitimidade ao fazer publicar, a 21 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 735- A/74, onde, no seu preâmbulo, assume o aproveitamento da experiência das estruturas democráticas de gestão para agora promover a criação das referidas estruturas democráticas em todos os estabelecimentos oficiais (…).

Procurando salvaguardar a participação dos alunos e funcionários, além de naturalmente os professores, institui três órgãos de gestão e administração das escolas: Conselho Directivo, Conselho Pedagógico e Conselho Administrativo.

Embora sendo um Normativo bastante mais extenso do que o que o antecedeu, também não é muito longo, acabando por ocupar-se, em grande parte, de uma regulamentação minuciosa do processo eleitoral para o conselho directivo, em evidente ruptura com as formas de democracia directa que faziam das assembleias e plenários deliberativos os órgãos soberanos das escolas (Formosinho e Machado, 2000a, p. 35).

Pode, talvez, considerar-se estar aqui o reinício de um processo centralizador da organização da escola portuguesa. Lima (2002) refere-se a este Normativo como o anúncio do primeiro golpe de morte na autonomia das escolas e na autogestão pedagógica (p. 17).

Conforme se constata pela detalhada descrição do processo eleitoral, o mecanismo de controlo burocrático e de decisão uniforme e centralizada começa a avançar a passos largos. Se as anteriores comissões de gestão poderiam ser constituídas

e eleitas das mais diversas formas, no que agora termina, também as Assembleias Deliberativas passam, nesta altura, a ser meramente consultivas, nos termos do Artigo 32.º. Estas Assembleias passam igualmente nos termos deste Artigo a carecer de autorização prévia do conselho directivo para serem concretizadas.

Por seu turno, os assuntos de carácter pedagógico e funcional revertem para o recém-criado conselho pedagógico, a quem, nos termos do Artigo 27.º competirá exercer todas as funções que, nos estatutos dos respectivos graus e ramos de ensino e legislação complementar, são atribuídas aos conselhos escolares e disciplinares dos estabelecimentos dos ensinos preparatório e secundário (…).

Este Normativo que, segundo o ME, viria pôr cobro ao caos instalado nas escolas, já tinha sido precedido de despacho regulamentador das Secretarias de Estado da Administração Escolar e da Orientação Pedagógica, de 27 de novembro, onde já se apontava para o cercear da autogestão, através da transformação das Assembleias Deliberativas em assembleias meramente consultivas e carecendo de autorização prévia para a sua realização.

Neste período conturbado, embora o ME tivesse acabado por legalizar as Comissões de Gestão (através do Decreto-Lei n.º 221/74 de 27 de maio), a verdade é que, mesmo assim, foram bastante poucas as que foram homologadas pelo Ministério, indiciando falta de condições, ou então, pode deduzir-se haver, no mínimo, um grau elevado de resistência ao desenvolvimento dos mecanismos necessários à sua efetiva concretização.

Quando o ME preconizava a normalização das escolas através da implementação de novos órgãos de gestão consubstanciados no Decreto-Lei n.º 735-A/74, no imediato, perante a agitação que se vivia, este Normativo é objecto de rejeição generalizada pelos elementos mais activos das escolas (Formosinho e Machado, 2000a, p. 35).

Ao que parece, as escolas não reuniam condições sociopolíticas para promover a implementação da totalidade do Decreto-Lei em referência pelo que, em muitas escolas, o Conselho Pedagógico não foi constituído, continuando a funcionar o Plenário de Professores. No fundo o Conselho Directivo era um executivo das decisões do plenário dos professores (Lima, 2002, p. 17).

Contudo, esta rejeição inicial terá abrandado com o tempo, uma vez que, a coberto deste Decreto-Lei, foram constituídos e homologados conselhos diretivos na maioria das escolas. Constata-se que em finais de 1975, cerca de 80% das escolas teriam conselhos directivos (Idem, p. 18).

Tendo em conta estes dados, parece que, mesmo com resistências, se caminhou a passos largos para a dita normalização democrática e, embora a Revolução ainda estivesse na rua, a verdade é que, ao que parece, se procurou muito rapidamente colocar ordem no funcionamento das escolas, talvez por influências dos pais ou de alguns pais que, nestas alturas, apelam sempre mais à responsabilização.

Na verdade, o figurino uniforme e global de aplicação generalizada a todas as escolas começa a avançar, reafirmando-se, no Normativo anteriormente referido, que as propostas resultantes das assembleias (agora consultivas), não obrigam os órgãos de gestão à sua execução (Artigo 32.º) e, por outro lado, começa a relembrar-se também a dependência hierárquica, ao referir-se no Artigo 31º que os estabelecimentos oficiais dos ensinos preparatório e secundário continuarão sujeitos à superintendência dos competentes órgãos e serviços centrais do Ministério da Educação e Cultura.

Vivendo-se ainda um período muito dramático de afirmação da própria democracia, notava-se, por um lado, a necessidade do próprio Estado em reafirmar a sua autoridade mas, por outro, na rua ainda se conseguia com alguma facilidade inflamar os ânimos, até porque não participar era, nesta altura, proibido, daí os cuidados porque, facilmente, se era considerado reacionário.

Nas escolas o ambiente em que se vive, embora numas mais que noutras, é de claro confronto e de vivência dum dia-a-dia repleto de contradições:

Contradições que impedem as bases do sistema escolar de ter um projecto minimamente congruente de autogestão pedagógica. A divisão é tanta, os partidos são tantos, as forças são tantas, os conflitos são tantos que, mesmo a luta contra os projectos dos governos e do Ministério, não é capaz de colocar os actores e as partes numa situação de consenso. Isto é, opondo àquele projecto governamental um outro projecto autogestionário (Idem, p. 19). Assim, embora as bases da escola se encontrassem no meio de alguma convulsão e até revolta face ao avançar da recentralização burocrática da organização escola, na verdade não se vislumbrava o entendimento suficiente mesmo entre professores, mercê do sectarismo político então vigente, para serem capazes de apresentar um projeto de gestão democrática das escolas que revertesse um projeto pedagógico e que fosse uma alternativa séria ao controlo burocrático uniforme e centralizado que começava a reimplantar-se.

Há quem refira que, por esta altura, a questão da autonomia não se colocava da forma como se coloca hoje, nem tão pouco se colocava às escolas, porque já a exerciam na prática, mesmo no meio do caos e desordem organizacional a que já fizemos

referência, pelo que poderá perguntar-se qual era o sentimento reinante quando se tinha autonomia (na base da autogestão) para tudo ou quase tudo.

Ao que parece, esta autonomia instituída foi “sol de pouca dura”. O facto de as Escolas de Abril terem construído e exercido autonomia com dirigentes, em muitos casos, tecnicamente impreparados, mas eleitos pelos pares num processo democrático, não contribuiu para que a partir daqui se originasse um novo modelo de administração e gestão das escolas. Como nos refere Formosinho (2005):

Não foram dadas novas atribuições ou mais competências à escola ou aos seus órgãos eleitos e, após breve interrupção dos dois anos de democracia quase directa (1974-1976), o sistema de telecomando central continuou (p. 101).

Apesar do centralismo ditado pela proclamada necessária normalização se voltar de novo a acentuar, esta dita normalização apenas tem condições para começar a produzir efeitos a partir de finais de 1976, após a aprovação da Constituição e a realização das primeiras eleições legislativas (Lima, 2011b, pp. 59-60), nomeadamente a partir da publicação do Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro.

É deste caminhar que a organização centralizada e uniforme, embora de forma lenta mas inexorável, se vai afirmar para perdurar mais de duas décadas, consubstanciando-se num modelo centralizado de legitimação democrática (Idem, p. 64), de que vamos procurar dar conta como um período de afirmação da normalidade das Instituições de Governo Democrático.

2.6. A normalização democrática na uniformização centralizada do

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