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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

5. O caminho para um regime de autonomia

5.1. A opção por uma lógica contratual

No âmbito do relatório produzido por Barroso (1997), a que já fizemos referência, são apontados alguns aspetos considerados essenciais na evolução da autonomia, como sejam a contextualização de políticas educativas. No novo regime de direção, administração e gestão das escolas previsto no Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, considera-se igualmente essencial que o processo de obtenção de autonomia pelas escolas deva ser diferenciador, partindo do percurso já efetuado por cada escola e ainda pela vontade que essa manifestasse. Estes aspetos acabam por estar em sintonia com o que já havia sido proposto pelo Conselho de Acompanhamento e Avaliação (1997), onde se defendia a: autonomia escolar numa perspectiva de adesão voluntária (por parte das escolas) e contratual (entre as escolas e Administração), em moldes a definir e aplicar gradualmente (p. 90).

Ao relatório referido que, transformado em proposta, é apresentado ao Governo14, referem-se-lhe Formosinho e Machado (2000b) da seguinte forma:

assume um modelo de tipo contratual que, no quadro de um processo de descentralização, comprometa as partes contratantes nos objectivos estabelecidos, nos resultados esperados e na implementação dos meios necessários, a aferir por uma avaliação que muito pode contribuir para os ajustamentos que venham a tornar-se necessários e para o desenvolvimento de uma “pedagogia da autonomia” (p. 96).

Contudo, Barroso (2004) refere-se à transformação da sua proposta, em “forma de Lei”, da seguinte forma e a uma distância bastante para esfriar qualquer sentimento de paternalismo da proposta:

As lógicas "científica" e "administrativa" das propostas iniciais vão sendo preteridas pelo "pragmatismo político" no quadro de uma estratégia global do governo para o sector e em função dos múltiplos arranjos e acordos com os parceiros sociais (sindicatos, associações de pais e municípios, partidos políticos, etc.). Este processo leva à elaboração de uma proposta de diploma sobre a "autonomia e gestão das escolas (...). Esta proposta retoma no seu preâmbulo, muitos dos princípios constantes do meu estudo prévio, mas afasta-se dele, substancialmente, em muitas das medidas concretas e da sua regulamentação (...) (p. 61) Pese embora os avanços e recuos, o governo acabou por promulgar um diploma que, respondendo às exigências da Lei de Bases do Sistema Educativo, procura consagrar um modelo que garanta a democraticidade dos órgãos e o equilíbrio na representatividade entre os sectores da comunidade educativa (Formosinho e Machado, 2000b, p. 96).

A resposta legislativa surgiu e consubstancia-se então no Decreto-Lei n.º 115- A/98, de 4 de maio, já referido, que, apesar das contradições que serão mencionadas acaba por trazer para a escola, pelo menos em termos formais, membros da comunidade local que até agora sempre tinham estado arredados de qualquer papel na organização da escola pública. Estas contradições ou oportunidades de autonomia que poderão ser facultadas por este novo regime, serão analisadas, mais adiante.

5.2. A autonomia preconizada no Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de

maio que tardou em avançar.

Encontrada a modalidade de governação pelo Estado Português que optou por uma lógica do tipo contratual, importa analisar de forma mais aprofundada as soluções autonómicas que são apontadas pelo Decreto-Lei em referência e, ao mesmo tempo,

apontar também algumas das dificuldades que se depararam à implementação da autonomia contratualizada nas escolas e agrupamentos de escolas.

Logo na abertura deste Normativo, no início do preâmbulo considera-se que a autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, considerando-se ainda, mais adiante, ser uma forma de as escolas desempenharem melhor o serviço público de educação.

Também se concretiza no mesmo preâmbulo a proposta de afastamento da lógica de modelo uniforme, surgindo pela primeira vez a figura dos contratos de autonomia, numa perspetiva de que a autonomia deve partir de situações concretas, distinguindo os projectos educativos e as escolas que estejam mais aptas a assumir, em grau mais elevado, essa autonomia.

Entrando no corpo deste Normativo, através do seu Artigo 3.º, considera-se que: Autonomia é o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados.

Ainda no mesmo Artigo 3.º, retoma-se a ideia já apontada dez anos antes pelo Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, de que o projeto educativo (PE), o regulamento interno (RI) e o plano de atividades constituem instrumentos do processo de autonomia das escolas.

Este Normativo, que pretende ser a resposta à falência do modelo burocrático- profissional (Maroy, 2004), tem o seu Capítulo VII totalmente dedicado aos CA, começando o Artigo 47.º por referir:

A autonomia da escola desenvolve-se e aprofunda-se com base na iniciativa desta e segundo um processo faseado, em que lhe são conferidos níveis de competência e de responsabilidade acrescidos, de acordo com a capacidade demonstrada para assegurar o respetivo exercício. Para depois, no Artigo 48º, se referir que, por CA se entende

o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação, a administração municipal e, eventualmente, outros parceiros interessados, através do qual se definem objectivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimento do projecto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão de uma escola ou de um agrupamento de escolas.

Neste mesmo Artigo 48º faz-se ainda referência aos princípios orientadores dos CA que entendemos ser de referir pela importância de que se revestem e que passam pelo seguinte:

. Subordinação da autonomia aos objectivos do serviço público de educação e à qualidade da aprendizagem das crianças, dos jovens e dos adultos;

. Compromisso do Estado e dos órgãos da administração e gestão na execução do projecto educativo e respectivos planos de actividades;

. Consagração de mecanismos de participação do pessoal docente e não docente, dos alunos no ensino secundário, dos pais e de representantes da comunidade;

. Reforço da responsabilização dos órgãos de administração e gestão, designadamente através do desenvolvimento de instrumentos de avaliação do desempenho da escola que permitam acompanhar a melhoria do serviço público de educação;

. Adequação dos recursos atribuídos às condições específicas da escola ou do agrupamento de escolas e ao projecto que se pretende desenvolver;

. Garantia de que o alargamento da autonomia respeita a coerência do sistema educativo e a equidade do serviço prestado.

Refere-se ainda a existência de duas fases de autonomia, concretizando-se, no Artigo 49.º deste Normativo, as competências a atribuir nos domínios seguintes:

. Gestão flexível do currículo, com responsabilidade de inclusão de componentes regionais e locais, respeitando os núcleos essenciais definidos a nível nacional;

. Gestão de crédito global de horas que inclua a componente lectiva, o exercício de cargos de administração, gestão e orientação educativa e ainda o desenvolvimento de projectos de acção e inovação;

. Adopção de normas próprias sobre horários, tempos lectivos, constituição de turmas e ocupação de espaços;

. Estabilização do pessoal docente, designadamente pela atribuição de uma quota anual de docentes não pertencentes aos quadros, de acordo com as necessidades da escola e respeitando o regime legal de concursos;

. Intervenção no processo de selecção do pessoal não docente, nos termos da lei geral; . Gestão e execução do orçamento, através de uma afectação global de meios; . Possibilidade de auto financiamento e gestão de receitas que lhe estão consignadas; . Aquisição de bens e serviços e execução de obras, dentro dos limites a definir;

. Associação com outras escolas e estabelecimento de parcerias com organizações e serviços locais.

A segunda fase de autonomia constitui-se num aprofundamento das competências e alargamento de meios disponibilizados na primeira fase.

Neste Capítulo VII também se refere no Artigo 50º, a forma como a direção executiva das escolas pode dar início ao processo de candidatura, como são analisadas as candidaturas no Artigo 51.º, até à celebração do contrato prevista no Artigo 52º, de acordo com uma matriz referida neste Artigo e de regulamentação em normativo a publicar.

Finalmente, no Artigo 53º, faz-se referência à forma como deve ser desenvolvida a coordenação, acompanhamento e avaliação da contratualização, a nível nacional, regional, pelas estruturas competentes do Ministério da Educação.

Face ao exposto, poderia pensar-se estarem criadas todas as condições para que houvesse alterações na forma de organização centralizada da escola pública e, para que finalmente a desejada e prometida autonomia chegasse.

Ao que parece, as mudanças formais concretizaram-se contudo, o que era realmente novidade neste Normativo, os CA, a tal autonomia contratualizada, essa continuou durante mais algum tempo sem ser implementada.

Relembremos que até 2007, quando o primeiro grupo de vinte e duas escolas assinou CA, apenas uma escola se tinha proposto a tal em 2004, por sinal uma escola com características muito particulares, no contexto nacional15.

Com efeito, embora o Normativo publicado se intitulasse ele próprio de regime de autonomia, ao que parece, a administração educativa nacional ou regional não estava muito disponível para “abrir mãos” da capacidade decisória e ceder uma margem maior de autonomia às escolas. Veja-se o exemplo dos primeiros passos relacionados com a implementação deste Normativo:

Ora logo nos primeiros actos constituintes do “novo modelo”, designadamente através da aprovação dos regulamentos internos, a administração regional assumiu o tradicional comportamento hierárquico e autoritário, considerando-se o melhor intérprete do decreto, uniformizando regras, impedindo certas soluções em benefício de outras, à semelhança do que virá a ocorrer mais tarde com a imposição de um lógica vertical de agrupamento de escolas (Lima 2006, p. 40).

Face aos atrasos que se vão sucedendo na implementação dos CA os quais, por vezes, eram justificados com a falta de requisitos das escolas e agrupamentos para acederem à contratualização, o que poderia levar a concluir pela necessidade de intervenção por parte da administração educativa, para ultrapassar constrangimentos, conforme está previsto no Normativo em análise.

Como seria difícil concretizar intervenção na totalidade das escolas e agrupamentos de escolas, Lima (2011a) sugere uma outra alternativa:

a de que a “administração educativa” deveria ter sido objecto de uma “intervenção específica” por parte do poder político que visasse “ultrapassar as dificuldades e os constrangimentos detectados” em termos de democratização e de descentralização e, assim, viesse a permitir a assinatura de contratos de autonomia com as escolas (p. 38).

Parece-nos importante que se entenda se, após a autonomia ter sido decretada, terá havido ou não vontade e/ou força política para concretizar a sua concessão, daí

15 Estamos naturalmente a referir-nos à Escola da Ponte que até setembro de 2003, com 27 anos de projeto educativo continuava funcionar em regime de experiência. Em 25 de setembro de 2003 realizou- se uma sessão pública na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto em defesa do projeto educativo da Escola da Ponte, uma vez que o Governo de então retirou as condições de funcionamento anteriores. Por esta altura, Rui Canário, Filomena Matos e Rui Trindade (Orgs.), promoveram a publicação ESCOLA DA PONTE – Defender a Escola Pública. In api.ning.com/files/...jbCJTlC7zQ/AEscoladaPonte.pdf

fazer para nós sentido questionar qual a autonomia que se procura ou qual a autonomia que se deseja.

Citando Barroso (2006), este retardar consentido pode significar a necessidade da Administração Educativa em adequar a retórica do discurso político à necessidade de promover reformas meramente administrativas:

O carácter ficcional destas políticas fazem com que a “autonomia”, mais do que a expressão de uma vontade emergente das escolas ou de uma tentativa de resolução de problemas por parte da administração educativa, tenha sido, sobretudo nestas circunstâncias, uma expressão simbólica destinada a mobilizar “as escolas” para aceitar as mudanças a introduzir pelo centro do poder político (nomeadamente no domínio da gestão) e a servir de legitimação de novas modalidades de controlo (p. 28).

Também por esta altura Lima (2006) se refere aos atrasos na implementação da contratualização que, no entanto, continua a fazer parte da retórica política:parece que, quanto mais é invocada como princípio doutrinário, mais adiada tende a ser enquanto política de descentralização e prática de autogoverno das escolas (…) (p. 8).

Mesmo considerando todos os avanços e recuos que se têm verificado à volta da implementação da autonomia das escolas e agrupamentos de escolas, parece haver algum consenso relativamente à forma como alguns investigadores têm defendido o incremento da autonomia nas escolas. Pese embora a publicação de legislação regulamentadora do processo de autonomia ter surgido, na verdade, continuou-se durante mais alguns anos a viver de declarações políticas formais que, por si, continuaram a contribuir para o retardar da implementação da autonomia nas escolas e agrupamentos de escolas.

Para Bolivar (2004), a solução poderia passar por criar:

condições oportunas que possibilitem melhor ou pior, capacitar as escolas para construir, em diferentes graus de desenvolvimento (nunca homogeneamente), a sua própria autonomia para um melhor serviço de educação (p. 93).

Finalmente, a Portaria que define a matriz dos CA acaba por ser publicada, quando já tinham decorrido quase dez anos, em setembro de 200716, por alturas em que estava em marcha a implementação dos primeiros 22 contratos a assinar entre as escolas ou agrupamentos de escolas e as direções regionais.

Nesta Portaria, além de se instituir a matriz do respetivo CA, referem-se, no Artigo 3.º, as condições ou requisitos para a celebração do CA:

16 A Portaria n.º 1260/2007, de 26 de setembro além de instituir a matriz dos CA que estavam em vias de ser assinados, aponta ainda algumas condições para que se concretize a autonomia na escola/agrupamento de escolas.

a) Adopção por parte da escola de dispositivos e práticas de auto-avaliação; b) Avaliação da escola no âmbito do Programa de Avaliação Externa das Escolas;

c) Aprovação pela assembleia de escola e validação e da respectiva direcção regional de educação de um plano de desenvolvimento da autonomia que vise melhorar o serviço público de educação, potenciar os recursos da unidade de gestão e ultrapassar as suas debilidades, de forma sustentada.

No artigo seguinte, o 4.º, reforça-se a obrigação de serviço público para as escolas, na perspetiva de que a escola constitui um serviço responsável pela execução local da política educativa nacional e prestadora de um serviço público de especial relevância. Por sua vez, o Artigo 5.º refere-se ao âmbito da autonomia, estabelecendo-se que esta se processa de forma faseada, através da atribuição de competências com diferentes níveis de profundidade. Ainda neste Artigo são referidas as áreas de abrangência do CA:

a) Organização pedagógica; b) Organização curricular; c) Recursos humanos; d) Acção social escolar;

e) Gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira.

Nos Artigos seguintes estabelecem-se as cláusulas contratuais (6.º) e institui-se no Artigo 7.º a comissão de acompanhamento local (CAL) nos seguintes termos:

Para cada contrato de autonomia será criada uma comissão de acompanhamento local, constituída por dois representantes da escola ou agrupamento de escolas, um representante da direcção regional de educação, uma personalidade externa de reconhecido mérito na área da educação a nomear pela direcção regional de educação, um representante da associação de pais e um elemento indicado pelo Conselho Municipal de Educação.

O Artigo 8.º reforça os mecanismos de acompanhamento ao determinar que a escola ou agrupamento de escolas deve produzir um relatório anual de progresso e que esse relatório deverá ser sujeito a um parecer da CAL, remetendo-se depois o conjunto para a direção regional respetiva.

Os restantes dois artigos, 9.º e 10º, referem-se, respetivamente, à Comissão de acompanhamento nacional a criar por despacho do Ministro da Educação e à resolução de litígios emergentes do CA que deverão ser submetidos à arbitragem nos termos da lei.

Os primeiros 22 contratos que implementaram a autonomia contratualizada que em outras tantas escolas e agrupamentos de escolas públicas obedeceram à matriz orientadora que se apresentou.

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