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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

4. Dinâmicas organizacionais e políticas educativas

4.2. Avanços e recuos na redefinição do papel do Estado

Com o suporte resultante da publicação do Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, foi pela primeira vez possível desenvolver em Portugal políticas educativas locais de caráter diferenciado, na procura de soluções para problemas diversificados e contextualizados.

Este diploma teve reflexos

nas práticas diferenciadas de autonomia que cada escola conseguiu concretizar, muitas vezes induzidas de forma indirecta por mecanismos condicionadores do financiamento de projectos a que se candidatava, e desembocou no desenvolvimento de políticas de territorialização (Formosinho e Machado, 2000b, p. 94).

Neste novo paradigma, às necessidades locais são também associadas estratégias locais

para as causas educativas, sejam elas nacionais ou locais, faz deslocar o debate para as ideias de autonomia e de contratualização, em que o paradigma da territoriolização das políticas educativas serve a necessidade de redefinição do papel do Estado na Educação, entendido como devendo ser mais de regulação e de estruturação (idem).

Esta ideia de territorialização que se vinha fundamentando em necessidades contextualizadas advinha também da necessidade de continuar a manter acesa a chama do discurso governativo sobre a autonomia das escolas que,

por um lado visava mobilizar os actores sociais para a mudança, mas que, por outro lado, se desenvolvia num contexto conservador, dominado por uma administração burocrática e centralizada (Barroso, 2006, p. 25).

Em termos práticos, através de projetos pontuais, resolviam-se alguns problemas. Contudo, a questão da autonomia reforçada, aquela que efetivamente seria necessária para as escolas, deveria passar pela transferência de competências e recursos dos níveis superiores da administração.

Em estudo efetuado em cinco países da Europa12, Maroy (2009a) refere que, aproximadamente nos últimos vinte anos, se tem observado evoluções significativas nos modos de regulação institucional; frequentemente foi produzida legislação que originou reformas nesses mesmos países, todavia, Portugal é, no conjunto dos países estudados, o que mostrou menos evolução nesta área.

Na verdade tem havido por parte dos diversos países uma procura de alternativas à falência dos modelos de regulação, burocrático e profissional, onde, por vezes, se conjuga e combina a regulação do “estado burocrático e administrativo” com uma regulação “profissional, corporativa e pedagógica” (Barroso, 2006). Em Portugal a produção legislativa não é o que tem faltado, uma vez que a administração central tem vindo a implementar diversas reformas do sistema educativo com vista a resolver alguns problemas. Porém, quando pretendemos comparar o sistema educativo português com o de outros países europeus, verifica-se que este se tem caracterizado por uma centralização e burocratização excessivas(Costa, Martins e Abelha, 2008, p. 57).

Embora, como se referiu anteriormente, tenha havido evolução no sentido da descentralização, as diferenças são muito substanciais quanto à evolução das reformas estruturais nos diferentes países. Enquanto a Bélgica e a Inglaterra são os países que mais se distanciaram deste modelo (burocrático-profissional), a França e Portugal são os que ainda hoje estão mais próximos (Maroy, 2009b).

Para que se verifique efetivamente uma redefinição do papel do Estado na escola pública do país, em termos de concretização do reforço da autonomia das escolas, Barroso (2006) entende que este reforço de autonomia se deverá realizar através do que

12 O estudo em referência, Convergences and hybridization of educational policies around “post- bureaucratic” models of regulation, incidiu em cinco países europeus (Bélgica, Inglaterra, França, Hungria e Portugal).

identifica como um tríplice movimento, com várias cambiantes e amplitudes: delegação de competências e recursos; individualização de percursos escolares; horizontalização das dependências (p. 24).

Concretizando um pouco cada um estes três vértices do reforço da autonomia, haveria então necessidade de, no caso da:

. delegação de competências e recursos – descentralizar através da transferência de competências e recursos da administração central, regional ou local para as escolas;

. individualização de percursos escolares – o PE nacional passar a estar contextualizado ao nível da escola, seja com adaptações ou até a construção de um PE próprio;

. horizontalização das dependências – aumentarem as interdependências com a comunidade local e com as outras escolas do mesmo território, diminuindo a dependência vertical em relação à administração educativa.

A esta perspetiva de reforço da autonomia consubstanciada na necessidade de resposta a problemas e circunstâncias locais, o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro não conseguiu dar resposta na generalidade das escolas e, ainda menos, nas escolas do primeiro ciclo e do pré-escolar, acabando por se manter um pouco a dimensão simbólica da autonomia. É conveniente relembrar que este Normativo se identificou muito tempo como o diploma da autonomia contudo, ao que nos parece, continuou a vigorar a administração centralizada e burocrática.

Dar uma resposta efetiva à necessidade de reforço da autonomia, continuar a alimentar a retórica governativa, ou responder de forma mais eficaz a uma nova disponibilidade de meios e recursos, terão sido razões que impeliram a concretização de um novo modelo de ordenamento jurídico da direção, administração e gestão das escolas, abrangendo todos os níveis de ensino. Estamos a referir-nos à publicação do Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio.

Efetivamente, reafirma-se no preâmbulo deste Diploma que, além da necessidade já prevista de alteração dos modelos de gestão em vigor, a reforma do sistema educativo pressupõe uma inserção da escola na estrutura da administração educacional que obriga à transferência de poderes de decisão para o plano local. Reforçam-se ainda, através deste preâmbulo, as medidas previstas no Decreto-Lei n.º 43/89 de 3 de fevereiro, garantindo particular relevância à escola como entidade decisiva nos planos cultural, pedagógico, administrativo e financeiro e conferindo-lhe nessas vertentes vasta autonomia.

Além destas intenções que são apontadas no preâmbulo, concretiza-se no corpo do Diploma, a existência de um órgão de direção (Conselho de escola), o qual apela a uma ampla participação da comunidade educativa, que passa pela representação dos alunos do ensino secundário, dos pais, pessoal não docente, câmara municipal, interesses socioeconómicos e interesses culturais da região.

A este conselho são atribuídas amplas funções e competências, que passam pela eleição do diretor executivo, aprovação de regulamento interno, orçamento, plano de atividades e PE, entre outras que, se pretende, venham a concretizar a autonomia das escolas.

Se munidos destes dois Diplomas, anteriormente referidos, se poderia afirmar que teríamos condições para que, no âmbito da Reforma do Sistema Educativo, a autonomia das escolas pudesse avançar de forma definitiva, tal como já referia Lima (1995), a autonomia surgia como um corolário da descentralização, no sentido de uma devolução de poderes e não de uma mera delegação de poderes (p. 35).

Contudo, o Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio acaba por ser aplicado apenas em regime experimental em cerca de trinta escolas, nunca se vindo a generalizar, talvez devido a mudanças de estratégia política, ou mesmo fruto de resistências diversas dentro da própria Administração Educativa. A este propósito Lima (1995) referia que:

A gestão política da reforma é uma gestão enviesada (...,) as regras do jogo foram fortemente alteradas e a gestão política desta reforma reorientou-se e subordinou-se a novos paradigmas, a novas preocupações.

Deste ponto de vista, sou extremamente crítico relativamente à implementação e ao Decreto- Lei n.º 172 de 91 (p. 35).

Embora sem nos querermos alongar em demasia nesta retórica de prolongamentos sucessivos, à implementação do regime de autonomia previsto no Decreto-Lei n.º 172/91, de 10 de maio, também Barroso (2001) se lhe refere da seguinte forma:

A novidade e complexidade das mudanças em curso, interdependência das acções a desenvolver (da responsabilidade de diferentes actores), a diversidade de situações existentes nas escolas e regiões, a manifestação de focos de resistência nas autarquias e nas escolas aconselhariam à adopção de dispositivos de regulação, recursos e calendários adequados. Tal não se verificou (…) (p. 13)

Mesmo em aplicação experimental, ao que parece, continuou a apostar-se por parte da Administração educativa em posturas que em pouco ajudavam a implementar a autonomia: As práticas desta, em vez de serem diferenciadas, como se esperaria, continuaram a ser centralizadas (Formosinho e Machado, 2000b, p. 95).

Contudo, pese embora os recuos, as iniciativas locais diferenciadoras acabaram por não parar vindo a ser desenvolvidas sob diversas formas. No âmbito dos incentivos à qualidade na educação são então lançados pelo ME alguns programas, como sejam o Projecto de Escolas Isoladas, os Territórios de Intervenção Prioritária, o Programa Educação Intercultural, o Programa Educação para Todos – PEPT 2000, os Centros de Recursos, os Centros de Formação de Associação de Escolas, entre outros.

Entretanto, o Conselho de Acompanhamento e Avaliação, constituído com o objetivo de acompanhar a implementação deste modelo de direção, administração e gestão, acaba por deixar algumas recomendações onde, além de referir que a rede experimental deverá manter-se em 1996/97, sugere a introdução de alguma maleabilidade, sendo de destacar ainda:

Como conclusão e recomendação final, importa sublinhar que as orientações preconizadas no presente relatório, no sentido de uma descentralização estatal e de uma correspondente maior autonomia para as escolas, não poderão ser entendidas como o “abandono” destas por parte da administração educativa. Pelo contrário, o seu apoio terá de ser incrementado, designadamente para que sejam rapidamente eliminadas as fortes assimetrias existentes nas condições de funcionamento das escolas, de modo que todas possam usufruir, igualmente, dos benefícios de uma verdadeira autonomia (p. 91).

Embora não saibamos exatamente qual o efeito desta última recomendação, o certo é que através do Despacho n.º 130/ME/96, o ME solicita a João Barroso um estudo prévio com vista a identificar os princípios que devem orientar o processo de transferência de competências nos domínios pedagógico administrativo e financeiro às escolas, no quadro do reforço dos seus níveis de autonomia.

Viriam a estar assim lançados os alicerces do que seria o Decreto-Lei n.º 115- A/98, de 4 de maio que seria identificado como Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respectivos agrupamentos. Trazia como novidade a autonomia a que cada escola poderia aceder na base de um modelo contratual.

Pese embora alguma profusão legislativa a que fomos assistindo na procura de respostas à falência dos modelos em vigor, ou na procura de formas diferentes de regulação do sistema educativo e da escola pública, na verdade, mesmo tendo em conta as particularidades nacionais, segundo Maroy (2009a), o modelo burocrático- profissional ainda está presente em todos os países estudados13.

4.3. A tendência para a lógica do gerencialismo empresarial no sistema

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