• Nenhum resultado encontrado

A tendência para a lógica do gerencialismo empresarial no sistema público de educação

Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

4. Dinâmicas organizacionais e políticas educativas

4.3. A tendência para a lógica do gerencialismo empresarial no sistema público de educação

Se a necessidade de um acesso generalizado à educação conduziu a que, no nosso País, na década de 70 do século XX e seguintes, a máquina da administração educativa se tornasse cada vez mais pesada, também não é menos verdade que continuou centralizada à sombra de uma burocracia que, em cada dia, respondia cada vez menos aos contextos locais e aos problemas individuais. Quando comparado com outros sistemas educativos europeus, o sistema educativo português surge como um dos que menos evoluiu no sentido da autonomia (Maroy, 2004). Em Portugal, o sistema educativo continuou a caracterizar-se pela centralização burocrática que acabou por condicionar a capacidade de resposta às tensões e aos inúmeros problemas que povoam o dia-a-dia de cada escola (Costa, Martins e Abelha, 2008, p. 57) e que em nada facilitam a necessária adaptação e desenvolvimento de processos de mudança.

Neste contexto que tem vigorado e que, em certa medida, ainda é a força maior no Sistema Educativo, a administração pública educativa preocupa-se com a correção dos procedimentos, orientados por regras centralmente determinadas. Os objetivos centrais passam pelo cumprimento de normativos e pelo respeito absoluto das formalidades, baseados no pressuposto de que a qualidade do serviço público de educação que é prestado se encontra contida na substância das normas centralmente pré- definidas.

Na transição para uma lógica de gerencialismo empresarial, a solução passa pela adoção de regras e estruturas idênticas às usadas nas empresas, consideradas mais maleáveis e com capacidade de adaptação à mudança. Aqui o objetivo primeiro não é o cumprimento formal de regras mas antes a obtenção de resultados. Neste contexto de lógica do gerencialismo empresarial, a qualidade do serviço concretiza-se através da definição de objetivos operacionais e da avaliação da sua concretização, fugindo então à lógica burocrática, na construção um serviço público de educação:

Na lógica do gerencialismo empresarial, cada escola deve definir e executar o seu próprio plano de desenvolvimento de acordo com a missão, os objectivos, os recursos disponíveis e o contexto, em vez de se limitar a assegurar a prestação do serviço na forma prescrita pelo Estado, como acontece na lógica da burocracia estatal. As escolas definem as suas metas obedecendo apenas a uma estrutura de tutela política, com princípios e objectivos gerais definidos pelas autoridades governamentais (Afonso, 2002, p. 97).

Nesta abordagem gerencialista, espera-se dotação orçamental em função do número de alunos e, se não total liberdade, pelo menos, maleabilidade na gestão dos

recurso humanos, especialmente docentes. Ao mesmo tempo pretende instituir-se nas organizações escolares estruturas de acompanhamento e decisão, numa lógica de procura da participação social e envolvimento da comunidade, procurando desta forma instituir controlo social e profissional para garantir a prestação de contas e evitar o controlo corporativo, nomeadamente docente.

Para que esta nova forma de regular o funcionamento da escola se desenvolva há ainda necessidade de instituir mecanismos de monitorização e avaliação, seja do desempenho dos intervenientes, seja da gestão dos recursos, numa perspetiva de prestação de contas pela atividade desenvolvida. Na lógica do gerencialismo empresarial as escolas deverão responder publicamente pelo serviço que prestam, procurando que haja uma responsabilização direta perante os cidadãos, enquanto na lógica burocrática a escola responde perante o Estado. O Estado, por sua vez, responde pelo serviço público de educação que é prestado pelas escolas.

Segundo esta lógica, a administração educativa deixa de ser responsável pela prestação direta do serviço educativo, ficando assim liberta para a definição de políticas, desenvolvimento estratégico, planificação de recursos e avaliação.

No que a Portugal diz respeito não pode afirmar-se que se assista a um avanço generalizado das políticas preconizadas do gerencialismo empresarial, contudo, a lógica burocrática e centralizada de um Estado que continua a ser responsável direto pela prestação do serviço educativo, associada a uma burocracia profissional no governo das escolas, tem, sucessivamente, a partir dos anos 90 do século XX, cedido lugar a uma maior participação da comunidade educativa a que se tem associado, ainda que de forma algo tímida, uma prestação pública de contas perante os cidadãos, nomeadamente com a implementação do modelo de direção administração e gestão das escolas e agrupamentos, preconizado pelo D.L. n.º 115-A/98, de 4 de maio.

Também não é estranha a situação limite a que se chegou ao longo dos anos noventa onde se acentuou a crise de confiança na escola. Resolvida a questão do acesso generalizado, começa a colocar-se, cada vez com mais enfoque para determinadas franjas da população, a questão da qualidade, nomeadamente para as classes médias, onde já não é tão importante que o acesso à escola esteja garantido. Nesta altura, o que passa a considerar-se como importante é ter acesso a uma “certa” escola, ou seja uma escola de “excelência”, com uma boa imagem pública e bem posicionada nos “rankings” dos resultados escolares (Afonso, 2002, p. 99).

Associada a esta nova procura das classes médias, assiste-se também a alguma descredibilização da escola pública, associada a uma degradação da sua imagem a que não foram estranhos alguns fenómenos de facilitismo a que a escola pública ficou sujeita, no decorrer da afirmação de determinadas orientações de política educativa. Abriu-se caminho para que o gerencialismo empresarial surgisse como resposta, quase “milagreira”, para reconstituir o prestígio perdido pela escola pública.

Neste quadro, a escola pública foi caminhando para uma diversificação a que não foram estranhos os normativos que surgiram ao longo da década de noventa do século passado, onde basicamente se procederam a alterações com alguma profundidade na organização e gestão das escolas e agrupamentos de escolas a que já fizemos referência. Como novidades podem ser apontadas algumas linhas de orientação que passam:

i) pelo surgimento de novos atores na direção das escolas, nomeadamente as autarquias;

ii) por uma maior formalização da gestão, valorizando a formação e depois mesmo o carácter unipessoal no desempenho de cargos;

iii) uma tentativa de responsabilização pública da gestão associada a uma menor regulamentação;

iv) pela formalização da gestão estratégica através da revalorização do conceito de projeto.

Neste caminhar, orientado por políticas educativas com pendor gerencialista, tem-se continuamente valorizado a bandeira da autonomia das escolas, pelo menos em termos de discurso político, uma vez que os contratos de autonomia, que suportariam na prática essa autonomia, têm avançado de forma bastante tímida conforme temos referido.

A par desta nova orientação estratégica da escola, tem-se valorizado igualmente a avaliação externa, provavelmente numa tentativa de (re)valorização da imagem da escola pública, uma vez que se tem procurado associar a qualidade ao desenvolvimento da avaliação, o que nem sempre é linear, como referem alguns estudos a que faremos também referência mais adiante.

4.4. A opção por uma lógica híbrida entre a lógica burocrática e a lógica

Outline

Documentos relacionados